COMPARTILHE
Povos indígenas: pluralidade ensina sobre a vida e o futuro
Povos indígenas apontam para modos de vida mais sustentáveis. Deb Dowd/ Unsplash
Siga-nos no Seguir no Google News

Em A terra dos mil povos, Kaká Werá conta que “índio” foi a palavra usada para definir todos que já estavam no território que passaria a ser chamado de Brasil. O nome foi dado pelos colonizadores, mas o espírito que identificava esses povos já estava presente “espalhado em centenas de tons”.

O autor, que também é colunista da Vida Simples, explica o que significa ter esse espírito: uma relação muito íntima com a natureza. “A partir dela, [o ser humano] elaborou tecnologias, teologias, cosmologias e sociedades, que nasceram e se desenvolveram de experiências, vivências e interações com a floresta, o cerrado, os rios, as montanhas e as respectivas vidas dos reinos animal, mineral e vegetal”, descreve.

Como a natureza é diversa, é plural, também, as relações desses humanos com ela e isso, explica, Werá, “provocou o florescimento de muitas etnias, muitas variedades de línguas, muitos costumes.” O escritor apresenta, assim, a diversidade e um pouco da história dos povos indígenas do Brasil.

VEJA TAMBÉM

Documentário mostra a realidade dos povos indígenas no Brasil

Uma diversidade que não se mede, se aprecia

Hoje, segundo o censo de 2022, o Brasil abriga quase 1,7 milhão de pessoas autodeterminadas como indígenas, que se dividem em 266 povos e falam cerca de 150 línguas. Os números, entretanto, não conseguem exprimir, de fato, a dimensão dessa diversidade, nem a importância desses povos para a terra chamada Brasil.

Narubia Werreria, secretária dos povos indígenas e tradicionais do Tocantins, explica que não é possível dimensionar a pluralidade dos povos indígenas, mas que a riqueza de modos de ser possibilita a vida. “Há uma diversidade de culturas, experiências, línguas, cantos, danças, cosmovisões que estão aqui para a gente contemplar, aprender, apreciar, valorizar e conhecer porque a vida é essa diversidade. Só existe vida na diversidade.”

É nessa pluralidade, ela explica, que se pode entender mais sobre o mundo. “[Essa diversidade promove que] você tenha mais possibilidades de enxergar o mundo, porque ninguém tem a visão completa do todo, mas é contemplando que o outro vê e que deixamos escapar que conseguimos ter uma amplitude de ideias.” E conclui: “a gente precisa de toda essa diversidade, cada experiência é única.”

A vida está em tudo

Entre as experiências únicas, existe a da ativista Sonia Ara Mirim. Ela carrega no sangue e nas práticas a cultura de dois povos, os Xurucu, de Pernambuco e os Guarani, de São Paulo.

Quando sua mãe tinha cinco anos, ela e a família, dos Xurucu, migraram para o sudeste devido a conflitos de terra e foi lá que Sonia nasceu e cresceu ouvindo sobre o seu povo e suas origens. Mas há mais de 30 anos, ela foi reconhecida como indígena pelos Guarani e aprendeu sua cultura e idioma.

Com eles, entendeu também que a “vida está em tudo”, filosofia de uma estreita relação com a natureza. Sonia conta que, por estarem vivas, as árvores sangram e choram quando são cortadas ou desmatadas. “Isso mexe muito com a gente porque sabemos que ali tem um espírito vivo. Quando corta, maltrata, machuca, elas sentem.”

Entretanto, não se pode dizer que todos tenham a mesma sensibilidade com o meio ambiente que tem Sonia e outros indígenas. Ela atribui isso ao “pensamento do colonizador” que define como as ideias que levaram à exploração extrema dos territórios no passado e no presente. Além disso, é essa ideologia que provoca o distanciamento das pessoas da natureza, e faz com que não a considerem importante.

Narubia também comenta sobre esse sistema de pensamento. Para ela, ele tenta extinguir a diversidade e impor uma forma única de ser, crer e ritualizar, por exemplo. “Estamos resistindo a esse pensamento colonizador secularmente mostrando que é um abismo para o qual estamos indo. E que traz morte, não só para os nossos corpos, mas para toda terra para toda a diversidade que ela tem.”

