Os sonhos dos seus filhos não são seus
Parece difícil, mas é o certo a se fazer! É preciso deixar os filhos terem os próprios sonhos e tomarem as próprias decisões para o futuro, especialmente na fase de escolher carreira
Há alguns anos, eu tive um aluno espetacular: carinhoso, criativo, educado, generoso, inteligente e perspicaz. Quando chegou o ano de vestibular, mudou completamente em poucas semanas.
Passou a fazer menos perguntas, menos tarefas, estava cabisbaixo e até mesmo agressivo, característica que sempre passou longe da sua personalidade, pelo menos na escola.
Depois de um desentendimento com um professor, o chamei para conversar. Nos conhecíamos desde que ele tinha 12 anos, não precisava de muitos rodeios.
Quando perguntei diretamente o que estava acontecendo, ele não pensou duas vezes antes de me dizer que a mãe estava “arruinando” a sua vida.
A justificativa era simples e não era a primeira vez que eu escutava algo parecido: meu aluno me explicou que queria cursar Belas Artes.
Porém, os pais não admitiam que ele não seguisse os passos do pai, dos tios e dos avós – todos advogados. Além disso, eles argumentavam que seria ingratidão desperdiçar a oportunidade de herdar um grande escritório.
A crise do vestibular terminou bem
Eu disse que ele deveria fazer o que tivesse vontade, a despeito do que a família desejava. No dia seguinte, a mãe estava na escola ameaçando me processar.
Vou adiantar a história contando que hoje o Hugo é um artista brilhante que me presenteou com um dos quadros mais bonitos que tenho na minha parede.
E, não menos importante, tem uma mãe orgulhosa que não deixa passar nenhuma data comemorativa sem me enviar uma mensagem carinhosa, ainda que tudo tenha acontecido há mais de dez anos.
Adianto o final – feliz, mas especificamente nessa história e em outras poucas – porque meu objetivo neste artigo é outro.
Minha intenção é dizer o que sigo dizendo a todas as famílias, cada vez que encontro um estudante sofrendo pela falta de autonomia em suas decisões sobre o próprio futuro.
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Pressão afeta saúde e sonhos
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 14% dos adolescentes vivem com transtornos mentais, e cerca de 1 em cada 5 adolescentes enfrenta algum tipo de problema de saúde mental.
Redes sociais que estimulam a comparação excessiva, falta de diálogo em casa, traumas e até mesmo o momento político que o país enfrenta, são algumas das razões possíveis para que tenhamos um dado tão alarmante. E esses números só tendem a crescer.
E o que isso tem a ver com a ideia de permitir que nossos filhos tenham sonhos e desejem por conta própria? Tudo. Aparentemente, o mundo atual permite um número maior de aspirações, profissões e oportunidades no que diz respeito ao futuro.
A ideia antiga de que a pessoa só teria sucesso se escolhesse as carreiras de Medicina, Direito ou Engenharia já não é mais uma realidade.
No entanto, em geral não há diálogo ou orientações necessárias para que o adolescente decida qual será a sua carreira. Além disso, existe o fato de termos um sistema educacional extremamente defasado. O resultado desse contexto, em vez de abrir o leque, tende a gerar ansiedade, falta de motivação e perspectiva.
Permita que os filhos desejem por conta própria
Por isso, se há desejo e sonhos, deixe que sejam realizados, ainda que você tenha a convicção de que outra escolha poderia trazer mais benefícios profissionais.
Quando dava aulas de Redação em pré-vestibulares, cansei de ver meninos e meninas acatando as escolhas feitas pelos pais. Dois anos depois, esses mesmos alunos estavam na minha sala de pré-vestibular, lamentando pelo tempo perdido.
E esses eram os que davam sorte; em geral, a maioria deles são obrigados a terminar o curso que “escolheram”, sob o argumento de que “depois de formado você pode decidir se realmente quer mudar de profissão”.
A verdade é que dificilmente isso acontece. A vida atropela e chegam novas demandas. Quantas pessoas insatisfeitas e frustradas com a própria trajetória profissional conhecemos?
Quantas poderiam ter sido melhor orientadas nas suas reflexões sobre o futuro? Elas poderiam ter esmiuçado as suas habilidades antes de fazer uma escolha?
E quantas pessoas com as quais hoje trabalhamos se ressentem por não terem seguido o caminho que desejavam?
Os sonhos dos seus filhos são são os seus
Se o Hugo optasse por não resistir à pressão da família – o que seria justo – , o mundo teria perdido um grande artista.
Além disso, o mundo teria mais uma pessoa insatisfeita e provavelmente ressentida com a vida se a mãe não se permitisse a escuta, tanto da escola quanto do próprio filho. E também se Hugo não fosse naturalmente mais questionador – o que constitui exceção no ambiente escolar.
Permitir que os filhos explorem suas próprias aspirações não é apenas um ato de empoderamento, mas também um investimento em seu bem-estar mental.
Em vez de impor escolhas, é mais inteligente cultivar um ambiente de apoio e diálogo, em que eles possam descobrir suas habilidades, interesses e valores.
Esse processo não apenas fortalece a autoconfiança, mas também os prepara melhor para enfrentar os desafios e sentirem-se capazes de fazer suas próprias escolhas todas as vezes em que isso for imposto pela vida.
Mudo de emprego? Tenho mais um filho? Abro meu próprio negócio? Me divorcio? O que quero fazer nos próximos cinco anos?
É dolorido, mas não estaremos sempre aqui. Portanto, lembrem-se: os sonhos dos seus filhos não são seus. Cabe a vocês apoiar, guiar, aconselhar e encorajar.
Mas jamais forçar decisões que possam comprometer a realização pessoal deles. Ao abraçar a individualidade de crianças e adolescentes, estamos contribuindo para uma sociedade mais satisfeita, com mais propósito e, naturalmente, mais feliz.
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