Trissomia 21: importância do acolhimento e inclusão de pessoas com Síndrome de Down
Implementação de políticas públicas, criação de espaços focados em diversidade e a garantia de participação no mercado de trabalho são alguns dos caminhos apresentados por especialistas para a inclusão de pessoas com Síndrome de Down na sociedade.
Na semana em que o mundo se dedica a debater a Síndrome de Down, a Vida Simples traz um especial sobre a Trissomia 21 e o que significa, de fato, inclusão.
A Trissomia 21, ou Síndrome de Down, como é mais conhecida, é uma condição genética provocada pela presença de três cromossomos 21 nas células de um indivíduo. No Brasil, estima-se que 270 mil pessoas convivam com a T21. Bem, mas não estamos aqui para falar sobre questões genéticas ou conceituais, embora sejam igualmente importantes para a compreensão do tema.
E olha eu falando sobre igualdade, uma pedra no sapato quando o assunto é pessoas neuroatípicas. Infelizmente, o sistema educacional, o mercado de trabalho e os próprios espaços da sociedade carecem de inclusão para pessoas com deficiência (PcD) ou alguma condição genética, como o caso da T21.
Legislações como a Lei Brasileira de Inclusão (13.146/2015) e a Lei de Benefícios da Previdência Social (8.213/1991) são alguns dos avanços no campo da inclusão e promoção da diversidade em diferentes ambientes. Mas ainda temos um bom caminho a ser percorrido, esperamos que, dessa vez, a passos mais largos.
Inclusão e participação ativa
Se o Brasil, um país com pouco mais de 200 milhões de habitantes, tem em sua população um número de 270 mil com T21, onde estão essas pessoas? Por que não as vemos no trabalho, nas universidades e nas filas do supermercado? Bom, você já deve imaginar o porquê.
Historicamente, sociedades do mundo inteiro negligenciaram a presença de PcDs e pessoas neuroatípicas nos espaços públicos, uma forma nada sutil de promover a exclusão e contribuir para que cidadãos assim perdessem autonomia e fossem limitadas a conviverem somente no espaço doméstico. Mas os avanços vieram e as conquistas de inúmeros direitos foram fundamentais para garantir uma escola inclusiva e empresas com profissionais diversos.
“A gente tem visto grandes avanços e precisamos ter cada vez mais. Tanto na parte de haver maior informação circulando, como novelas, programas, sites, pessoas famosas e celebridades que tem T21 e compartilham vivências, até propagandas que são veiculadas e há a presença de modelos neuroatípicos”, explica Bárbara Calmeto, diretora do Autonomia Instituto.
Segundo a psicóloga, é importante que a sociedade passe a naturalizar a presença de pessoas com T21 na sociedade, porque só assim podemos ter um olhar de igualdade, apesar das particularidades de cada um, que precisam ser respeitadas. “Quando a gente pensa em inclusão não é em direitos iguais, mas direitos respeitados de acordo com a necessidade de cada um”, destaca.
Bárbara, que atua na promoção da diversidade e no acolhimento a pessoas com T21, lembra que cada um tem suas vontades, interesses e gostos específicos, sendo a Síndrome de Down a única característica de muitos que convivem com a condição genética. Então, um passo importante é não enquadrar todo mundo em uma caixinha.
“Conscientizar as pessoas sobre a Trissomia 21 é fundamental para criar uma vida mais justa para todos. Mesmo com tantas notícias sobre os espaços conquistados pelas pessoas com T21, ainda encontramos os que os tratam de forma diferente ou infantilizada e isso não apenas não é correto quanto desrespeitoso.”
Infantilizar não é o caminho
Orientar o filho a ir sozinho para a escola pela primeira vez é um tanto difícil para muitos pais, afinal, a cidade é repleta de carros, ônibus, metrô, outros pedestres, um turbilhão de sensações. É difícil, mas um dia ele ganha independência. Mas e no caso das pessoas com T21?
É comum – e desconfortável – que muitas pessoas costumem tratar quem convive com a T21 de forma infantil ou hiperprotetora. A situação piora quando estamos falando de um adulto, afinal, não é porque tem Síndrome de Down que alguém não vai poder dirigir, encontrar um namorado ou namorada, viajar sozinho ou entrar no metrô por conta própria.
