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Como garantir um planeta para o futuro?
Mika Baumeister
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Em abril deste ano, o estado do Ceará passou por um dos períodos mais chuvosos de toda a sua história. Em Fortaleza – onde vivo hoje -, foram cerca de 40 dias chovendo diariamente, muitos pontos de alagamentos, famílias afetadas, avenidas com problemas, um fenômeno que as cidades brasileiras ainda não estão preparadas para vivenciar. E este não foi um caso isolado. Em Paraty, no estado do Rio de Janeiro, uma tempestade de quase 300mm afetou profundamente a cidade, causando mortes, deslizamentos, enchentes e danos aos moradores.

Já em dezembro de 2021, municípios do sul da Bahia ficaram ilhados depois de fortes chuvas que atingiram a região, afetando cerca de 51 cidades, que decretaram estado de emergência. Na outra ponta, a região Centro-Oeste vive um período de estiagem que pode afetar a colheita de soja e a lucratividade do grão nesta safra.

Estes fenômenos, apesar de até parecerem isolados, estão intimamente conectados com as alterações climáticas que atingem hoje todo o planeta, embora com efeitos mais visíveis em determinadas regiões do que outras, especialmente no caso de áreas mais vulnerabilizadas e pouco preparadas para lidar com esse novo desafio. “A forma como as mudanças climáticas atingem as pessoas tem um fator desigual e estrutural. Os países na África vão sofrer de um jeito, o Brasil vai sofrer de outro, sendo que as responsabilidades da ruptura climática vem de população e países ricas ou super ricas“, explica Lívia Humaire, geógrafa e mestranda em Antropologia e ruptura climática pela Universidade de Coimbra (Portugal).

É visível para todos nós que precisamos de soluções e, de preferência, que sejam com urgência, para garantir o futuro do planeta, das novas gerações e a própria sobrevivência de diversas espécies da fauna e da flora essenciais para a o funcionamento e equilíbrio dos ecossistemas.

Estamos intimamente relacionados com cada ser vivo ao nosso redor, embora essa relação esteja cada vez mais fragmentada e desestabilizada pelas consequências desse novo contexto climático.

Não à toa, os especialistas já começam a chamar esse momento que vivemos de “ruptura climática”, pois os termos “mudanças” ou “alterações” não dão mais conta da gravidade da situação. É urgente a importância de um novo posicionamento frente à situação do clima.

Ruptura climática e os desafios para um novo mundo

Uma das principais consequências do aquecimento global e da chamada ruptura climática é a elevação no nível dos oceanos, que afeta especialmente países vulneráveis com pouca elevação geográfica acima do nível do mar, como as ilhas da Polinésia. Em novembro de 2021, uma foto viralizou no mundo depois que o ministro da Justiça, Comunicação e Relações Exteriores de Tuvalu enviou um vídeo à COP26 no meio do mar. Simon Kofe decidiu fazer o gesto para chamar a atenção dos líderes mundiais para o combate à crise climática e os efeitos em regiões mais propensas a desaparecer, como a ilha em que estava, que fica na Oceania.

Simon Kofe está no meio do mar enquanto posa para a foto usando um terno, um pulpito e a bandeia do país ao fundo. ruptura climática Imagem do ministro de Tuvalu circulou o mundo todo e acendeu o alerta sobre a elevação no nível dos mares. Foto: Divulgação

O planeta passa hoje por uma série de mudanças e alterações que podem chegar a um ponto de não retorno, como a extinção de espécies de animais e plantas, além dos fenômenos mais visíveis, como a elevação das temperaturas, chuvas intensas, secas cada vez mais fortes e uma sensação de insegurança a todo momento causada pelo desequilíbrio ambiental. Para Lívia Humaire, esse momento é crucial para o futuro da humanidade e para a implementação de soluções a curto, médio e longo prazo, que já deveriam ter sido iniciadas com maior ênfase e abrangência. “A gente está diante do maior desafio da humanidade, que é tentar mitigar a questão das alterações climáticas“, explica a pesquisadora.

