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    O que você precisa saber antes de começar a fazer terapia
    Ave Calvar
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    Uma gota a mais e o copo transborda. A metáfora sobre algo que não conseguimos conter desenha a imagem do que acontece nos momentos em que não damos conta de resolver sozinhos um problema que incomoda bem lá dentro da gente. Ao atingirmos essa situação-limite, a água escorre – e nos vemos no impasse de matar, morrer ou de nos fingirmos de mortos. Matar é buscar soluções. Morrer é se deixar aniquilar por ela. Fingir de morto é olhar para o lado, agindo como se a coisa não fosse com você. Eis aí três possibilidades do que cada um de nós, como indivíduos (na mais pura acepção da palavra, “aquilo que não se divide”), podemos fazer com nossas vidas quando algo não vai bem em nosso íntimo. Tudo é questão de escolha, e essa opção determina como viveremos e quem seremos para nós e para os outros. 

    Dentro dessas possibilidades, vamos falar da parcela que encara sua verve Bruce Willis em Duro de Matar e parte para o combate. Calma, ninguém vai sair por aí batendo nas pessoas que nos causam problemas, nos decepcionam ou representam o que gostaríamos de ser e não somos. Ir à luta tem um sentido mais pessoal, de mergulhar em uma jornada que nos colocará em confronto com nosso maior desafio ante nós mesmos. 

    Na batalha, é importante contar com a expertise de um bom navegador que ajude a interpretar as coordenadas do trajeto até o entendimento de por que o copo transbordou. Esse companheiro de jornada estudou o funcionamento da mente humana e seus meandros, e, quem sabe, nos fará chegar ao registro da torneira para evitar um novo transbordo. Assim define-se o terapeuta, palavra que nomeia psicanalistas, psiquiatras, psicoterapeutas e outros profissionais que trabalham com técnicas de autoconhecimento (vale explicar que os termos “terapia” e “terapeuta” usados nesta reportagem referem-se a profissionais com formação acadêmica e cursos de especialização em estudos da mente). É com eles que contamos quando não conseguimos evitar que a gota letal cause sofrimento emocional. Ao pedir socorro e nos lançarmos ao desafio de fazer terapia, embarcamos numa viagem ao inconsciente – aquele local dentro de nós que guarda o que somos, como nos tornamos, o que somos, o que queremos ser e o que podemos ser.

    Freud: como tudo começou

    Existe ainda muita gente que vê a psicoterapia como tratamento para malucos ou para pessoas sem capacidade de lidar com seus próprios problemas. O ranço é antigo, do tempo em que a subjetividade era malvista pela ciência. Remanescentes desse pensamento acreditam que um antidepressivo como Prozac na mão vale mais que boas palavras. Mas quem aposta na fala como instrumento de expressão sabe que entrar num consultório e se entregar a um momento “esta é sua vida” com um desconhecido é uma forte ferramenta para tirar o pedregulho do sapato.

    “A verbalização para descrever fatos e estados emocionais ajuda a processá-los e a torná-los palatáveis”, afirma o psiquiatra e psicanalista Plínio Montagna. Ao contar o que sente, a pessoa se ouve e amplia a consciência de si própria.

    Graças ao médico austríaco Sigmund Freud, que formulou os princípios da psicanálise na década de 1890, hoje sabemos que é possível entender a mente humana e mudar aspectos de nossa conduta que incomodam – tanto no relacionamento com os outros quanto conosco mesmos. A partir da “descoberta” do inconsciente, Freud revelou ao mundo que muitos transtornos mentais não são mero resultado de doenças. Conteúdos guardados em nosso interior, oriundos de sentimentos inconscientes reprimidos na infância por nossos pais, moldam a figura que somos hoje. 

    Quem precisa fazer terapia?

    Tal entendimento garantiu conhecimento não só para o tratamento de doenças psíquicas resultantes de distúrbios do inconsciente, como também para que uma pessoa como eu ou você possa se conhecer melhor e entender por que o calo dói quando pisamos (ou somos pisados) de determinada maneira. O costume é alguém buscar ajuda porque se sente incapaz de resolver seus incômodos e, em raros casos, para se conhecer melhor. Mesmo na primeira situação, é quase inevitável não continuar a terapia, pois conforme se enxerga com mais clareza, mais o paciente quer se aperfeiçoar – é como polir uma escultura para que ela fique cada vez mais bela. 

