Empatia e aceitação em Boy in the Woods
Empatia e aceitação em Boy in the Woods. No curta-metragem, o autismo é abordado de forma lúdica e leve, sem cair em vitimismos.
No curta-metragem, o autismo é abordado de forma lúdica e leve, sem cair em vitimismos.
Quando um menino autista se perde em uma estranha floresta, a única forma de seu pai resgatá-lo é através do entendimento e conexão com o mundo da criança. Essa é a história de Boy in the Woods (Menino na Floresta), um curta-metragem gaúcho produzido pela Hyde Animation Studios e Fábrica do Futuro e que está disponível no YouTube.
Um dos grandes destaques do filme é a trilha sonora de Francisco Hauck — pai de Vitor, um menino autista de 8 anos — e um dos produtores de Boy in the Woods. Francisco conversou com a Vida Simples sobre o processo de criação desse conto musical que fala sobre empatia e aceitação.
Boy in the Woods conta a história de um pai que, ao perceber que o filho autista se perdeu em uma floresta, precisa mergulhar no universo do menino para encontrá-lo. Como foi para você construir essa narrativa?
É sempre muito difícil contar histórias que são tão pessoais. Manter a obra como um trabalho lúdico — sem ser uma simples transcrição da minha própria jornada e do relacionamento com meu filho — e construir uma história capaz de captar as mentes e corações de públicos por todo o mundo, foi desafiador. Entretanto, o tema é tratado com sutileza e inferências, evitando a obviedade. No final, acredito que conseguimos contar uma história emocionante e universal. Sobre aceitação e empatia, amor e superação. Dessa forma, mesmo sendo inspirada em uma situação pessoal, Boy in the Woods conseguiu voar acima de mim e do meu filho.
Como veio a ideia de criar a história e quais elementos do seu relacionamento com o seu filho podemos encontrar no curta?
A criação de Boy in the Woods foi um ato espontâneo e incontrolável. Logo, a história, o cenário, o título e a música simplesmente aconteceram, sem premeditação. Pouquíssimo tempo foi despendido na criação. E tive pouco retrabalho. Quando a melodia aconteceu, eu enxerguei um menino diante da entrada de uma floresta sombria. E eu imediatamente chamei a cena de Boy in the Woods. Eu queria uma história de aventura, uma jornada emocionante, assustadora. Desde criança, eu sempre adorei este cenário, de explorar florestas e procurar tesouros. Brincar de pirata e soldado, de explorador.
Por outro lado, eu me vi no lugar desse menino, com o coração palpitante, prestes a explorar uma floresta. Depois, analisando a obra, fui finalmente entendendo o verdadeiro contexto da história. Por fim, tratava-se de uma floresta metafórica e não era eu aquele personagem.
Assim, quando a ideia do pai surgiu, a figura do lenhador me trouxe um signo de paternidade forte, protetora, resiliente. O lenhador passa a vida cortando árvores, mas nunca sequer sente que impacta a vastidão da floresta. E isto me pareceu uma analogia à missão dos pais de crianças autistas, que estão sempre em uma missão eterna. Sobretudo, não tem final à vista ou um impacto que possa ser sentido de fato. Todos esses elementos criaram os papéis de um pai lenhador e um filho aventureiro.
Crédito: Divulgação
O curta fala do espectro autista de forma lúdica, com empatia e aceitação. Além disso, que outros aprendizados o curta nos deixa?
O curta tem por essência a alternância de pontos de vista. Personagens mudam, cores mudam, a música muda, conduzindo o público em uma jornada de emoções. Portanto, esse foco em emoções é muito forte no curta, com grandes picos e mudanças de ritmos. Assim, essa sensibilidade extrema, além de fazer um paralelo com o autismo, cria uma narrativa centrada em emocionar pessoas.
Quando as pessoas se emocionam, elas lembram que são humanas. Se todos os dias as pessoas passassem por um exercício sensibilizador como este, teríamos menos guerras e violência. Parece presunçoso afirmar algo assim, mas acredito na arte como uma ferramenta que pode salvar a humanidade. Ou seja, a arte permite enxergar outros pontos de vista e experimentar coisas diferentes. A história do Boy, acima de ser um conto sobre autismo e a relação de um pai e um filho, é sobre sentir emoções intensas.
Você conseguiu falar do autismo sem cair no vitimismo. Existiu essa preocupação?
Sim. Em muitos momentos, o menino está muito feliz, intrigado, explorando sua floresta mágica. O contraste de perspectivas do pai e do filho são um fio condutor forte da história e da dinâmica dos personagens.
Alguns momentos são tristes e evocam compaixão, outros excitam, quando o público sente o coração disparado do menino cavalgando pelo campo. O próprio final do curta é pacífico e leve. Assim, acho que essa complexidade traduziu o espectro amplo de emoções pelo qual passa uma família envolvida neste contexto de autismo. Assistindo o curta, o tema do autismo nunca é evidente. Assim, a aventura de um menino e seu relacionamento com o pai é o coração desta história.
Você também fez a trilha sonora, que é de uma delicadeza e de uma sensibilidade incríveis. Como foi essa construção?
A trilha sonora é a história. No conto musical ela precede todo o resto. A música foi composta primeiro, imaginando a peça se desenrolando em um palco imaginário. As artes visuais contribuíram muito para contar a história, mas todos os personagens, cenas, a curva dramática, estão contidos no som.
Tudo começou com a música. Portanto, isso foi realmente inovador, pois a praxe é a música ser composta e gravada no final. E isso explica muito da intensidade das emoções do curta. Porque a liberdade e intensidade da obra musical transmite essa pulsação, respiração orgânica para as cenas.
Crédito: Divulgação
Seu filho viu o curta? O que ele achou?
Primeiramente, o Vitor viu várias vezes o curta, sempre dando pulinhos empolgados nas partes emocionantes. Ele costumava entrar no estúdio e me escutar trabalhando. E o curioso é que ele sempre reagia exatamente conforme o contexto da música. Existe uma clareza nos sons que transcende a semântica e os idiomas. Dessa forma, uma palavra, como “rato” pode assustar uma pessoa e encantar outra, dependendo da sua experiência. Por exemplo, a suástica nazista possui um significado para aqueles que estudaram a Segunda Guerra, mas não vai impactar uma criança de cinco anos hoje.
Contudo, na música, as emoções são mais subjetivas e universais. Assim, pessoas de culturas diferentes escutam o amor ou o terror na trilha sonora. E, no caso do Vitor, que tem dificuldade de linguagem, também observei que a música se transformou em uma linguagem mais clara para contar essa história. Ele é muito musical. Toca piano e até já compôs umas músicas.
Que mensagem você, como produtor do curta e pai de uma criança com autismo, gostaria de deixar para a sociedade?
Acima de tudo, a mensagem essencial é que muito da angústia terrível que sentimos nas nossas vidas vem de tentar controlar o universo e moldá-lo conforme nossas expectativas. É importante abandonar nossos pontos de vista para enxergar outras possibilidades de acomodar soluções para nossos problemas.
Ou seja, temos que nos adaptar e aceitar, exercitar empatia. Por fim, esse é o caminho para contornar problemas sem solução aparente. Transforme-se em outras pessoas, quando o seu jeito de agir e fazer as coisas não estiver funcionando. Aceite e não tente mudar as coisas e as pessoas.
||| Assista aqui o Boy in the Woods |||
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