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Natalia Pasternak: “É preciso mudar a forma de en­sinar ciência”
CRISTINA PYE
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Nos primeiros dois anos e meio da pandemia de covid-19, nós, que acompanhá­vamos apreensivos o noticiário, encontramos na cientista Natalia Pasternak, por tantas vezes, clare­za e um alento: além de explicar o que estava em curso e os estudos em andamento, ela deu voz à in­dignação em face da demora nas medidas de isolamento efetivo, da tardia compra de vacinas e foi uma incansável combatente das fake news que insistiam (e ainda tei­mam) em bater cartão nos debates.

Em 2020, ela se tornou a primeira brasileira a integrar o Comitê para Investigação Cética (CSI, na sigla em inglês), instituição criada nos EUA, em 1976, para apurar e esclarecer alegações que negam a ciência. No mesmo ano, a cientista recebeu o Prêmio Ockham de Ativismo Cético, promovido pela The Skeptic, como reconhecimento à sua importân­cia no combate à desinformação.

E todo esse caminhar fez dela um dos destaques da conferência Frontei­ras do Pensamento de 2022, que ocorreu entre agosto e novembro, com 12 importantes debates sobre o nosso futuro, especialmente co­nectado à tecnologia.

Natalia é formada em Ciências Biológicas pelo Instituto de Bio­ciências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e tem PhD com pós-doutorado em Microbiologia, na área de Genética Molecular de Bactérias pelo Instituto de Ciências Biomédicas da mesma universida­de (ICB-USP).

À Vida Simples, Nata­lia Pasternak falou sobre o futuro da saúde, como podemos nos preparar para o que está por vir e sobre a im­portância de ter a ciência no centro de debates sociais e políticos.

O que esperar do futuro no âmbito da saúde?

A gente está entrando em uma época da história do planeta – o Antropoceno – dominada pela es­pécie humana, que influencia di­retamente as atividades do nosso mundo. Estamos interferindo em relações ecológicas, com o desmatamento, aquecimento global e a agricultura predatória. E, com isso, espécies mudam de lugar, e entramos em contato com animais com os quais não nos relacionáva­mos antes. Essa interação, inclusi­ve entre as pessoas, por conta da globalização, leva a uma possível troca de patógenos e gera maior probabilidade de doenças emer­gentes. Precisamos, urgentemente, encontrar uma maneira mais sus­tentável de explorar os recursos do planeta. Melhorar nossos sistemas de saneamento, de vigilância genô­mica e de comunicação de doenças.

Ainda dá tempo de reverter­mos esse quadro?

Correndo o risco de ser pessimista, de acordo com um trabalho recen­te feito com modelagem matemáti­ca sobre interações entre espécies de mamíferos para verificar trocas de vírus, já estamos vivendo esse momento. Já tivemos um aqueci­mento de 1,2 grau centígrado no planeta, o deslocamento de espé­cies… É preciso agir agora, já esta­mos atrasados.

Entrevista com a cientista brasileira Natalia Pasternak Incansável divulgadora da ciência, Natalia Pasternak foi conferencista do Fronteiras do Pensamento, em São Paulo e Porto Alegre, em agosto de 2022

Como podemos nos preparar para novas doenças e surtos, causados por essa intensa degradação do planeta?

Como pessoas, acredito que pre­cisaremos ter uma etiqueta res­piratória, pensando que o mundo é muito globalizado, com densi­dade demográfica altíssima e do­enças respiratórias se espalham facilmente. Neste sentido, se estou com algum sintoma, tossindo, na­riz escorrendo, vou usar máscara para sair na rua. Levar álcool em gel sempre na bolsa, no transporte público. Não ir trabalhar com sin­toma respiratório num escritório com pouca ventilação. São hábitos que terão que ficar corriqueiros. Mesmo sem a Covid, isso precisará se manter. Mas não podemos jogar toda a responsabilidade de cuida­do sobre o cidadão. Há estratégias de políticas públicas que precisam acontecer, como já mencionei, sis­temas de controle e comunicação que precisam ser melhorados. A população precisa de instrução e boa comunicação dos governos.

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E a pandemia de covid-19? Va­mos vê-la acabar algum dia?

O estado pandêmico vai acabar. Nenhuma doença dura como pan­demia para sempre. Mas como a Covid vai se transformar, a gente não sabe. Só vamos saber olhando para trás, daqui a alguns anos, observando o último pico. Só aí saberemos se a doença apresentará surtos sazonais, se terá se tornado endêmica em regiões não vacinadas. Mas é difícil prever. O que sabemos é que pandemias não duram para sempre, elas acabam.

O que precisamos aprender tendo em vista os impactos e perdas que ainda estamos en­frentando?

De uma próxima vez, precisamos preparar uma resposta mais rápi­da. O período longo de isolamento poderia ter sido encurtado por um serviço melhor de comunicação, vacinas compradas e aplicadas antes, um bom isolamento, feito de verdade, logo no começo… Os aprendizados que ficam são esses.

“A ciência é baseada no que não sabemos, no que estamos investigando, em incertezas. Precisamos ensinar as crianças e jovens a ter pensamento crítico”

Qual o caminho para o comba­te às fake news, que influen­ciaram negativamente no en­frentamento à pandemia?

O acesso à informação é tão fácil que as notícias falsas sempre pre­cisarão ser combatidas. Vejo que o único caminho é investir pesada­mente em educação científica, para que as novas gerações não sejam tão facilmente enganadas. É preciso mudar a maneira como a gente en­sina ciências nas escolas, no Brasil e no mundo. Hoje falamos de ciên­cia às crianças e jovens de uma ma­neira conteudista, apresentando o que está certo e o que está errado. A gente não ensina como as desco­bertas foram feitas, quais foram os experimentos que nos levaram a essa ou àquela conclusão. Ensinar ciência dessa maneira, como prato feito pronto, e não como um pro­cesso de investigação, criará adul­tos que cobram respostas prontas, o sim ou não, como era pedido na prova. A ciência é baseada no que não sabemos, no que estamos in­vestigando, em incertezas. Precisa­mos ensinar as crianças e jovens a pensar, ter pensamento crítico.

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Conteúdo publicado originalmente na Edição 246 da Vida Simples

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