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Olhares femininos: We’e’ena Tikuna e sua luta pela inclusão indígena
Arte: Carolina Vellei/ Foto: reprodução Facebook de We'e'ena Tikuna
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We’e’ena é indígena do povo Tikuna, nascida na aldeia Umariaçú, no alto Solimões, no Estado do Amazonas. Mas, logo na infância, mudou-se com sua família para Manaus, onde aprendeu a língua portuguesa.

Após completar o ensino médio, We’e’ena estudou artes plásticas. A arte e o fazer manual Tikuna a acompanharam. O colorido que sempre conheceu, herança de seu povo, foram parar nas suas primeiras telas e exposições. A tintura tradicional, extraída do jenipapo, não coloria só as telas, os rostos das pessoas nas praças também eram ornados por We’e’ena. Ela pintava o que podia, assim indígena ficava cada vez mais conhecida e ganhava o sustento para a sua família.

Após se mudar para São Paulo, sua expressão cultural e identidade eram questionadas. “Em São Paulo, as pessoas pensavam que não existiam mais indígenas”. O que We’e’ena sentia era que as pessoas não tinham conhecimento e que ela deveria mostrar a importância do seu povo. Foi aí que começou a produzir suas próprias roupas e acessórios. “Nunca foi com a intenção de vender, sempre foi algo bem meu mesmo, para mostrar que é a minha identidade. Mesmo estando em lugar bem distante do meu povo, eu queria ter uma identificação.”

Seus passos em prol da representatividade indígena

Suas criações eram elogiadas e recebia encomendas para reproduzir suas roupas para pessoas ao seu redor. O que era somente para si foi crescendo e, com isso, passou a divulgar seu trabalho nas redes sociais. Em 2019, participou do Brasil Eco Fashion Week, evento de moda voltado para a sustentabilidade, sendo a primeira indígena a apresentar uma coleção.

We’e’na atua em prol de seu principal objetivo: representatividade indígena nos espaços. Sua principal ferramenta é a arte, que não é só sua, mas herança de seu povo, algo pelo qual ela nutre uma grande reverência. E é juntando o tradicional com o moderno que faz sua voz ecoar como artista e ativista, ocupando espaços que antes nem eram cogitados para os povos originários.

Confira a entrevista completa com We’e’ena Tikuna

Como mulher e como indígena, We’e’na fala a Vida Simples sobre sua jornada, sua cultura e importância do papel feminino na luta por inclusão e respeito a diversidade.

Como a arte e as redes sociais colaboram para o seu papel de ativista?

Uma coisa que eu acho muito importante é poder ter essa visibilidade, eu uso hoje a internet como uma arma de poder muito forte. Por muito tempo nós, indígenas, não tínhamos esse espaço para mostrar a nossa diversidade, mostrar a nossa cultura. E hoje, através da internet, a gente pode usar para transmitir esse olhar e quebrar o preconceito que existe de que o indígena é incapaz, de que é um vagabundo, de que não pode ser o que quiser ser.

O ativismo ele entra ali, no momento que alguém usa uma peça minha, ou quando uma pessoa compartilha da sabedoria tradicional do meu povo. Acho que a internet dá essa força porque se, hoje, as pessoas conhecem a minha história, foi através da minha luta e a nossa luta indígena sempre foi sofrida. Nunca teve oportunidade das pessoas acreditarem no nosso trabalho, sempre foi uma pessoa não- indígena levando o trabalho em cima de nós, sempre foi assim, com as pessoas desvalorizando quem nós somos. Como se a gente não pudesse falar por nós mesmo da importância que a nossa cultura tem.

Já poder trabalhar com a moda é gritar para as pessoas “não, não estamos aqui!” E a moda é uma resistência nossa, assim como as bonecas, a música e as pinturas. São formas mostrar que nós estamos resistindo, mostrar que a gente não é mais algo do passado, mas sim que estamos presente. Com a tecnologia, usamos o celular, usamos a TV, a energia. Essa tecnologia ainda está chegando em algumas aldeias, mas isso não quer dizer que nós não somos mais indígenas. Trago essa diversidade comigo, essa cultura comigo. Eu nunca vou deixar de ser indígena porque estou no Rio ou em Nova York, ou em Brasília, ou em qualquer lugar.


