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Qual o espaço da literatura feita por mulheres no Brasil?
Gabriel Vituri
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Atualização: após a publicação desse texto, trocamos a expressão “literatura feminina” por “literatura feita por mulheres”. A necessidade de correção foi apontada pela Gabriela. Segundo a sua explicação, o termo “literatura feminina”, na verdade, não é o mais adequado, porque ele gera uma ideia de nicho e, de certa forma, coloca essas obras como se fossem apenas um apêndice do que é a literatura. 

Antes de iniciar a leitura deste texto, peço que faça um exercício. Observe sua prateleira, leitor digital ou lista de leitura e responda: quantos livros, escritos por mulheres, já foram lidos por você? De onde elas escrevem? Da Amazônia brasileira, da América Latina, Oriente Médio, Europa ou Estados Unidos?

A literatura feita por mulheres ainda é marginalizada em nossas referências, embora isso não seja culpa exclusivamente nossa. O ensino nas escolas e as oportunidades de publicação em grandes editoras são perpassadas pelo machismo, como bem nos lembra o colunista da Vida Simples, Didier Ferreira, em seu texto “não lemos mulheres”.

Foi refletindo a partir dessa inquietação que surgiu o clube de leitura “As Verdades Que As Mulheres Contam”. Ele foi fundado por Gabriela Rocha, uma pernambucana que mora em São Paulo há 20 anos, e por Beatriz Maluf, que saiu do mundo corporativo para buscar outros propósitos. As duas porque as filhas de ambas estudam juntas. Beatriz sempre admirou as publicações e o interesse que percebia em Gabriela pela literatura. Um dia, Beatriz decidiu propor um convite para Gabriela, o de criar um clube de leitura que enxergasse a produção literária das mulheres. “Bia, perfeito, porque já faz dois anos que eu leio só mulheres”, assim foi a reação da Gabriela quando recebeu uma ligação da Beatriz sugerindo a ideia.

A curadoria

“As Verdades Que as Mulheres Contam” existe desde julho de 2021 e surgiu como uma inquietação literária: despertar o interesse a importância da literatura feita por mulheres. A curadoria dos livros hoje é feita pela Gabriela Rocha e se propõe a ser a mais diversa possível, alternando entre escritoras latinas, europeias, estadunidenses e de outras nacionalidades. “Queremos, de fato, dar um panorama amplo da produção literária de mulheres, porque a gente acredita que a literatura feita por mulheres é de tão boa qualidade quanto a produzida por homens”, afirma Gabriela.

Os encontros costumam ocorrer a cada quarenta dias, por meio de videoconferência, com cerca de 45 minutos de duração. Além dos debates gerados a partir das leituras, há também um conteúdo de pesquisa relacionado ao livro selecionado para o ciclo, lives esporádicas no Instagram, playlist musical e um grupo no WhatsApp para as assinantes do clube.

Livros que inspiram

Desde o seu primeiro encontro, o clube de leitura já levou para o debate sete obras que inspiraram cada uma das pessoas presentes. Entre elas estão Copo Vazio, da Natalia Timerman, uma escritora contemporânea baseada em São Paulo, além de Persépolis, da autora iraniana Marjane Satrapi, e Mamãe & Eu & Mamãe, da escritora negra estadunidense Maya Angelou. 

Além das obras no clube, Gabriela e Beatriz se dividem juntas para indicar livros escritos por mulheres no Instagram do clube, como Um Outro Brooklyn, de Jacqueline Woodson, e Exame de Empatia, escrito por Leslie Jamison.

Momentos de afeto

Mas não só de debates é composto o clube de literatura, há muitos momentos de trocas afetivas, identificação com as leituras e suporte emocional entre cada uma das participantes. Um deles, por exemplo, ocorreu durante uma live feita no Instagram.

“No final do ano a gente teve uma live bastante especial, que foi com a Cynthia Almeida, porque debatemos o livro A Ridícula Ideia de Nunca Mais te Ver, da Rosa Montero, que fala sobre luto. A Cynthia perdeu um filho e um dia depois da data da live faria 40 anos que ele tinha falecido, e todos os anos eles fazem uma festa para sentir a presença dele. Eu acredito que todo mundo ficou mexido com aquele livro”, explica Beatriz Maluf. 

