Como evitar o vício em telas em um mundo hiperconectado
Veja dicas práticas para superar o vício em telas e retomar um contato íntimo e profundo com quem somos e com o que é mais valioso
- As tecnologias servem-se de quem não impõe limites
- Ambiente digital promove um prazer viciante
- Livre-se do vício em telas: observe seu comportamento
- Investigue suas emoções e saia do automático
- Dependência é sinal de outros transtornos
- Dicas práticas para combater o vício em telas
- Seja ativista da sua própria atenção e tempo
- Os benefícios de ter uma relação saudável com as telas
- Saia do vício em telas e abrace o vazio
Com o surgimento dos smartphones, a jornalista norte-americana Manoush Zomorodi ficou animada em poder trabalhar enquanto cuidava do seu bebê. Mas, passado um tempo, se percebeu menos criativa.
Os momentos de tédio, dos quais brotavam ideias, eram ocupados pelo vício em telas, conta ela em um TED Talks. Bastava um intervalo de vazio para que prontamente o preenchesse respondendo e-mails, checando a agenda e as notícias.
Interessada na importância do tédio para criar, Manoush entrevistou especialistas e decidiu fazer um experimento. Ela criou uma campanha para que as pessoas diminuíssem seu tempo no celular.
O grande ganho foi a observação crítica dos participantes em relação ao uso dos aparelhos. “Elas se sentiram empoderadas. Seus telefones tinham passado de gerenciadores de suas tarefas para ferramentas novamente”, conta Manoush.
As tecnologias servem-se de quem não impõe limites
A jornalista defende que, se não decidirmos como vamos usar a tecnologia, as plataformas farão isso por nós. E nos lança um desafio:
“Perguntem a si mesmos: o que estou realmente procurando? Porque, se for para checar e-mail, tudo bem — façam isso e pronto.”
“Mas, se for distraí-los do trabalho duro que vem com pensar mais profundamente, façam uma pausa, olhem pela janela e saibam que, quando não fazemos nada, estamos na verdade sendo nosso ‘eu’ mais produtivo e criativo.”
“Pode parecer estranho e desconfortável a princípio, mas o tédio pode, de verdade, levar a ideias brilhantes.”
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Ambiente digital promove um prazer viciante
Passamos boa parte dos nossos dias checando mensagens, olhando o feed das redes sociais, sem perceber o que está ao redor
Daniela Arrais, sócia da Contente, plataforma para uma vida digital mais consciente, pondera que boa vontade pode não ser o suficiente para ficar longe do vício das telas.
Afinal, as redes sociais foram desenhadas para prender a nossa atenção. “Não é uma questão de força de vontade ou dificuldade de ficar no presente”, diz.
As redes sociais fazem parte do chamado mercado da atenção, onde, em vez de pagarmos com dinheiro pelo uso de aplicativos, pagamos com os nossos dados pelo tempo que interagimos online, explica.
Esses dados são vendidos para terceiros que os utilizam para produzir anúncios personalizados e, aísim, gerar receita com vendas.
Além disso, ganhar um like ou um comentário libera dopamina. A substância, ligada à sensação de prazer, está presente em atividades físicas, no sono e no sexo.
Mas, no mundo digital, esses estímulos se repetem muito mais vezes. Nosso cérebro, querendo mais desse prazer imediato, nos estimula a usar ainda mais as redes.
É aí que nasce o vício em telas ao usar o aparelho, explica a pesquisadora de educação digital Denise Lourenço. “O ambiente proposto pela era digital é muito mais propenso aos vícios do que qualquer coisa que o ser humano tenha experimentado no passado”, alerta.
É provável que você já tenha se pegado checando o celular mesmo quando não está à espera de nada em específico. Verificando se há e-mails novos, espiando as redes sociais, intercalando com mensagens no WhatsApp…
E perdendo a noção do tempo enquanto repete esse flanar sem rumo pelos aplicativos.
Livre-se do vício em telas: observe seu comportamento
Entrevistando psicólogos, Denise descobriu que quase todos os pacientes têm, hoje, ao menos um vício comportamental relacionado ao abuso de internet.
“Estamos todos no mesmo barco, exagerando em diferentes medidas. Mas, como ocorre em qualquer dependência, há pessoas mais propensas à conexão tóxica e pessoas que nunca desenvolverão dependência. Por isso, não é possível estabelecer o que é um limite abrangentemente saudável”, diz.
Então, como perceber que estamos perdendo o prumo? Denise indica algumas perguntas para mapear o grau de dependência tecnológica: você visualiza ou responde mensagens a qualquer hora, interrompendo o que estava fazendo?
Você sente que o uso de redes sociais interfere no seu trabalho, no seu lazer ou nas suas relações humanas? Usa o celular ao mesmo tempo em que conversa com alguém ao vivo?
Reluta em ficar sem o celular, mesmo que por um breve período? Se a maioria das respostas for sim, pode ser hora de repensar essa relação.
Investigue suas emoções e saia do automático
Para Daniela, investigar as emoções que temos ao acessar as redes sociais pode ser uma oportunidade de sair do piloto automático do vício em telas.
