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Como superar as pedras no caminho da vida
(ILUSTRAÇÃO: TIAGO GOUVÊA) • @TGOUVEA Uma pedra no caminho...
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Quando eu era criança, tinha uma imagina­ção povoada por heróis. Ficava encantada com os seres justiceiros que zelavam pela vida e pela paz do mundo.

Foi nessa época que decidi ser he­roína. E isso seria possível se eu fosse médica. Cresci com essa certeza, mas na hora do vesti­bular ela já não estava cristalina e acabei op­tando por Psicologia.

Embora amasse o curso, senti que não estava preparada para cuidar das emoções das pessoas. E desisti.

Depois, aceitei a sugestão dos meus pais e me matriculei em Direito. Não completei um bimestre. Fui para o curso de fisioterapia e só então minhas fantasias infantis ruíram.

Per­cebi que na vida real os resultados não eram imediatos e eu não poderia salvar todas as pessoas do sofrimento. Foram dois anos de tentativas fracassadas, todas decididas na pressa.

Como a terapeuta Kathleen Smith re­sume no livro Nem Tudo Está Perdido (Buzz Editora): “a reação é nossa resposta ansiosa. E sua ansiedade quer que você aja rapida­mente, mesmo que isso não seja maduro.”

A ansiedade em resolver a vida de uma só vez

Trouxe meu exemplo profissional, mas quantas vezes tomamos atitudes assim, mes­mo em momentos corriqueiros do dia a dia?

“Quando o alarme começa a soar, não saio correndo e gritando pela casa. Não bato nele com uma vassoura até parar. Simplesmen­te olho em volta e verifico se há fogo. Se não houver, reajusto o alarme”, diz.

A sensação do tempo de vida passando sem ter uma escolha profis­sional fez o meu alarme continuar disparado. A única coisa que me ocorreu foi a pergunta que faz companhia a muitos de nós quando sofremos reveses na vida. “E agora?”

Não precisa ser algo sério como a morte de alguém próximo para nos fazer perder o norte, pelo menos num primeiro momento.

Um amor que não deu certo, um projeto que desandou, uma demissão, a falência de um negócio pró­prio ou até uma comemoração especial que foi um fiasco podem nos fazer sentir no meio de um incêndio, sem água à vista.

Acontecimen­tos difíceis e repentinos mexem com a gente porque fazem escapar das nossas mãos o con­trole que achamos que temos sobre a vida.

O que fazer quando as coisas dão errado?

É comum que, em momentos assim, a pessoa amplie o tamanho do problema e mergulhe num sentimento de desamparo. E assim não se sinta capaz de mudar uma vírgula sequer no roteiro de sua história de vida, para que ela faça sentido de novo.

Para se proteger da chuva de pensamen­tos e emoções negativas, pode chegar a ponto de agir como se nada estivesse acon­tecendo.

“No afã de superar a adversidade, ela pode negar. Mas em algum momento vai ter que parar, reavaliar, enxergar esse sofri­mento”, diz Wagner Machado, professor de psicologia da PUC-RS (Pontifícia Universi­dade Católica do Rio Grande do Sul).

Quando tudo dá errado, uma das coisas que mais ajudam é ter um propósito de vida, pois ele é uma fonte de força para quem quer se levantar de um tombo.

“Se o seu barco tem um objetivo bem definido para chegar ao porto, mesmo com uma tempes­tade você sabe aonde quer chegar. Mas se o barco está à deriva, ele é atropelado por essa tempestade, que te deixa sem forças para corrigir a direção”, ilustra o psicólogo.

A nascente do propósito de vida e dos recursos internos é o autoconhecimen­to. Quando conhecemos as camadas mais profundas de nós, não é uma rodovia sem sinalização que nos faz perder o rumo por completo, e somos capazes de acionar nos­sos recursos internos.

Embora eles sejam construídos ao longo da vida, se esse tra­balho ainda não tiver sido feito, sempre é tempo de começar. Mesmo se for difícil ou demorado fabricá-los.

Problemas são fontes de aprendizado

Situações que dão errado muitas vezes vi­ram trampolins para aprendizados e cres­cimento pessoal. Por baixo da casca delas, geralmente há coisas boas escondidas.

Até mesmo uma doença pode ser uma sacudi­da para reservarmos tempo para o que de fato é importante, correr atrás dos nossos sonhos e dizer “não” para o que nos faz mal.

Também são bagagens que nos ajudarão nos acontecimentos que não derem certo no futuro – para sacar delas uma solução, resgatar a autoconfiança e não sair da ex­periência com a autoestima arranhada.

As adversidades nos afetam de formas di­ferentes porque cada um de nós interpre­ta a realidade de um jeito. Doem mais se a vida para nós é “tudo ou nada” ou se somos o tipo de pessoa que se esquece das coi­sas boas quando acontece uma ruim.

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A vida não é um grande “tudo ou nada”

Novo caminho …não é o fim de tudo!

Nem todos conseguimos passar por momentos difíceis sozinhos. E tudo bem. Aliás, recor­rer a pessoas de confiança ou profissionais de saúde mental é uma ótima maneira de aliviar fardos muito pesados.

Mesmo com apoio, o importante é saber que temos um tempo próprio para lidar com essa avalan­che de sentimentos.

Quando entendemos que não somos só sucesso ou fracasso, pegamos mais leve com a gente se algo não sai conforme o es­perado. Se erramos, a vida não acaba.

“Au­tocompaixão é entender que problemas ocorrem com todas as pessoas, o tempo todo. A outra parte dela é olhar para os fra­cassos e dizer: ‘Ok, estou aprendendo. Não preciso ser perfeito’.

Isso tira o peso dos eventos negativos da vida e evita que a pes­soa coloque muita pressão sobre si mesma, achando que ela é a única causa das coisas não darem certo”, observa Wagner.

Confie na intuição para encontrar o caminho

A atitude mais sábia é deixar passar o calor da frustração e usar o feeling como bússola. É ele que vai dizer se vale a pena insistir em fazer a situação dar certo ou se é hora de virar a página.

No meu caso, tirei dois meses para relaxar. O pensamento de fazer faculdade de jornalismo veio de re­pente. “Será?”, me perguntei.

Voltei à sala de aula e, mesmo desconfiada, concluí o curso. E, na primeira vez que escrevi uma história de vida, me apaixonei pelo meu ofício.

Às vezes me pergunto como não pensei nisso antes, já que fui uma criança encantada por histórias. Posso não ter o poder de salvar o mundo, mas tocar as pessoas com meus tex­tos enche a minha alma de sentido.

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SIBELE OLIVEIRA aprendeu a enxergar a beleza dos caminhos tortuosos e entender que eles não aparecem por acaso.


Conteúdo publicado originalmente na Edição 237 da Vida Simples

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