Eu posso te dar tudo, meu amor, menos a minha liberdade
A leitora Carmen Palheta enviou para o blog Você + Simples uma crônica sobre o amor e suas possibilidades, limitadas pela liberdade de cada um nessa relação afetivo-sexual
Carmen Palheta, da comunidade Vida Simples, enviou para o blog Você + Simples um texto sobre paixão, amor e liberdade. Boa leitura!
Te dou cheiro no pescoço. Cafuné. Um café quentinho. Aconchego pela manhã. Escolher um sabonete que cheira a algodão. E eu nem sabia que algodão cheirava.
Posso te oferecer pão com queijo minas e fritar ovo com gema meio mole. Fazer crepioca com requeijão e bacon frito. Colocar música clássica para a vida amanhecer suave.
Posso te ceder meus olhos de chuva após o almoço. Deitar em teu peito até babar um pouco porque sei que no fundo gostas de sentir que algo em ti me acolhe de um jeito que pesco o sono tão perfeito que ele não mais foge de mim. Consigo também ser teu abrigo macio feito manta de algodão mil fios onde te perdes e eu não encontro as pernas que tenho, tamanha a largura que o tecido possui.
Posso colar em ti sem te engessar. Colar meus cheiros; meus suores da idade; poesias espalhadas pela casa em adesivos até o espelho do banheiro. Ou esquecer centenas de vezes onde deixei o carregador do celular só para te ver reclamar e rir baixinho porque de tecnologia só entendem meus dedos e nada mais.
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O amor é doação
Consigo te dar uma carona. Te emprestar até meu cartão. Te dou o controle da televisão. Te ofereço o lado melhor da cama. Só para não sentires calor na madrugada e porque é justamente nesse canto que o ar condicionado chega mais forte.
Te deixar assistir ao filme de violência antes de dormir, até o sono bater em mim e quando bater, me capotar e já foi! Não escuto nem vejo nada além da luz fina que vai cerrando a retina como em um passe de mágica.
Posso te emprestar toalha limpa e cheirosa; colocar óleos essenciais no lençol da cama para que o sono seja leve e restaurador. Posso até comer sanduíche no jantar só pra te acompanhar e fugir da dieta porque vale mesmo é a partilha, lambuzar de maionese a roupa que acabei de chegar até ficar empachada de pão e sentir aquele abdômen nada tanquinho.
Consigo te fazer rir do simples gesto estabanado com que faço mil coisas ao mesmo tempo. Posso te deixar sem chão. Mas nunca sem alimento. Te beijar com lábios de jambu, causar dormência na tua língua; jantar teus arrepios e teus desejos tortos.
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Quando o limite do amor é a liberdade
Tudo isso e mais um pouco eu consigo te oferecer. Mas não consigo te entregar a liberdade toda que habita meu coração. Assim, sabe? Como fazem os apaixonados sem muita razão do que sentem porque se a possuem, já virou despaixão; desamor talvez. Estagnação.
Não consigo te dar a liberdade que custei, que custei muito para ganhar. Não veio no saco do pão. Não veio nem de asas até minha mão. Chegou se arrastando por anos. Foi enjaulada tantas vezes!
E quando finalmente pudemos nos tocar e sentir a leveza uma da outra… Ah, foi conexão! Café com pão. Tapioca com manteiga. Bolero de Ravel no entardecer.
Então ela, ela, me desculpe, mas ela é minha. Não abro mão. Ela, ela não consigo te dar, não…
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Carmen Palheta (@carmenpalheta) é a única filha entre dois irmãos. Escritora e jornalista de Belém do Pará. Autora do livro A Borboleta Azul e outras Crônicas e uma das 22 escritoras que compõem a Coletânea Gradiente.
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