“Quando a gente passa muito tempo abastecendo as redes sociais, às vezes, estamos procurando uma validação externa quando só podemos encontrar essa validação dentro da gente”, diz.
“É importante pensar nas redes sociais como bússola para as nossas emoções”, observa.
“As tecnologias são maravilhosas e sedutoras”, admite a psicóloga Anna Lucia Spear King, coordenadora do núcleo Delete, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
“Elas nos ajudam a resolver várias questões do dia a dia: trabalhar de onde quer que seja, pagar contas, pegar uma condução, pedir comida…”, elenca.
Mas, justamente por concentrar tantas facilidades, precisamos aprender a usá-las de maneira adequada, evitando problemas emocionais e físicos.
E os tempos atuais evidenciam quão urgente é olhar para isso. Afinal, o uso de celulares aumentou em 63% durante a pandemia, cita Anna.
Dependência é sinal de outros transtornos
Observe se o seu comportamento com os celulares tem influenciado sua rotina de lazer e trabalho e no convívio com quem ama
Mas, segundo ela, a maioria das pessoas não pode ser considerada viciada em telas de celulares. A dependência patológica da tecnologia estaria associada a transtornos já existentes, como ansiedade e depressão, explica.
“O vício traz sintomas físicos e emocionais quando a pessoa fica impossibilitada de usar tecnologia, incluindo angústia, ansiedade, nervosismo, como em uma crise de abstinência”, diz.
“As pessoas não são dependentes, mas sim mal educadas ao usar a tecnologia. Usam sem limites, por muitas horas, viram a noite usando. Acessam o celular no ônibus, no teatro, no elevador… É um uso excessivo.”
Dicas práticas para combater o vício em telas
As especialistas compartilham alguns caminhos de como fazer um melhor uso dessa ferramenta tão poderosa. Colocar o celular no modo avião pelo menos uma hora antes de dormir é um deles.
E ter um relógio ou despertador analógico no quarto, de forma que possa deixar o aparelho em outro cômodo enquanto dorme.
A luz do celular influencia nos níveis de melatonina, o que tem um impacto significativo na qualidade do sono.
Ao acordar, busque passar a primeira hora da manhã sem telas, principalmente se seu trabalho te demanda estar conectado na maior parte do dia.
Faça as refeições sem celular e não o acesse enquanto dirige. Para evitar ser atravessado pelo brilho nas telas a todo momento, desative as notificações.
Assim você se concentra e pode reservar um momento para checar as mensagens. Monitore o tempo de tela e como você o utiliza.
Há aplicativos que mostram quantos minutos você passou em cada aplicativo, ajudando a ampliar sua consciência sobre onde está investindo seu tempo. Assim, você consegue estabelecer limites mais saudáveis para o uso.
Seja ativista da sua própria atenção e tempo
Para Daniela, tudo isso é sobre ser ativista pela sua própria atenção e pelo seu próprio tempo. Ela recomenda, ainda, convidar mais pessoas a pensar na relação com as redes sociais, estimulando mudanças estruturais e coletivas.
“Não adianta pensar só individualmente, temos que pensar coletivamente para que mudanças aconteçam”, ressalta.
Além desse controle cotidiano, considere os detoxes digitais: dias em que você se permite ficar completamente distante das telas.
“Nosso cérebro precisa de um período regular sem o aparelho para se recuperar e se rejuvenescer”, incentiva Denise. Para não sofrer, a pesquisadora recomenda fazer o jejum de maneira gradual.
“Você pode planejar um sábado ou domingo offline. Lembre-se de comunicar as pessoas sobre isso. E, se você mora com alguém, vai ser melhor se todos se envolverem”, aconselha.
E anote contatos importantes para qualquer emergência. “Abra espaço para que o acaso retorne à sua vida e vá viver um dia analógico!”
Os benefícios de ter uma relação saudável com as telas
Desfrute de momentos em que o uso do celular não é possível; assim, há mais chances de se conectar consigo mesmo
São muitos os benefícios de dar alguns passos atrás e visualizar o que você quer da sua relação com as telas – e passar bons períodos longe delas.
Para Anna, o tempo offline contribui para preservar nossa evolução espiritual e mental, deixando mais tempo para pensar na vida, nas pessoas, conversando mais intimamente conosco e com os outros.
Afinal, é nesses espaços de desconexão que mora uma das conexões mais genuínas: refletir sobre a nossa trajetória até aqui.
Também ajuda a observar quem está do nosso lado, quem acabou trilhando outros rumos e quais são as melhores rotas daqui para frente. Pode checar: para isso, o celular não tem mapas.
Saia do vício em telas e abrace o vazio
É no vazio que reside nosso poder de visitar o passado, respirar o presente e imaginar futuros que façam sentido com o que somos e o que queremos ser.
Imagine uma vida sem essa capacidade? Seria como andar pela rua olhando fixamente para o celular e topar com um obstáculo que passou despercebido.
Que tal se atentar aos seus passos e à paisagem, tendo no celular uma ferramenta útil para te acompanhar?
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MARTINA MEDINA é jornalista e luta por momentos longe das telas. Anotou no bloco de papel que precisa de um relógio analógico no quarto.
Conteúdo publicado originalmente na Edição 239 da Vida Simples
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