    No campo das doenças mentais, a psicanálise contribui para humanizar bastante o tratamento. Hoje, uma pessoa esquizofrênica toma medicamentos prescritos por um médico psiquiatra e tem apoio psicoterapêutico. Transtornos alimentares, bipolares, déficit de atenção e depressão, entre outros, precisam do critério médico para concluir o diagnóstico. “Às vezes, o limite da avaliação de uma depressão para um transtorno bipolar é tão tênue que só a experiência médica pode detectar a doença”, diz o psiquiatra Frederico Navas Demétrio, coordenador do Grupo de Estudos de Doenças Afetivas do Hospital das Clínicas de São Paulo.

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    O olhar afinado também sinaliza quando tudo pode ser resolvido só com psicoterapia. Muitas vezes, a conversa é mais eficaz que o Prozac. Antidepressivo lançado com estardalhaço em 1986, a tal pílula da felicidade aumenta a serotonina do cérebro, deixando as pessoas mais alegres. Fácil de administrar, até um ginecologista pode receitá-la para aliviar sintomas de distúrbios hormonais. O problema é o mau uso e a autoenganação (o famoso efeito placebo). “O efeito pode ser efêmero: quando tomo, sorrio, quando o efeito passa, entristeço”, afirma a psicoterapeuta e professora do Instituto Sedes Sapientiae Maria Helena Mandacarú Guerra. 

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    Depois de Freud, um mundo de vastas possibilidades se abriu além da fronteira da doença e hoje existe terapia para todo tipo de paciente. Parece meio amplo? E é. “Se considerarmos todos os tratamentos do campo do autoconhecimento, indo do xamanismo à psicanálise, existem mais de 500 modalidades. Mas a maioria não tem embasamento mais científico, no sentido do entendimento da mente humana”, afirma o médico psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Psicoterapia, José Toufic Thomé. Levando em conta esse critério, a psicanálise e a psicoterapia praticadas por psicanalistas, psiquiatras ou psicólogos têm melhor embasamento para a análise humana.

    Geralmente, a pessoa chega a um terapeuta por indicação de um amigo ou parente. Ela não está interessada na técnica, só precisa de alguém que a ajude a entender o que está acontecendo – e para isso não há idade; a necessidade pode surgir em qualquer época da vida. “Existem bons profissionais em todas as linhas. Não há uma escola terapêutica de amplitude absoluta. O importante é a empatia paciente-psicoterapeuta e que o profissional tenha boas referências, seja membro de uma associação ou sociedade de classe reconhecida”, diz Maria Helena Guerra. Outro componente decisivo apontado por muitos entrevistados desta reportagem é que o bom psicoterapeuta nunca diz o que o paciente deve fazer. “Ele auxilia a pessoa a navegar em suas emoções e a se compreender”, diz a psicoterapeuta Adriana Dorgan.

    É essencial confiar no seu terapeuta

    Uma boa indicação, portanto, é o começo do caminho para se chegar a alguém que tenha tato e técnica para orientar a navegação por águas ora turbulentas, ora cristalinas do inconsciente – esse “mar” que guarda a chave dos nossos mistérios, desde os aceitáveis até os inimagináveis. “Fazer terapia é um ato de coragem, porque as descobertas podem ser viscerais”, afirma o médico psiquiatra e psicanalista Durval Mazzei Nogueira Filho. Chegar a esse patamar de escarafunchar a ferida com bisturi depende de o paciente querer ir mais além da resolução do problema imediato. 

    Também é importante estar bem acompanhado. “O paciente tem que sentir que o terapeuta está com ele”, diz Adriana Dorgan. Quando isso não acontece, é como um carro patinando na lama. “Durante anos fiz terapia com a mesma psicóloga, mas quando ela começou a dizer que minhas dúvidas com relação à minha sexualidade eram viagem da minha cabeça, parei a análise. Procurei outro terapeuta e conquistei autonomia para assumir minha homossexualidade”, diz Felipe (o nome foi trocado a pedido do entrevistado).

