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Olhares femininos: Lelê Martins apoia a visibilidade para mulheres negras com deficiência
Arte: Carolina Vellei | Foto: Arquivo Pessoal de Lelê Martins
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Alessandra, conhecida nas redes sociais como Lelê Martins, nasceu no Rio de Janeiro, na favela do Santa Marta. Com o sonho de entender mais sobre as estruturas que moldam a sociedade, entrou na faculdade de Ciências Sociais em 2015. Já perto de finalizar o curso, Lelê sofreu um atropelamento de ônibus que causou a amputação de sua perna esquerda. Esse evento foi um divisor de águas em sua vida, transformando profundamente sua compreensão de mundo. “Não foi só o meu corpo que mudou, mas também a visão que a sociedade tem e a leitura que ela faz sobre o meu corpo”, relata Lelê, em entrevista à Vida Simples.

Depois do acidente, decidiu compartilhar sua história nas redes sociais para inspirar outras pessoas. No Instagram, é a “Blogueira PcD” – “Preta com Deficiência”, como ela mesma define. Por lá, fala de moda, beleza e inclusão, criando conteúdo com leveza e bom humor, sem deixar de lado as reflexões sobre a vida de uma mulher com deficiência. Em um vídeo de seu perfil, Lelê abordou situações comuns (e nem um pouco confortáveis) que passa no dia a dia:

Conviver com uma deficiência é a realidade de muitas mulheres brasileiras

No Brasil, existem cerca de 18,6 milhões de pessoas com deficiência (PcD), com mais da metade desse número composta por mulheres, segundo dados do IBGE de 2022. “A maioria de população de pessoas com deficiência do Brasil é feita de mulheres e de pessoas negras”, explica a influencer que, como mulher negra, faz parte do perfil da maioria da população com deficiência no país. Lelê ainda relata que não existe um cruzamento entre os dados de gênero e de etnia, mas a indicação é que mulheres negras constituam o maior número desse grupo de pessoas.

Apesar de serem uma grande parte da população, ainda é pequeno o acesso de pessoas com deficiência à educação e ao mercado de trabalho. Ainda segundo o IBGE, a renda média do trabalho de PcDs é de R$ 1.860, enquanto entre pessoas sem deficiência o valor aumenta para R$ 2.690. Além dos problemas de acessibilidade, a forma que a sociedade enxerga pessoas com deficiência dificulta sua socialização.

Disposta a colocar uma lente de aumento sobre esses problemas, Lelê tornou-se influenciadora, modelo e já trabalhou na área da educação, como assistente escolar de alunos neurodiversos e/ou com algum tipo de deficiência. Ela conta que quando se tornou uma pessoa com deficiência percebeu uma diminuição da confiança por parte das pessoas em suas capacidades. Inclusive, como estudante de Ciências Sociais, que buscava entrar no mercado de trabalho. “Naquele momento, tiveram coisas que eu não podia mais fazer, e coisas que eu poderia fazer, mas a sociedade já não queria mais que eu fizesse”, relata.

No mês da mulher, Lelê compartilha mais da sua trajetória na promoção de inclusão social por meio da criação de conteúdo de pessoas com deficiência na internet.

Confira a entrevista completa com Lelê Martins

Como influenciadora, você ajuda outras pessoas a construírem uma boa autoestima com todos os tipos de corpos. Como tudo começou?

Eu sou do Rio de Janeiro e morava na favela do Santa Marta, que é bem conhecida. Em 2015, entrei em Ciências Sociais na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), porque estava muito interessada em entender a sociedades e suas estruturas. Em 2018, quase finalizando o meu curso, acabei sofrendo um acidente que foi meu atropelamento de ônibus e a consequência foi minha amputação. Meu currículo, que sempre era aceito para qualquer vaga de estágio, começou a voltar quando eu coloquei que era uma pessoa com deficiência. E foi nesse momento que senti que precisava entender o que estava acontecendo.

