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Uma nova geração de mulheres escritoras reinventa a poesia no Brasil
FOTO UNSPLASH. POESIA EXTRAÍDA DO LIVRO AS 29 POETAS HOJE (COMPANHIA DAS LETRAS)
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Neste artigo:

“São muitas as mulheres que escrevem hoje. Mulheres que falam. Mulheres que fazem boa poesia”, anuncia Heloísa Buarque de Hollan­da, organizadora do livro As 29 Poetas Hoje (Companhia das Letras), também escritora e professora de teoria crítica da cultura na Uni­versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A coletânea recém-lançada reúne versos de jo­vens poetas brasileiras, capturando a atmos­fera do nosso tempo. Escritoras como Adelai­de Ivánova, Bruna Mitrano, Jarid Arraes, Luna Vitrolira, Natasha Felix, Yasmin Nigri e outras tão valiosas quanto estas são reconhecidas como uma geração consciente dos caminhos e descaminhos que a antecederam – dentro e fora da literatura – e forte o bastante para adensá-los.

O que é ser mulher? Como ser a mulher que se é num mundo refratário ao fe­minino? Qual é o seu vocabulário, o seu tim­bre, o seu ritmo, o seu volume?

Diversos. Pessoais. Crus. Hoje, vozes hete­ronormativas, lésbicas, negras, trans e indí­genas cavam espaços variados – das revistas especializadas em literatura às redes sociais, passando pelas ruas, por editoras indepen­dentes e pela autopublicação – e se expressam sem freios, sem verniz, com bocas articu­ladas e gargantas fiéis às suas experiências. Ouvir o que foi historicamente silenciado mais que emociona, desafoga a alma.

Não há rótulos entre as novas poetas brasileiras

Estamos diante de uma poesia feminista, niti­damente afetada pela quarta onda desse movi­mento? Heloísa se posiciona com cuidado para não fazer afirmações apressadas e reducio­nistas.

“Não me sinto confortável chamando essa nova poesia de feminista. Prefiro pensar no impacto do feminismo nessa nova geração de mulheres. Pensar numa poética que, agora, passa a ser modulada por uma nova consciên­cia política da condição da mulher e como essa consciência pode se desdobrar em linguagens, temáticas e dicções poéticas”, esclarece.

Descartado o rótulo “poesia feminista”, seria mais preciso dizer “poesia feminina”? “Não existe literatura feminina, pois uma mulher não é igual à outra, assim como uma escritora não é igual à outra. Mulheres escrevem todo tipo de literatura”, crava Michelle Henriques, coordenadora do projeto Leia Mulheres, ao lado de Juliana Gomes e Juliana Leuenroth.

Inspirada no movimento #readwo­men2014, encabeçado pela escritora britâ­nica Joanna Walsh, a iniciativa estimula a leitura de obras escritas por mulheres em clubes espalhados por todo o Brasil.

O que ecoa nessas páginas são sotaques únicos e realidades intransferíveis, mas também semelhanças e ressonâncias. Cor­po, menstruação, sexualidade, parto, abor­to, política, violências, amores, desejos, as­sombros, silêncios, cenas cotidianas.

Não há fragmento excluído da vida. Tudo pulsa. “Claro que há questões que são caras a to­das nós, pontos que todas conhecem inti­mamente, mas não possuímos as mesmas ideias e os mesmos anseios”, diz Michelle.

FOTO UNSPLASH. POESIA EXTRAÍDA DO LIVRO AS 29 POETAS HOJE (COMPANHIA DAS LETRAS)

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Da escrita de poesia aos palcos dos teatros

Boa parte das artistas contempladas no li­vro As 29 Poetas Hoje abasteceu a drama­turgia da peça online Cara Palavra, conce­bida e apresentada em plena pandemia de 2020, com direção de Pedro Brício.

O sarau poético performático foi lindamente costu­rado ao vivo pelas atrizes Débora Falabella (a única no palco do Teatro Porto Seguro, em São Paulo), Andréia Horta, Bianca Com­parato e Mariana Ximenes (em suas casas).

Saber como essas mulheres do teatro sentiram as mulheres da poesia contempo­rânea nos ajuda a descamar essas escritas. “Chamou minha atenção o quanto as vozes femininas ainda são marginalizadas. Na nossa pesquisa, encontramos poetas des­conhecidas do grande público, mas com uma qualidade altíssima”, destaca Bianca.

Já Andréia se maravilhou com a pluralida­de e com a potência das jovens poetas. “São mulheres de formações muito distintas, cada uma de um lugar do Brasil, escreven­do sobre liberdade. A escrita delas é urgen­te e um convite à luta cidadã”, vibra.

Nascida em Juazeiro do Norte, Ceará, em 1991, Jarid Arraes se fez presente tanto na peça quanto na coletânea. Por isso, ce­lebra. “Temos o privilégio de viver num tempo com muitas poetas incríveis falando de coisas incríveis, importantes, dolorosas, corajosas”, sublinha a cordelista, autora de obras como Redemoinho em Dia Quente (Companhia das Letras), Um Buraco com Meu Nome (Ferina) e Heroínas Negras Bra­sileiras em 15 Cordéis (Seguinte).

Jarid também fundou, junto com a editora Lizandra Magon de Almeida, o selo Ferina, dedicado à publicação de autoras, como ela define, “esquecidas e desrespeitadas até mesmo por editoras pequenas”, além do Clube de Escrita para Mulheres.

Ela, que luta para a literatura de cordel ser conside­rada tão literatura quanto as outras lingua­gens, hoje não só ocupa como fertiliza seu espaço. “Ser lida é ter outra pessoa trocan­do o que há de mais genuíno comigo. Uso minha plataforma criar possibilidades para que mais mulheres sejam vistas e ouvidas.”

O poder da palavra em transmutar dores

Ao final das apresentações da peça Cara Palavra, uma poeta convidada se achegava para prosear com as atrizes. Na noite em que assisti ao espetáculo, poderia ter vis­to e ouvido Jarid, mas não. Calhou de ser Luna Vitrolira, nascida no Recife, em 1992.

Luna é vasta. Escritora, poeta, declamado­ra, atriz, performer, cantora, compositora e apresentadora, além de mestra em Teoria da Literatura e autora de Aquenda: O amor às vezes é isso (publicação independente). Vê-la e ouvi-la é uma experiência de des­lumbre, ora feroz, ora doce, mas sempre visceral.

Conhecemos bem o poder da pa­lavra e sinto que por meio dela consegui­mos transmutar dores que não são inéditas ou irrepetíveis em nossa existência”, sus­tenta a multiartista em seu anseio por ul­trapassar feridas que nos irmanam.

“Caso contrário, seria como subtrair nossas pro­fundidades. Vejo poesias impávidas onde tudo arde, não há como leitores se preve­nirem. São vozes que arrebatam e arreben­tam as estruturas desse sistema. São vozes que redimensionam por meio da poesia.”

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RAPHAELA DE CAMPOS MELLO é jornalista de alma sensível. Depois da peça e desta matéria, passou a compartilhar mais a sua poética no @raphaelacmello.


Conteúdo publicado originalmente na edição 229 da Vida Simples

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