    Como funciona a psicanálise?

    Nem todo mundo se dispõe a conversar com o psicanalista três ou quatro vezes na mesma semana, deitar no divã e falar o que lhe vier à mente assim, de chofre. Esse é o molde clássico da sessão de psicanálise elaborado por Freud, que resiste ao tempo e ao bolso de alguns clientes. 

    O ambiente costuma ser básico: a poltrona do analista e o divã. Nesse cenário quase asséptico, o paciente fala sobre aquilo que pensa, seus incômodos, suas angústias. “Nos encontros com o profissional, a ideia é reestruturar e reinterpretar, à luz do que está acontecendo, as distorções do passado que estão presentes no dia-a-dia”, diz a psicanalista Anna Verônica Mautner. 

    A ausência de contato visual no processo de livre associação, como é chamada a técnica de deitar e falar, é fundamental para o sucesso da jornada. “Um não controla a reação do outro com o olhar, permitindo ao paciente abandonar a vigilância consciente e se entregar à expressão verbal”, afirma a psicanalista Celina Giacomelli. Assim aflora o sintoma daquilo que faz mal. O passo seguinte é compreender o que mantém esse sintoma. 

    Às vezes, esse processo de deixar fluir o verbo ganha um componente extra, de certo modo emocionante, quando o terapeuta segue a linha criada por Jacques Lacan nos anos de 1930. O psicanalista francês concebeu o tempo lógico, colocando abaixo a regra freudiana de que a sessão teria 50 minutos. O analista literalmente corta o papo na hora em que achar pertinente. “As pessoas falam muito, e a fala pode vir disfarçada. O psicanalista interrompe o paciente para que ele se ouça e entenda que precisa deixar de usar álibis”, diz Durval Filho. Depois do corte abrupto, o analisado engole seco e vai embora com suas últimas palavras latejando na cabeça – no estilo “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. 

    O que é psicoterapia analítica?

    Olhos nos olhos, poltronas frente a frente e mesinha auxiliar com uma caixa de lenços de papel. O cenário, parecido com uma sala de visitas, é o mais comum nos consultórios. Nesse ambiente de proximidade, o paciente dialoga com o terapeuta. Na conversa com um adepto das teorias do suíço Carl Gustav Jung, ex-discípulo de Freud que, em 1913, cunhou o termo “psicoterapia analítica” para determinar seu método de trabalho, a análise leva em conta não apenas as questões internas e individuais do paciente, mas também fatores externos, disseminados pelo consciente e pelo inconsciente coletivo da humanidade.

    Características familiares e contexto social e cultural ativam elementos do inconsciente, contribuindo para moldar quem somos. Por isso Jung acreditava que não basta entender o problema. A compreensão é racional, e as pessoas têm que entrar na emoção contida naquela vivência. Ao viver a descoberta, a pessoa libera a sensação que estava presa. “O paciente tem a possibilidade de se transformar pela consciência de seus complexos e da iluminação dos seus bloqueios e fraquezas “, afirma o psiquiatra e psicoterapeuta Eliseu Labigalini Junior.

    Outros caminhos: terapia corporal e psicodrama

    Se a mente fala, o corpo faz igual – e antes mesmo da fala. O bebê se expressa com gestos, olhares, caretas e sorrisos. Ao crescer, essa espontaneidade fica mais contida, mas o vocabulário corporal permanece latente aos olhos de quem sabe ver. Respiração acelerada ou curta, suores, ombros para frente, a maneira de cruzar braços ou pernas, tudo isso e muito mais denunciam aspectos internos do que passamos, estamos passando ou nos tornamos. A partir da observação desses sinais, o psicólogo austríaco Wilhelm Reich elaborou um trabalho na década de 1920 que culminou no surgimento da terapia corporal.