Fui lendo mais sobre o assunto, mas não me identificava com toda a literatura desenvolvida sobre pessoas com deficiência porque não é uma literatura racializada. Parecia que eu estava lendo uma história ficcional, sobre outros personagens. Na verdade, são sobre outros personagens mesmo, e não está errado ter aquelas histórias, mas só tem aquelas. Também tive um evento que foi bem traumático, mas difusor de águas, em 2019.

Quando um policial me parou numa blitz e confundiu a minha muleta com uma arma, percebi que realmente é diferente ser uma mulher negra com deficiência.

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Como surgiu a sua página “Blogueira PcD” no Instagram? O que a levou a compartilhar sua história e fazer conteúdo nas redes sociais?

Depois desse momento na blitz policial, eu queria falar sobre esse assunto. Ainda não pensava em criar conteúdo, eu queria pesquisar sobre o tema. A minha ideia era terminar a faculdade e falar sobre isso. Mas eu não consegui ter muita presença na universidade porque eu não tinha dinheiro para poder bancar a acessibilidade, que é um carro para descer a favela, alguém para me ajudar, essas coisas. A faculdade foi sendo deixada aos poucos, infelizmente. E teve a pandemia, né?

Eu não estava a fim de escrever nesse período, por conta de tudo isso, mas eu gosto de pesquisar e decidi criar conteúdo. Minha família também falou “faz isso, eu acho que vai ser muito interessante saber uma visão de uma mulher preta com deficiência e favelada”. Inclusive, o PcD é para “Preta com Deficiência”, trazendo o recorte de quem eu sou, uma mulher negra, mas também para trazer a parte da blogueira, porque eu não queria ser limitada a falar somente sobre isso.

Para você, qual a importância de passar uma imagem de positividade que incentive o amor-próprio de seus seguidores?

A minha pretensão quando eu comecei era conseguir ser para outras pessoas o que eu não conseguia ver para mim. Eu achei muita informação de pessoas que se comunicavam muito bem sobre ser uma pessoa com deficiência, mas não tinham a minha realidade, não tinha ninguém parecido comigo que criava conteúdo.

Decidi começar a falar sobre ser uma mulher com deficiência para poder tentar encontrar pessoas iguais a mim, com quais eu possa me identificar, mas talvez também fazer com que outras pessoas consigam se identificar comigo.

Você foi reconhecida com uma moção de louvor na Câmara Municipal do Rio de Janeiro por fazer diferença na sociedade. O que isso siginificou para você?

Nossa, foi muito louco. Quando isso aconteceu, eu recebi a mensagem de um amigo meu que trabalhava lá. Foi uma votação, tiveram muitos nomes. Só que quando eu recebi a mensagem, eu não entendia a dimensão daquilo. E aí, quando eu cheguei lá, era uma coisa muito pomposa. Eu pensei: “gente, eu acho que isso daqui é grande, hein?”. Tinha uma pessoa que tinha levado a família e eu levei só o meu irmão para poder filmar. Com isso, eu percebi que estava fazendo realmente a diferença tudo que eu queria falar.

Eu recebi a placa, fiz um discurso que eu tinha preparado, e aí cheguei em casa e minha mãe falou “minha filha, isso aqui é incrível. Deixa ficar aqui em casa, eu quero muito ver isso todo dia”.

Em sua opinião, qual é o papel das redes sociais na promoção da inclusão e da diversidade?

A internet foi imprescindível para eu entender primeiro quem eu era, e o que significa se tornar uma pessoa com deficiência. Fiz questão de saber quem eu era antes de começar nas redes sociais.

E faz muita diferença o impacto que as redes sociais geram para gente criar uma comunidade de pessoas com deficiência que criam conteúdo.

Como você enxerga o papel das mulheres na sociedade contemporânea?