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Qual o aspecto mais gratificante e o mais desafiador do seu trabalho?

Olha, eu acho que o mais gratificante é a criação. Mas também, acho que tem várias gratificações, mostrar para os meus parentes que a gente pode criar, pode contribuir, pode se conectar com a nossa espiritualidade, que a gente pode não ter medo dos Desafios, que podemos ser livre em uma sociedade que ainda tem muito preconceito.

Quando eu recebo uma mensagem dos parentes indígenas “você é uma inspiração para mim”, isso já vale qualquer racismo, qualquer preconceito que eu já sofri na vida. Nós estamos fazendo essa abertura para essa nova geração, para minha filha, para os meus sobrinhos, para os meus amigos.
Nós não tivemos essas oportunidades, agora a gente pode abrir esses espaços para eles não sofrerem o que a gente sofreu. Quando a gente está pintada da nossa característica, que não fosse algo tão anormal, seria algo natural porque a nossa Cultura. O Brasil é muito grande, tem uma diversidade de Cultura muito grande, tem vários povos, cada um com a sua identidade, com a sua cultura, com a sua língua. Eu acho que é um desafio que a gente ainda sofre muito, as pessoas ainda não conseguem nos aceitar como nós somos de fato.

O aspecto mais desafiador é a gente poder quebrar é todas as barreiras, mostrar que nós somos indígenas em qualquer lugar, independente de sermos indígena do Amazonas ou de São Paulo, ou de qualquer lugar, a gente tem que ser respeitado como nós somos.


O que a cultura Tikuna fala sobre as mulheres indígenas?

A mulher no meu povo é muito forte. A gente já nasce muito forte no meu povo. Uma das inspirações que eu tenho minha mãe, minha avó. As mulheres do meu povo são muito batalhadoras, são elas que vão na frente, elas que plantam, elas que colhem, que cuida dos filhos.

Então, a mulher sempre foi vista como guerreira no meu povo, eu não preciso ir tão longe, eu vejo a minha mãe, ela não sabe ler, só escreve o nome dela e apesar de não falar português direito, não escrever na língua portuguesa, ela é uma mulher sábia, inteligente. Ela nos educou de uma forma que a gente é o que somos por causa dela. Por exemplo, a minha irmã que é a maior cantora indígena do Brasil, a Djuena Tikuna, que canta o hino nacional na língua nativa. Ela é uma das referências que me inspiram bastante e isso foi a criação da minha mãe, foi ela que ensinou minha irmã a cantar, ouvindo os cânticos com a minha avó, e então, cantando na língua indígena. A minha outra irmã também, ela é uma mãe excelente.

Todas as mulheres a nossa volta são uma experiência, que a gente possa se inspirar nelas, porque elas são batalhadoras, cada uma delas. No meu povo, todas as mulheres são batalhadoras.

Essa coragem de falar, de se empoderar, de ir para frente é tudo da energia do nosso povo mesmo.

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Como você definiria o ser mulher? E o ser mulher indígena?

Nós mulheres já nascemos com uma carga que a gente vai ser forte, parindo ou não parindo. A gente tem que ser forte por ser mulher, somos absolutamente guerreiras, a gente gosta de desafio. A mulher é empoderada, a mulher não cala, ela gosta de mostrar a sua capacidade de vivência, mostrar sua a sua voz.

Muitas mulheres hoje são frustradas devido a não ter essa coragem de enfrentar o mundo e a gente tem que abrir a mente delas para mostrar que ninguém é obrigada, não podem nos trancar numa jaula. A mulher tem que ter essa liberdade que nós, indígenas, já temos, nós gostamos de liberdade, de poder ser o que a gente pode ser.

Mulher indígena é isso, gosta do seu espaço, gosta de ser forte, de ser guerreira, ser prestativa, de trazer a sua própria comida para sua casa.

Como você enxerga o papel da mulher na luta pela diversidade e inclusão?

A mulher indígena não tem espaço, é muito difícil. Por exemplo, conversando com a minha irmã, ela falou que não tem espaço para música indígena, música indígena de fato, cantada nos festivais. Não tem espaço para mulher indígena e a gente está no século XXI, o Brasil é o Brasil porque nós estamos aqui, porque nós indígenas somos mães, todo brasileiro tem um DNA indígena. Mas as portas para nós continuam fechadas e a gente não está ocupando os espaço que eram para ser nossos, tem sempre uma terceira pessoas, é uma batalha constante nossa.