    Implacável, o terapeuta analisa tudo o que se passa com o paciente. “Antes de verbalizar, as pessoas sentem. Por isso é importante observar e traduzir essas sensações”, diz o terapeuta corporal Rubens Kignel, que dá cursos de especialização no Brasil, Itália, França e Japão. Durante a conversa, tudo pode acontecer – de um convite para o paciente deitar num divã king size e levantar as pernas para o alto até pular em uma cama elástica. 

    O dinamismo também tem lugar no psicodrama, outra técnica que faz a pessoa resgatar o momento que incomodou como se estivesse encenando uma peça de teatro. “Ele revive o que aconteceu e também se coloca no lugar do outro. A inversão de papéis faz com que a pessoa aprenda a responder de maneira inovadora a situações que já viveu”, afirma a diretora do Instituto Psico-Social e Educacional da Associação Brasileira de Psicodrama, Maria Aparecida Fernandes Martin.

    Vale a pena fazer terapia de casal?

    Como a maioria de nós não vive em uma caverna, longe de tudo e de todos, nossas ações refletem na vida dos outros e vice-versa – principalmente no universo familiar, onde estabelecemos ligações mais intensas. Não há como negar que o sucesso de qualquer relação interpessoal depende do esforço de ambos, especialmente quando o assunto é casamento. Aqui a seara às vezes é tão complicada que só recorrendo à boia para se safar do afogamento. Daí o surgimento da terapia de casais, geralmente procurada quando a dupla chega ao clímax da crise.

    Na análise, o que entra em cena é o “nós”. Marido ou mulher podem buscar ajuda individual, mas, quando estão juntos na sala do psicoterapeuta, o que se discute é a terceira pessoa da relação. “O terapeuta não é conselheiro matrimonial, e sim um intérprete das falas. Ele ajuda o casal a aprender a conversar e a se ver”, diz Louise Madeira, especialista em família. 

    Por outro lado, uma crise abafada pode desencadear problemas nos filhos, que começam a apresentar mau rendimento escolar ou dificuldade de relacionamento. Foi assim que a secretária executiva Valentina Ceresatto foi aconselhada pela terapeuta de sua filha a procurar ajuda após a morte do marido. Valentina não queria que a menina a visse triste e ativou seu lado de mulher forte. Mas a adolescente pensou que a mãe não estava ligando para o que aconteceu, e começou a ter um comportamento estranho. “Eu a levei para a terapia e logo a psicóloga percebeu que era eu quem precisava cuidar do meu sofrimento”, diz.

    Como funciona a terapia breve?

    Sofrimento é o que desencadeia o processo da gota d’água, pegando as pessoas no contrapé e até em situações inusitadas. Imagine que uma promoção pode gerar tamanha insegurança no felizardo que ele precisa de auxílio para superar o choque e tocar a vida. A perda do emprego ou a notícia de uma doença grave também ativam o gatilho do transbordo. Para casos decorrentes de eventos específicos, a terapia breve é um santo remédio.

    Chama-se breve porque tem uma data estabelecida para começar e terminar. O contrato entre paciente e terapeuta estabelece o número de sessões necessárias para a resolução da questão, chegando a uma média de 20 encontros. “O objetivo é auxiliar a pessoa a se adaptar àquela nova realidade”, diz a professora do Instituto de Psicologia da USP Kayoko Yamamoto. A publicitária Valéria (nome fictício) apostou em alguns encontros psicoterápicos para driblar a depressão pós-parto. “Achei que eu não seria capaz de criar um bebê com os cuidados necessários. A terapeuta me fez ver que a criança não é um ET e me ajudou a superar meus medos”, afirma.

    Como foi dito lá no início, fazer terapia é lançar-se ao desafio de resolver um problema urgente ou aventurar-se a descobrir mais sobre si mesmo. O mergulho nos labirintos do inconsciente, que revela quem somos, pode fazer toda a diferença para determinar quem desejamos ser. Terapia não tem garantia ou prazo de validade – porque as pessoas mudam, porque a vida muda. E, posto que é mudança, nem todo mundo aceita ser igual durante toda uma vida.


    Esse texto foi originalmente publicado na edição 55 de Vida Simples, de julho de 2007.

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