Gosto de fazer um comparativo com as histórias contadas pela minha mãe e pela minha avó. Quando elas falavam, por exemplo, “a palavra do marido era a palavra final”. A nossa sociedade, construída com base no machismo, fez com que essas mulheres não tivessem liberdade de poder falar. Não que hoje isso não aconteça, mas as proporções com que isso vem mudando faz a gente perceber que muito vem acontecendo por uma tomada de voz de mulheres na sociedade. É muito incrível de se ver, é muito bonito mesmo.

A gente deveria ter muito mais, não tem nenhuma idealização utópica aqui de que a gente está num momento seguro de ser uma mulher na sociedade. Mas tem uma evolução dessa tomada de liberdade, principalmente quando eu comparo com a minha família e com mulheres mais velhas.

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Quais mulheres mais te inspiram?

As influenciadoras PcD Mariana Torquato e a Ana K Melo são as duas pessoas que acompanhei muito para poder entender quem eu era ali nesse novo mundo.

Que mulher ou quais mulheres foram essenciais para a sua trajetória e te deram o apoio/suporte que você precisava para chegar onde está hoje?

Sem dúvida nenhuma, minha mãe. Sem dúvida nenhuma. E teve uma tia que eu lembro que comprou a minha muleta e comprou a melhor que tinha para me incentivar. Porque eu morava em favela, né? E a favela era só de escada, não tem como chegar no carro direto para casa.

Quando eu cheguei a primeira vez em casa, fui carregada, porque não tinha muleta ainda e nem tinha força para isso. O que foi muito ruim para mim internamente, aquela visão de entender o que estava acontecendo na minha vida. Quando ganhei essa muleta, consegui retomar a minha autonomia.

E para finalizar: você pode definir o que é, para você, ser mulher?

Acredito que ser mulher é ter que ser forte, mas também conseguir abraçar suas vulnerabilidades. Quando comparo com meus irmãos homens, que não conseguem chorar, se emocionar e demonstrar, vejo que mulheres, além de serem fortes, também conseguem demonstrar suas vulnerabilidades.

Acompanhe a série especial “Olhares femininos sobre diversidade”

“Olhares femininos sobre diversidade” é uma série de entrevistas publicadas pela Vida Simples em celebração ao Dia da Mulher. Nela, conversamos com profissionais engajadas na inclusão de pessoas diversas na sociedade. Afinal, não existe um só jeito de ser mulher. Acima de tudo, elas são inspirações de como podemos usar a nossa voz para reconhecer e valorizar as diferenças que tornam a jornada de cada mulher única, singular e cheia de potência.

Duas entrevistas já estão no ar:

  • Lelê Martins, a “Blogueira PcD” (Preta com Deficiência), incentiva mulheres em suas jornadas de autoestima e autoaceitação para mudar o rumo de suas histórias;
  • Tabata Cristine, palestrante e criadora de conteúdo na área de autismo e TDAH, nos revela as contribuições femininas diante da neurodiversidade;
  • Hananza é escritora e filósofa. Como ativista na causa antirracista, propõe reflexões valiosas sobre o racismo estrutural no Brasil;
  • Thamirys Nunes é mãe de uma menina trans de 9 anos. Ela criou a ONG Minha Criança Trans para empoderar famílias e desmistificar tabus da sociedade sobre o assunto;

Já no dia 22 de março, vamos contar as histórias de:

  • We’e’ena Tikuna, formada em artes plásticas, é uma estilista e ativista indígena premiada, trabalhando pela inclusão social dos povos indígenas por meio da difusão da sua arte.
  • Nath Finanças fala de “finanças reais para pessoas reais” para capacitar as pessoas a tomarem melhores decisões financeiras, estimulando epecialmente as mulheres a conquistarem a independência.

Para receber diretamente no seu e-mail as entrevistas do especial do mês da mulher “Olhares femininos sobre diversidade”, cadastre-se em nossas newsletters. Elas serão divulgadas aqui no portal e na newsletter “Simplesmente Vida”, enviada aos domingos.

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