E isso é comum especialmente com pais aflitos em relação à independência do filho, o medo do preconceito e do bullying que muitos são submetidos e precisam enfrentar. Para reduzir essas inseguranças e promover um ambiente de maior liberdade e acolhimento, a neurologista infantil e membra da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil Letícia Sampaio dá dicas importantes:
- Busque informação confiável sobre a síndrome de Down, para compreender melhor as particularidades do seu filho e como ajudá-lo a desenvolver suas habilidades;
- Reconheça e respeite a individualidade e as capacidades do seu filho, oferecendo apoio e incentivando a independência;
- Busque apoio de outras famílias com experiência semelhante, para compartilhar experiências e aprender com as vivências de outros pais;
- Evite superproteger seu filho, permitindo que ele experimente situações diferentes, aprenda com as consequências de suas escolhas e possa desenvolver suas próprias habilidades sociais e emocionais;
- Aprenda a lidar com as dificuldades e desafios, buscando suporte profissional se necessário.
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Ocupando o mercado de trabalho
Claudio Aleoni Arruda é palestrante há um tempo, mas sua atividade profissional começou mesmo como atleta de hipismo, uma paixão que foi despertada ainda na infância, embora ele tenha atuado em várias empresas antes de começar a trabalhar com o esporte. “Eu descobri o dom com os cavalos desde criança, com um ano de idade. Sempre gostei e passei a minha infância na fazenda da minha avó em Minas Gerais”, explica.
Com o apoio da família, cursou o ensino regular, mas decidiu em diálogo com as pessoas mais próximas que não desejava ingressar na universidade. Aos 15 começou a ser ativo na Sociedade Hípica Paulista e se tornou um notável atleta da área. “Eu já ganhei dois títulos em provas de salto, isso foi o mais importante para a minha carreira”, lembra.
Além disso, Claudio começou a trabalhar em empresas de diferentes segmentos desde os 19 anos de idade. Depois de quatro anos atuando como CLT, pediu demissão e permaneceu durante um ano em um estágio voluntário. Depois dessa experiência, foi contratado por seus méritos e qualidades na Escola de Pôneis da Sociedade Hípica Paulista, onde permaneceu como trabalhador por 10 anos com carteira assinada.
Mas a história não para por aí. Como ativista, Claudio publicou em co-autoria o livro Mude o seu falar que eu mudo o meu ouvir, lançado em 2012 na sede da ONU em Nova York. “Isso foi marcante para a memória da gente”, explica.
Claudio é o primeiro atleta com Down da escola de Equitação da Sociedade Hípica Paulista a vencer campeonatos pela Federação Paulista de Hipismo. Foto: Vila Sabará
Mudança de rota
Depois de muito refletir sobre seu futuro profissional, o atleta tomou a decisão de se desligar das competições em hipismo e estar aberto a outras possibilidades de atuação no mercado. “Quando me aposentei de atleta eu pensei ‘preciso dar chance a outras pessoas’, e aí decidi vir morar em Piracicaba, onde realizo trabalho voluntário na região”, conta.
Sua mudança de rota ocorreu mesmo durante a pandemia, quando Claudio pediu demissão da Sociedade Hípica Paulista, mudou de cidade, indo para Piracicaba, e de vida, se aventurando em um novo trabalho. Para se especializar, foi aluno de um curso de empreendedorismo, o que o ajudou a se tornar palestrante. Por causa disso, Claudio decidiu abrir um MEI (microempreendedor individual), o CLahipismo.
Mas ele não nega a importância que o hipismo teve durante boa parte da sua vida e na sua própria jornada de autoconhecimento. “É por causa do cavalo todo o meu sucesso, é a partir disso que eu tenho força de vontade”, sintetiza.
Em novos ares, morando em Piracicaba, Claudio é embaixador de ONGs como a ASID Brasil e Iniciativa Kids, realiza palestras pelo país e contribui para um mundo com maior inclusão e diversidade, especialmente no Brasil.
“Precisamos despertar a sociedade para que ela tenha outro olhar com as pessoas que tem Trissomia 21, algo que é frequentemente confundido como uma doença.”
Claudio é hoje palestrante e ativista de inclusão. Foto: Mauricio Tura
Por um ecossistema da diversidade
Embora a integração de pessoas com Síndrome de Down ainda esteja caminhando para a igualdade que gostaríamos de alcançar, é importante que seja direcionado um olhar de acolhimento, convivência e apoio mútuo entre pessoas atípicas e típicas.