Essa não é a primeira crise climática que o planeta enfrenta, de fato, houve diversos momentos da história geológica da Terra em que mudanças profundas ocorreram na vegetação, na fauna e nas características geográficas e físicas do ecossistema. Ainda assim, esse momento em que vivemos é inédito, porque nós – seres humanos – pela primeira vez, somos os principais responsáveis pelas mudanças que vêm ocorrendo.

O desenvolvimento das sociedades, as Revoluções Industriais, a produção desenfreada e o ritmo de consumo que vivemos hoje são cada vez mais insustentáveis para a existência de um planeta saudável, em equilíbrio com a natureza e preservado. “A crise ecológica que a gente vem vivendo hoje é uma expressão máxima da desigualdade e do sistema econômico que a gente perpetuou nos últimos 250 anos”, explica Lívia Humaire. 

Para a geógrafa, embora nós seres humano sejamos agentes de interferência no ambiente, a intensidade dessa ação e a responsabilidade individual de cada um são desiguais e variam a depender das condições econômicas e sociais em que nos encontramos. Por exemplo, bilionários que pouco se interessam em ações de combate às alterações climáticas e são donos ou sócios de empresas poluentes, precisam ser muito mais culpabilizados do que eu ou você – leitor – que passou tempo demais no banho ontem e consumiu mais água do que o recomendado.

A gente está diante de um quadro bem crítico para a humanidade de forma desigual, assim como os processos sociais são desiguais“, defende Lívia, já que países na África, Ásia e Oceania, por exemplo, estão muito mais suscetíveis aos efeitos da ruptura climática, embora boa parte desses lugares sejam os mais empobrecidos e que menos contribuem para a emissão de gases poluentes, diferente dos países ricos. 

As mudanças são tão intensas que pesquisadores de todo o mundo decidiram dar um nome a essa nova era: “Antropoceno“. A escolha foi feita para delimitar a pegada humana nesse processo e lembrar da nossa responsabilidade em reverter essa situação. “Embora do ponto de vista geológico não seja o mais correto, faz muito sentido para mim”, explica David Lapola, pesquisador e doutor em Modelagem do Sistema Terrestre pelo Instituto Max Planck / Universidade de Kassel, na Alemanha. 

Faz muito sentido para mim em termos de todas as mudanças que a humanidade vem promovendo, não só a questão climática, mas a questão da poluição atmosférica, dos corpos hídricos, da perda de espécies, redução da biodiversidade, uso de fertilizantes e outros processos em nível global que a humanidade vem alterando justifica cunhar esse termo“, defende o pesquisador. Lapola lembra que debates como esse dão ênfase na necessidade da espécie humana colocar em debate o tema da poluição e das alterações climáticas, “dá a real dimensão do nosso impacto e dá a devida importância para isso de modo que a gente possa discutir em nível global soluções para diminuir essa influência deletéria do ser humano.”

Greenwashing e a luta pelo clima

Você provavelmente já deve ter sido enganado por alguma propaganda ou anúncio publicitário que prometia muitos benefícios de sustentabilidade, mas que no fundo o resultado não era bem o esperado. Ultimamente, grandes empresas têm adotado estratégias como essa, isto é, mascarar problemas relacionadas à poluição ambiental e à degradação do meio ambiente mascarando seus impactos negativos no planeta e as consequência do ritmo de produção dessas indústrias em regiões afetadas pela sua produção.

Embalagens mais verdes, rótulos que lembram questões ecológicas, propagandas na TV e internet, apoio a causas ambientais, publicidade de ações mais sustentáveis dentro das empresas, ações de marketing, tudo isso pode se tornar estratégias que visam passar uma boa imagem para o público, mas que escondem problemas dessas companhias relacionadas à poluição. “Acaba sendo um mecanismo que as empresas usam para construir esse discurso mais verde, mas que acabam atrasando uma série de transformações e isso, na minha opinião, é o mais grave“, enfatiza Lívia Humaire. 

