Ao desbravar nossas emoções, nos tornamos mais livres
É preciso coragem para olhar nossas emoções mais angustiantes, mas é o único caminho para, enfim, estar em paz com quem somos
Março de 2011. Eu estava no Aeroparque Jorge Newbery, em Buenos Aires, esperando um voo para outra cidade argentina.
Faltavam três horas para o embarque e, durante aquele tempo, sentada e sozinha, lamentei ter deixado na mala os dois livros que tinha levado. Peguei o celular e vi que estava sem sinal. Eu era minha única companhia ali.
Desejei ouvir meia dúzia de palavras em português ou qualquer coisa que rompesse o silêncio que acessava em mim emoções intrusas que estavam estragando um momento tão esperado.
Como nada aconteceu, elas ficaram mais fortes e fui tomada por uma vontade incontrolável de chorar. Queria quietude, mas a sentia como uma roupa fora de tamanho.
Por não conseguir vesti-la, tive saudade do conforto da minha vida corrida. Não parar nunca me protegia das emoções mal resolvidas que eu deixava pelo caminho.
Somos baús de emoções que se acumulam
Alguns de nós guardamos uma quantidade tão grande de emoções difíceis em nossos baús internos que às vezes elas precisam ser prensadas para caber.
Mas bastaram algumas horas de silêncio para eu perceber que meu baú era incapaz de me manter a salvo das dores escondidas.
“A ironia, porém, é que, quando ignoramos nossos sentimentos, ou os suprimimos, eles se tornam mais fortes. Gostemos ou não, as emoções realmente poderosas se acumulam em nosso interior como uma força sombria que envenena tudo o que fazemos”, observa Marc Brackett, autor do livro Permissão para Sentir (Sextante).
Afinal, a vida é temperada por diferentes emoções, e não há como ignorar aquelas que nos incomodam. “Se não expressamos nossas emoções, elas se acumulam como uma dívida que em algum momento será cobrada”, resume o psicólogo.
Uma das nossas desculpas preferidas para não encarar essa dívida é a falta de tempo. O real motivo, no entanto, é a relutância em tirar uma das roupas mais belas do nosso armário emocional: a da perfeição.
Quando cai a ficha de que não temos condições de corresponder a todos os nossos anseios e ao que esperam de nós, é aberta uma ferida profunda.
E não facilmente curada, já que cultivamos desde a infância o desejo de ter uma vida-exemplo. É de lá que vem a expectativa de sermos completos, sempre interessantes e vitoriosos.
A grande ilusão da perfeição
Começamos muito cedo a jornada para encontrar o lugar no qual poderemos ser e fazer tudo o que quisermos. Quando descobrimos que esse endereço não existe, passamos a ver a vida com lacunas, rebarbas e cantos escuros.
O nosso impulso é tapar os olhos e querer voltar para o mundo idealizado, mesmo que seja ilusório. “Temos esse movimento reativo de nos proteger de coisas dolorosas e ficar adaptáveis à vida em sociedade e a nós mesmos”, analisa Bartholomeu Vieira, psicanalista e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
“Exatamente o que a gente quer esconder e que fica debaixo do tapete, quando bate um vento ou ele sai do lugar, aquilo acaba sendo exposto”, ilustra o psicanalista.
Cair a ficha de que somos imperfeitos pode machucar tanto que buscamos um remédio capaz de maquiar realidades. Fazemos isso usando estratégias próprias ou abraçando estímulos, substâncias, práticas e produtos que nos oferecidos para anestesiar as dores da vida.
O problema é que, quando distorcemos a realidade o tempo todo, nos perdemos de nós mesmos. E pior: não adianta nada.
A liberdade de acolher nossas emoções ‘imperfeitas’
Desbravar nossas emoções nos torna um pouco mais livres
Leva tempo para desenvolver a habilidade de se relacionar com as próprias emoções, inclusive as que nos deixam no chão. É preciso ter coragem para encará-las e escutar o que elas têm a dizer.
“Os sentimentos são um tipo de informação. São como notícias vindas do interior de nossa psique, enviando mensagens sobre o que está acontecendo dentro da pessoa singular que cada um de nós é”, afirma Marc Brackett.
As emoções negativas parecem menos assustadoras quando sentamos de frente para elas com curiosidade, compaixão e sem medo antecipado de ser julgados ou ridicularizados.
Vemos que podem até ser úteis para nos mostrar se estamos nos desvalorizando, errando ou se precisamos de mudanças. E que nos dão pistas de como sair do sofrimento.
Olhando com calma, vemos um horizonte emocional mais amplo e descobrimos quão potente é a nossa resiliência. Então podemos apenas reconhecer a origem das nossas emoções e quais seus significados para entender a influência que exercem sobre nossos pensamentos e ações.
Isso não significa que estaremos imunes a erros e atitudes precipitadas. Pois, como diz Marc, somos obras em andamento. Significa que nossa sensibilidade nos ajudará a acertar mais e ficar bem, apesar de tudo.
Assumir nossas emoções é um ato de fidelidade a nós mesmos
Tudo bem? Como você está? Da mesma forma que perguntamos de maneira automática, também as respondemos assim.
Mas, para sermos fiéis ao que se passa dentro de nós, precisamos conhecer as raízes das nossas emoções, que muitas vezes se apresentam misturadas.
E, ao concorrer com as urgências do cotidiano, o que estamos sentindo acaba ficando em segundo plano.
Outras vezes somos nós mesmos que não queremos nos expor, mesmo para pessoas de confiança. Por isso desprezamos as perguntas acima e fugimos de terapias.
Mas colocar as emoções para fora é o quesito mais importante para nos conhecermos de verdade. É assim que desbravamos nossos territórios desconhecidos, mesmo que as feridas sangrem durante o percurso.
Elas são um mal necessário para alcançarmos a liberdade de ser quem somos. Quando isso acontece, nos tornamos mais flexíveis, tolerantes e acolhedores. Com a gente e com os outros.
E passamos a respeitar o tamanho exato que as experiências têm para nós. A viagem para a Argentina me ensinou a tirar da invisibilidade minhas camadas profundas e a ser paciente com as minhas fragilidades.
E assim aprendi a me sentir mais confortável em mim.
Você também pode gostar
– O que a postura do corpo diz sobre as suas emoções?
– O que você precisa saber antes de começar a fazer terapia
– Permita-se desfrutar da vida: aprenda a reconhecer seus desejos
SIBELE OLIVEIRA faz viagens interiores sem sair de casa. Sempre volta com a mala cheia de aprendizados que extrai de suas imperfeições.
Conteúdo publicado originalmente na Edição 244 da Vida Simples
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login