Outro momento assim foi percebido durante o ciclo de leitura da obra Persópolis, da escritora Marjane Satrapi. O livro é uma história em quadrinhos autobiográfica que narra da infância até a vida adulta da autora no Irã. “Essa discussão foi uma epifania total, porque todo mundo havia lido o livro, mas depois percebemos que estávamos interpretando a partir da nossa moral, de um lugar de soberba. Na conversa, a gente foi construindo isso e todo mundo saiu ‘putz, é verdade'”, afirmou Gabriela Rocha. 

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Por que debater literatura feita por mulheres é tão importante?

Há quem ache que as mulheres conquistaram um espaço confortável no mundo literário. Outras estão pouco interessadas se há escritoras negras, transexuais ou do Sul Global escrevendo sobre si e o mundo. Ainda sim, há inúmeras pessoas que acreditam no potencial da literatura feita por mulheres e no espaço que precisa ser conquistado pelas mulheres.

Nós temos esse objetivo, de mostrar outros universos de outras mulheres, e que podem, inclusive, não só criar simpatia de conhecer o outro, mas também gerar muita identificação e autoconhecimento. A gente envolve também uma noção mais social, histórica, e é muito valioso isso, na medida em que conecta a gente com as mulheres que vieram antes, com as lutas que elas estavam tendo e aonde“, resume Gabriela. Beatriz Maluf acrescenta que é uma “necessidade de você trazer novas perspectivas, poder debater e discutir.”

Segundo um estudo da pesquisadora Regina Dalcastagnè, entre 2005 e 2014, as editoras Record, Companhia das Letras e Rocco publicaram obras escritas por 70,6% de homens e 29,4% de mulheres. Um número discrepante, embora não dissonante da realidade, já que a Academia Brasileira de Letras, dos seus 40 integrantes, tem apenas cinco mulheres ocupando cadeiras. 

Planos para o futuro

O clube está em um momento de reformulação, mas leitoras e interessadas no tema devem ficar atentas às redes sociais e ao site do projeto.

Beatriz Maluf conta que “durante a pandemia muitas pessoas começaram a se interessar por leitura, então começamos a pensar em assinaturas mensais e parcerias com editoras. Outras ideias são realizar encontros presenciais e transformar o nosso conteúdo das redes sociais em newsletters.”

Para ler mulheres

Que tal nos inspirarmos a partir da literatura feita por mulheres? Beatriz Maluf e Gabriela Rocha separaram três indicações de livros que podem ser facilmente encontrados em livrarias ou em sites especializados.

Beatriz escolheu a obra Mamãe & Eu & Mamãe, de Maya Angelou. “A história dela mexeu bastante comigo. É um livro que eu recomendaria, porque é uma obra muito linda, de uma potência surreal.”, explica.

Já Gabriela Rocha decidiu indicar duas obras. A primeira delas é Detalhe Menor,de uma autora palestina chamada Adania Shibli, que escreve sobre uma personagem que está vivendo hoje na Palestina, mas que teve acesso a uma história do passado e vai investigar esse assunto. É um livro muito plástico, eu nunca fui para Israel ou Palestina, mas eu pude viver a narrativa”, comenta.

O segundo deles é o O Som do Rugido da Onça, de Micheliny Verunschk. “Enquanto lia, lembrava de Grande Sertão Veredas, [porque] a autora cria uma linguagem própria, então é maravilhoso”, conclui Gabriela. 

Foto da autora do livro, em preto e branco, com expressão séria, cabelo curto e olhar tranquilo. Ao lado a capa do livro, várias onças sobrepostas pelo título da obra. Foto: Renato Parada / Divulgação

Se você gostou dessas indicações e quer conhecer outras obras fantásticas, confira a sugestão de 10 livros para entender, viver e ser mulher, da colunista Rayza Fontes, aqui na Vida Simples.

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