Você abre o e-mail, vê uma notificação no celular, lembra de responder uma mensagem, muda de aba, esquece o que ia fazer e, quando percebe, está cansado sem ter feito quase nada. A dificuldade de se concentrar virou parte do cotidiano, quase como uma epidemia silenciosa.
Mais do que um problema individual, a distração é reflexo de um estilo de vida que sobrecarrega o corpo e a mente. E quanto mais nos cobramos para focar, mais difícil parece. Talvez o problema não esteja só em nós — mas no ritmo que seguimos, nos hábitos que repetimos sem perceber e na falsa ideia de que dar conta de tudo ao mesmo tempo é sinônimo de sucesso.
Mente e corpo sobrecarregado
Segundo a psicóloga Tatiana Serra, a sociedade passou por transformações profundas nos últimos anos e o ritmo de vida mudou junto. “Com o aumento das demandas e o acesso a diversas tecnologias, surgiu uma pressão para estarmos sempre atualizados, o que não é viável do ponto de vista humano”, explica. O cérebro, apesar de toda sua complexidade, tem limites. E ser bombardeado por estímulos o tempo todo afeta diretamente a nossa capacidade de manter a atenção.
Tatiana lembra ainda que o aumento no número de diagnósticos de transtornos, como TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade), depressão e ansiedade, também está relacionado a esse cenário. “O Brasil lidera o ranking mundial em casos de ansiedade, e isso impacta diretamente a concentração das pessoas.”
É natural ter dificuldade de se concentrar em certos momentos, especialmente em ambientes tumultuados ou sob pressão. Mas há uma diferença importante entre isso e transtornos mais persistentes. “No TDAH, há dificuldade real de inibir estímulos distrativos e manter o foco. Já na depressão, a baixa disposição e a desesperança atrapalham o engajamento. Na ansiedade, o foco se perde porque a mente está em estado de alerta constante”, esclarece Tatiana.
Hábitos que precisam de atenção
Vivemos em um ritmo que não favorece a concentração. “O estilo de vida atual está nos deseducando a manter o foco”, afirma. São muitos estímulos, muitas janelas abertas (literalmente) e uma crença na multitarefa como competência — quando, na verdade, ela pode ser uma grande armadilha.
“Para normalizar esse estilo de vida, nosso cérebro teria que passar por uma mudança estrutural. ‘Será que isso vai acontecer?’ ou ‘teremos que repensar o caminho?’.
Alguns comportamentos cotidianos, muitas vezes naturalizados, dificultam ainda mais a concentração.
- Uso excessivo de eletrônicos, especialmente redes sociais com vídeos curtos;
- Sono de baixa qualidade;
- Sedentarismo;
- Procrastinação que gera sobrecarga;
- Tentativas constantes de multitarefa;
- Estresse e ansiedade crônicos.
O peso da autocobrança
Por trás da dificuldade de se concentrar, muitas vezes está o perfeccionismo. “O tempo que você passa se cobrando ou buscando a perfeição te impede de concluir as atividades. Isso também prejudica o foco”, explica a psicóloga. A saída, segundo ela, está no autoconhecimento. “Entender de onde vem essa autocobrança é o primeiro passo. Quando nos conhecemos, conseguimos estabelecer limites mais saudáveis, inclusive para nossa atenção.”
Concentrar-se, então, não é só uma questão de técnica. É também um ato de cuidado, de escolha e de presença. No mundo que estamos, dar atenção ao que importa pode ser um gesto de gentileza consigo mesmo e uma forma de viver mais inteiro no agora.
Pequenas práticas para se concentrar
Apesar do cenário desafiador, há caminhos que são possíveis. Práticas simples, quando constantes, podem melhorar muito a atenção. “Organizar as tarefas, criar um ambiente adequado, cuidar da alimentação e do sono são pontos fundamentais”, diz Tatiana. Além disso, outras estratégias que também favorecem a concentração, mesmo que por alguns minutos ao dia:
- Praticar o monotasking: realizar uma tarefa por vez, com atenção plena;
- Técnica “pomodoro”: ciclos de 25 minutos de trabalho e 5 de pausa;
- Desligar notificações para reduzir interrupções;
- Pausas sensoriais: respirar, se alongar ou se afastar das telas por alguns minutos;
- Criar um “lugar de foco” em casa ou no trabalho;
- Ouvir sons ambientes ou música sem letra, como lo-fi;
- Escrever à mão, organizando pensamentos no papel;
- Estabelecer limites para redes sociais, com ajuda de apps ou bloqueadores;
- Criar uma rotina de foco matinal, com tarefas simples que ajudam a começar o dia com clareza.
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