“Não se pode ter pensamentos limitantes, qualquer pessoa pode aprender e desenvolver habilidades novas a todo momento. O principal nesses casos é não limitar e sim sempre acreditar, incentivar e promover ferramentas que sejam facilitadoras desse aprendizado”, explica Joanicele Brito, psicóloga da Psicologia Viva e integrante da healthtech Conexa.
Para ela, é importante ter em mente que pessoas com T21 ou outras condições genéticas são capazes de desenvolverem qualquer atividade humana compreendendo, é claro, suas limitações e ritmos de vida. Joanicele destaca que é preciso naturalizar a presença e as potencialidades de cada um na sociedade.
“Todos os meus pacientes sabem que possuem desafios e potencialidades. Vamos tentar sempre vencer os desafios e trabalhar ainda mais para que as potencialidades cresçam”, explica.
Letícia Sampaio, neurologista infantil entrevistada para esta reportagem, enfatiza ainda que é preciso haver campanhas de conscientização em espaços públicos e privados, inclusão de pessoas com T21 em programas de aperfeiçoamento no mercado de trabalho e crescimento da carreira e incentivo à formação de redes de apoio. “Essas ações colaboram para criar um ambiente de acolhimento, liberdade e incentivo, permitindo que pessoas com Síndrome de Down possam explorar suas habilidades, desenvolver suas potencialidades e conquistar seus objetivos”, comenta.
Construindo um mundo mais inclusivo
Estar na internet é um desafio para muitos influenciadores e criadores de conteúdo, especialmente pelo medo sobre como o público irá receber e os riscos de sofrer um “cancelamento”, como vem sendo chamado os episódios de críticas e desaprovações de um conteúdo ou comportamento de figura pública.
Mas imagina vivenciar tudo isso e com a responsabilidade de ser a primeira digital influencer com Síndrome de Down do Brasil? Cacai Bauer é uma atriz profissional, PcD e criadora de conteúdo que, só no Instagram, já acumula quase 400 mil seguidores.
Hoje, com o espaço que conquistou na internet, ela destaca as mudanças que ocorreram em sua vida ao longo do tempo, especialmente a uma maior inclusão na sociedade. “Passamos da invisibilidade ao protagonismo em muitos setores e hoje podemos mostrar do que somos capazes, desde que nos deem essa chance. Eu me sinto feliz por fazer parte dessa geração que mostra do que é capaz e convive com pessoas que nos entendem melhor”, destaca.
Mas um ponto que ainda pega no seu pé é a infantilização das pessoas com T21, especialmente quando adultas. Cacai aproveita seu bom humor e a criatividade para educar aos seguidores como isso pode ser incapacitante para quem convive com a Síndrome de Down. “Precisamos melhorar a relação com os típicos, já que muitos, mesmo sem querer, acabam sendo capacitistas, nos tratando como eternas crianças ou nos subestimando e perguntando sempre pelos nossos responsáveis”, destaca.
“Eu tento lidar com essas pessoas com cuidado ao falar, mas com firmeza, corrigindo o jeito que me tratam, porque pensam que uma pessoa com deficiência deve ser tratada com excesso de cuidados e como criança”, acrescenta a influenciadora.
Cacai Bauer utiliza hoje as redes sociais para conscientizar e sensibilizar as pessoas sobre a Síndrome de Down. Foto: Tati Amaya/ Divulgação
Rede de apoio virtual
Hoje, a influenciadora construiu uma comunidade em suas redes sociais, o que a permite ter uma certa segurança e o apoio de seus seguidores em casos de discurso de ódio ou preconceito. Apesar disso, é comum ainda que ocorram casos de cyberbullying, especialmente comentários maldosos, xingamentos e brincadeiras de mal gosto. “Na maioria das vezes eu ignoro, mas é verdade que, junto com os seguidores que me apoiam desde o princípio, vieram também os “haters”, pessoas que se divertem praticando ciberbullying”, explica Cacai.
Com a sua capacidade de impacto social e digital, a influenciadora espera que seus conteúdos possam intensificar uma cobertura maior das políticas públicas e o cumprimento adequado da legislação em defesa das pessoas com T21.
“Eu acho que não podemos parar de cobrar dos poderes públicos e empresas privadas as nossas necessidades, pedindo mais educação inclusiva e acessibilidade na linguagem, principalmente audiodescrição, já que muitas pessoas com Down não são alfabetizadas”, conclui.
Cacai Bauer e a equipe de comunicação que a acompanha, Yasmin (à esquerda) e Luiza Bauer (à direita). Foto: Tati Amaya/ Divulgação
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