VOCÊ PODE GOSTAR

Conheça cinco nomes do ativismo ambiental para você se inspirar

A identidade indígena do Brasil

É nesse tipo de pensamento também que se tem a origem do apagamento dos povos indígenas da história do país, ignorando a identidade indígena do Brasil. Além disso, não reconhecer esses aspectos da identidade indígena também impede as conexões e acesso aos saberes que essas culturas guardam.

“Enquanto, nós brasileiros, não valorizarmos as nossas potencialidades indígenas, a gente não vai poder ampliar toda essa força que nós temos com relação às nossas florestas, às frutas medicinais, aos frutos nativos, às ervas, ao nosso conhecimento sobre a integração e comunidade que nós podemos trazer para a sociedade”, explica Narubia.

E reconhecer esses povos, passa pelo reconhecimento de sua cultura. “Não se pode reconhecer sem respeitar as diversidades, as culturas, as formas de se organizar, as formas de viver, de sobreviver”, explica Clécia Pitaguary, líder do povo Pitaguary, do Ceará.

Além disso, para ela, isso é um reconhecimento também das violências sofridas ao longo do tempo. “É uma dívida que o Brasil tem conosco, precisa reconhecer que nós somos povos indígenas, que nós somos os povos originários dessa terra, desse país. Precisa reconhecer toda a violência, todo o dano à nossa cultura e ao nosso povo”, conclui.

Narubia explica que ter esse entendimento sobre o passado ajuda a elucidar o presente e o futuro. “Se a gente não se valoriza, enquanto povo, enquanto identidade, e não sabe a nossa história, a gente não entende o contexto que a gente vive e tão pouco pode ter um uma projeção do futuro que nós queremos”, declara.

Em um cenário de crise climática, o futuro é ancestral

Em um momento em que a crise climática se torna mais aguda, um futuro voltado para o passado é um caminho que tem sido apontado como forma de preservação da vida. Isso porque o resgate dos modos de vida originários é uma forma de harmonizar a relação dos homens com a natureza, é o que aponta o filósofo Ailton Krenak em seu livro Futuro ancestral.

Para isso, os saberes dos povos indígenas são a chave. “Sem os povos indígenas dentro desse espaço, os biomas não irão resistir porque somos nós os protetores das florestas”, explica Sonia.

Do outro lado do Brasil, Clécia faz coro à importância dos saberes indígenas para a preservação de todos os tipos de vida. “Nós temos o conhecimento de como filtrar e tratar a água, de como se alimentar. Nós não precisamos fazer compras no supermercado, não precisamos de suplemento”, inicia.

“É justamente essa relação entre nós, indígenas, e a natureza que faz com que a gente possa transformar o que nós temos em alimento, em remédio, em água [limpa para beber]”, explica. Ela acrescenta ainda que essa integração com a natureza permite ter o que é necessário para viver sem degradar ou inviabilizar a natureza.

Pensando uma relação mais harmoniosa com a natureza, ela acredita que será necessário fazer o caminho de volta. “Haverá um momento em que a humanidade terá que fazer esse caminho de volta. Isso é mudar os nossos hábitos, viver da forma como os nossos antepassados viviam. Menos lixo, comprar menos. É entender que de onde você tira, um dia vai acabar”, projeta Clécia.

Para Narubia, o futuro depende justamente de respeitar a terra e voltar-se para o conhecimento ancestral. “Os nossos anciãos são as nossas bibliotecas vivas, eles carregaram todas as nossas raízes de sabedoria para que nós chegássemos aqui.” inicia. “São eles que mantêm a sabedoria que harmoniza toda a vida na Terra e se a gente quiser ter um futuro a gente vai ter que olhar o passado.”

LEIA TAMBÉM

Olhares femininos: We’e’ena Tikuna e sua luta pela inclusão indígena

A vida pode ser simples, comece hoje mesmo a viver a sua.

Vida Simples transforma vidas há 20 anos. Queremos te acompanhar na sua jornada de autoconhecimento e evolução.

Assine agora e junte-se à nossa comunidade.

0 comentários
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

Deixe seu comentário