Como mulher indígena, a gente tem que estar brigando, implorando. É como eu falei, nas mídias, nas TVs, nas novelas não tem uma representatividade indígena, É muito raro. Então hoje, a gente faz a nossa própria representatividade através das redes sociais, através do YouTube, do Instagram, do Facebook, do Tik Tok.

Minha irmã, Djuena Tikuna já foi para fora, ela respeitada fora do Brasil, mas no Brasil ela não tem espaço porque ela canta a música indígena. Então acho que esse é o momento da gente poder coar nossa voz, de poder é mostrar para a sociedade que nós estamos aqui como mulher, como mãe, como avó, que a gente é um povo de resistência. A nossa luta ela é contínua, a força da mulher indígena ela é viva e a gente poder transmitir e deixar esse legado para os nossos filhos, mostrar que a gente não foi uma um indígena qualquer, mas deixamos um legado para eles e enriquecendo mais a Cultura.

Como mulher indígena eu brigo por um espaço, para ter mais oportunidades porque o que falta é olhar para o indígena, abrir as portas. A nossa luta é bem sofrida, mas a gente não vai desistir por causa disso, vamos continuar batalhando, lutando para a gente poder conseguir o nosso espaço e ser respeitado como qualquer cidadão.

Se pudesse escolher um ensinamento dos Tikuna para compartilhar com os não-indígenas, qual seria?

Um ensinamento que aprendi com a minha avó. Ela sempre nos ensinou uma sabedoria que hoje eu sei o porquê que ela ensinava a gente. Ela sempre falava assim: “os animais são os nossos professores dentro da floresta e com eles nós aprendemos a se alimentar, e quando você come uma fruta, não joga, plante porque dessa semente vai nascer uma fruta que você pode alimentar os seus filhos.”

Dessa situação, eu trago uma sabedoria, a gente fala como ela foi sábia, ensinando a gente a cuidar da natureza, a preservar o meio ambiente e também ensinar a gente a poder trazer alimento para os nossos filhos.

Então, eu deixo essa mensagem, para vocês: plante. Para que dessa semente possa nascer um alimento, é dessa forma que a minha avó ensinou. Onde tiver semente, plante para que a gente não possa passar fome.

Acompanhe a série especial “Olhares femininos sobre diversidade”

“Olhares femininos sobre diversidade” é uma série de entrevistas publicadas pela Vida Simples em celebração ao Dia da Mulher. Nela, conversamos com profissionais engajadas na inclusão de pessoas diversas na sociedade. Afinal, não existe um só jeito de ser mulher. Acima de tudo, elas são inspirações de como podemos usar a nossa voz para reconhecer e valorizar as diferenças que tornam a jornada de cada mulher única, singular e cheia de potência.

Todas as entrevistas já estão no ar:

  • Tabata Cristine, palestrante e criadora de conteúdo na área de autismo e TDAH, nos revela as contribuições femininas diante da neurodiversidade;
  • Lelê Martins, a “Blogueira PcD” (Preta com Deficiência), incentiva mulheres em suas jornadas de autoestima e autoaceitação para mudar o rumo de suas histórias;
  • Hananza é escritora e filósofa. Como ativista na causa antirracista, propõe reflexões valiosas sobre o racismo estrutural no Brasil;
  • Thamirys Nunes é mãe de uma menina trans de 9 anos. Ela criou a ONG Minha Criança Trans para empoderar famílias e desmistificar tabus da sociedade sobre o assunto;
  • We’e’ena Tikuna, formada em artes plásticas, é uma estilista e ativista indígena premiada, trabalhando pela inclusão social dos povos indígenas por meio da difusão da sua arte.
  • Nath Finanças fala de “finanças reais para pessoas reais” para capacitar as pessoas a tomarem melhores decisões financeiras, estimulando epecialmente as mulheres a conquistarem a independência.

Para receber diretamente no seu e-mail as entrevistas do especial do mês da mulher “Olhares femininos sobre diversidade”, cadastre-se em nossas newsletters. Elas serão divulgadas aqui no portal e na newsletter “Simplesmente Vida”, enviada aos domingos.

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