O greenwashing é uma prática cada vez mais comum no mundo inteiro. Lívia pesquisa o Brasil, Portugal e Suíça em um estudo comparativo e nos três países há exemplos de ações como essas que, para a pesquisadora, atrapalham a luta em defesa do clima. “A prática de greenwashing está bastante efetiva em todas as sociedades, é um fenômeno global”.

Por isso é importante sempre cobrar posicionamento das empresas sobre questões ambientais e ecológicas, mas também conhecer as políticas internas implementadas nessa área, além de conferir se isso se realiza na prática, como o uso de máquinas e processos menos poluentes, investimento em pesquisas e soluções para a redução da poluição, entre outras ações.

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Caminhos e soluções

O ponto em que estamos hoje não é fácil, não há muitas perspectivas de mudanças a curto prazo, até porque isso envolve uma integração global entre países, empresas, organizações da sociedade civil e muitos outros atores. “É muito difícil de resolver, mas muito causado pelas escolhas de desenvolvimento como civilização”, afirma David Lapola.

Por outro lado, há sempre caminhos e ações possíveis para combater e mitigar os processos de ruptura climática, que são debatidos globalmente em conferências e eventos internacionais, como as COPs (Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas). A última – COP 27 – realizada no Egito, foi criticada por cientistas e ativistas pelo clima por dar cada vez maior margem a empresas poluentes apresentarem soluções pouco viáveis, além de terem sido relatados casos de prisões de ativistas e repressão de manifestações no local. “O evento está totalmente corporativizado”, conta Lívia Humaire, que também cita a pouca pressão para que os acordos sejam feitos, já que não há nenhum tipo de punição pelo não cumprimento das metas de redução dos níveis de emissão de gases poluentes ou desmatamento. 

Autora do livro Negócios Eco-lógicos na Era do Greenwashing (Bambual Editora), Humaire avalia que há muita potência em pequenos negócios sustentáveis que trabalham com uma lógica local e coletiva, com um ritmo organizacional menor e que reduz – pela sua própria estrutura na cadeia de produção – os níveis de poluição. “Esses negócios acabam criando soluções locais, desenvolvem cadeias melhores de forma local. Enquanto a Unilever ou big corps estão em cadeias super globais e tóxicas, os negócios locais conseguem estruturar processos menos complexos, mais confiáveis e, por isso, mais sustentáveis”, afirma. 

Mas não é só isso, é preciso ficar de olho e atento a como pequenas empresas e iniciativas sustentáveis se comportam ao longo do tempo.  Para Lívia, é essencial que esses negócios adotem processos de mitigação da degradação ambiental, que amplie o impacto social, promova a mudança de hábitos nas pessoas em torno deles, formem comunidades engajados e participem de processos de mudanças sociotécnicas em direção a um caminho mais sustentável.

Ações individuais também são essenciais para o combate à ruptura climática, como adotar uma dieta alimentar mais sustentável, com menor consumo de carne e produtos de origem animal, utilizar menos água ou implementar um sistema de reaproveitamento na sua casa ou apartamento, além de outras ações, como comprar de pequenos produtores ou cooperativas, adquirir roupas em brechó e assim por diante. Mas isso, apesar de ser fundamental, não dá conta de resolver o problema em nível estrutural.

Isso envolve muitos setores socioeconômicos, desde padrões de consumo, a maneira como a agricultura é feita, como a indústria funciona“, defende David Lapola. “Você tem, por exemplo, a indústria de cimento, que produz muito gás carbônico, as siderúrgicas, a mineração, isso não é com ação individual que a gente muda”, acrescenta.

Encarar as mudanças climáticas implica em buscar soluções coletivas a nível global. Não há riqueza suficiente, muros e fronteiras para frear a degradação ambiental se continuarmos no ponto em que estamos. É preciso que a gente saia dessa situação de forma conjunta, com apoio, suporte, desenvolvimento de políticas globais e o engajamento das pessoas, empresas, ONGs, governos e ativistas em busca de um planeta seguro, saudável e com um futuro verde a ser construído.

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