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Fotos de viagem: você sabe quando é hora de clicar ou só curtir?
Fotos de viagem podem mais distrair do que te ajudar a viver o momento. Mika Baumeister/ Unsplash
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Neste artigo:

A mochila de viagem de Eli, um israelense de quem fiquei amiga enquanto viajava pela Escandinávia, era um tanto desengonçada – notava-se quando ele a jogava nas costas. O desequilíbrio era culpa da carga de peças desiguais, recordações que ele ia colhendo no caminho: uma pedra, um livro de autor local, quinquilharia garimpada em feira…

O que Eli não carregava mesmo era câmera. Percebi quando passamos a viajar juntos e estávamos indo embora de Turku, na Finlândia. Pois é… Meu amigo não tirava fotos de viagem! Ele temia que, na busca pelo melhor ângulo, deixasse passar alguma experiência excepcional, dessas que a gente diz que “só mesmo estando lá para entender”.

Não sou habilidosa com fotos, portanto gostei da ideia. A partir dali e por um bom tempo desencanei das lentes. Além disso, com meus cliques amadores, não creio que algum dia eu conseguisse expressar a cena a seguir: perto do meu apartamento temporário em Beirute havia um cinema. Melhor dizendo, a carcaça de um. Abandonado, vazio e silencioso. Lá dentro, a claridade vinha em feixes de luz passando por centenas de buracos de bala.

Era uma monstruosa lembrança da guerra civil libanesa (1975-1990).

E quase toda tarde eu entrava lá e, sozinha, fuçava o espaço relembrando o que ouvi sobre o conflito quando era criança. Mas vocês nunca saberão se isso é verdade ou mentira – não fiz fotos.

Quando uma foto vai longe demais

O fato é que, por trás do hábito de dispensar a câmera, existia em Eli um viajante que não cultivava a menor vaidade. Meu amigo jamais pretendeu esfregar na nossa cara que esteve no Polo Norte, na Suíça, nas ilhas Faroe ou sei lá mais onde. Na Polônia, sei que um dia esticou até Auschwitz, o infame campo de concentração e extermínio da Segunda Guerra Mundial, hoje aberto ao turismo. Fotos? Acho que nem cogitou.

Aliás, já faz alguns anos, a organização do Memorial de Auschwitz vem repudiando publicamente o que considera fotografias desrespeitosas feitas por visitantes e postadas nas redes sociais: “não é lugar para brincar” — tuitou uma vez. Ou seja, foi um apelo por respeito, pedindo aos visitantes que parassem de postar selfies nos trilhos da ferrovia que levam às infelizes instalações – os mesmos trilhos que transportaram trens carregados de prisioneiros durante a guerra. Foi porque me lembrar dessa nota que me recordei também do Eli e das vezes que perdi uma experiência real em algum lugar do mundo para a neura da melhor foto.

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Larga o celular!

Recentemente, me deparei com um delicioso artigo do escritor brasileiro Matheus de Souza – autor do livro Nômade Digital, finalista do prêmio Jabuti 2020 – intitulado Largue a porr* do celular. Ele, que hoje mora em Paris, narra que a experiência como turista na própria cidade, em janeiro deste ano, chegou bem perto de ser deprimente. “Hordas se espremem na busca do melhor ângulo para as suas fotografias”, diz.

Matheus preferiu manter o celular no bolso e espiar de longe (já que de perto seria entrar num embate com a multidão apontando a câmera do celular para todo lado) a Monalisa de Da Vinci, a Vênus de Milo ou as salas do Palácio de Versalhes de um jeito que, atualmente, até considero inusitado: com os próprios olhos.

Além disso, no artigo, ele aproveita e vai um pouquinho mais longe do que apenas demonstrar irritação e lembra que a Wikipédia mantém um histórico com acidentes e óbitos provocados por selfies⁠. Então, propõe: essas pessoas, no lugar de influenciadores digitais, seriam “influenciados digitais: pessoas comuns que perderam a vida tentando replicar tendências nas redes sociais”.

Turismo hypado, balanços e redes na água

Como ninguém é de ferro, o escritor nos conta sobre quando perdeu de avistar um filhote de tubarão numa praia da Tailândia porque estava olhando para o lado errado – que era, adivinhem… a tela do celular.

Aliás, passei pela mesma experiência na África do Sul, exceto por dois pontos:

  1. O que eu perdi de ver foi um tubarão adulto agarrando uma saborosa foca de almoço;
  2. Matheus perdeu de ver o filhote de um dos maiores predadores do oceano por estar gravando uma publi, ou seja, trabalhando – Matheus é um influenciador.

Já eu… Eu estava era ocupada com o que depois chamei de “desnecesselfie”.

Certa vez, no norte da Europa, encontrei um balanço vazio pendurado no galho de uma árvore de frente para o mar Báltico. Como se tivesse encontrado um tesouro, balancei ali sozinha durante um pôr do sol inteirinho. Mas, no ano seguinte, quando voltei, encontrei uma fila de gente aguardando a vez para dar uns embalos e fazer a foto perfeita. Afinal, o real motivo do balanço estar ali era servir a influenciadores digitais como peça num cenário perfeito para produção de conteúdo de Instagram.

Balanço no mar báltico.

Balanço no mar báltico. Arquivo pessoal: Juliana Reis.

Hahahaha! A bobona aqui tinha usado o brinquedo para brincar.

Desde então, passei a notar como tantos lugares ficam lotados de pessoas apenas por causa da busca pela foto perfeita. Então, comecei a me questionar se há quem realmente consiga curtir à toa um balango sem pressa, sem câmera e offline naquelas redes dentro d’água – como aquelas de Jericoacoara, que aparecem nos feeds de quem vai para esse paraíso no Ceará, sabe?

Ainda sobre os balanços, recentemente avistei um deles instalado num espaço um tanto incoerente no litoral de Santa Catarina. Pendurado no jardim de um bar na orla da praia, mas no primeiro impulso forte que o usuário desse, o resultado seria a colisão com a barreira de vidro que separa jardim e calçada. Não é para brincar, mas para o turista fazer foto.

Talvez eu tenha ficado ranzinza com o tempo.

Curtindo a viagem durante ou depois?

Falando em tempo, quase 20 anos separam este momento em que escrevo e a história de Eli. Ele continua avesso a câmeras e apaixonado por enxergar o mundo em tempo real e com os olhos mesmo, os de verdade.

Gosto de lembrar da observação que ele fez a bordo de um Hurtigruten, o famoso navio que desde 1893 percorre a região costeira da Noruega. Na época, embarcamos juntos com um imenso grupo de japoneses, notáveis por estarem sempre com as melhores câmeras à mão. — “Já reparou que eles têm costume de observar tudo por detrás das lentes? Mais do que com os próprios olhos? Será que curtem a viagem agora ou depois? Voto por depois, vendo as fotos.”

Acho que não são mais só aqueles japoneses, Eli.

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