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    Olhares femininos: Tabata Cristine amplia voz sobre autismo em mulheres
    Arte: Carolina Vellei | Foto: Arquivo Pessoal de Tabata Cristine
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    Antes de conhecer o mundo do autismo, a sensação de inadequação acompanhou a paulista Tabata Cristine por boa parte de sua vida, começando na infância. Quando chegou à adolescência, o sentimento ficou mais nítido e ela não viu escolha a não ser tentar se encaixar — algo que a entristecia, pois tinha como motor a culpa e a incompreensão por parte das pessoas ao seu redor.

    Assim, esconder suas emoções passou a ser corriqueiro para tentar se sentir aceita. “As pessoas me faziam sentir mal por ser diferente, então fui me adequando e tentando imitá-las”, explica. O que Tabata não sabia, na época, é o que esse mascaramento é uma característica muito presente em pessoas que estão no Transtorno do Espectro Autista (TEA). Depois de uma desconfiança, ela só foi confirmar o diagnóstico aos 30 anos, a partir de uma avaliação clinica que demorou mais de dois anos para se concluir.

    Com o resultado em mãos, a profissional de marketing se viu com um diagnóstico duplamente invisibilizado, porém, mais comum do que se imagina. O primeiro é o do autismo em adultos, visto que o TEA é muito mais conhecido no público infantil. Já o segundo, o do autismo em mulheres.

    Por muitos anos acreditou-se no meio científico que o autismo era menos comum em mulheres. E isso, até hoje, faz com que muitas meninas não sejam diagnosticadas ainda na infância, como aconteceu com Tabata. Segundo um estudo publicado pela revista norte-americana Neurologic Clinics, em 2023, mulheres com autismo apresentam distinções na expressão dos sintomas do TEA em comparação aos homens. Esse fato é devido a diferenças sociais e biológicas, não totalmente entendidas pelos modelos clínicos, que são majoritariamente baseados em pesquisas a partir do ponto de vista do comportamento masculino.

    Um olhar feminino sobre o autismo

    Dona de uma página no Instagram com mais de 135 mil seguidores, Tabata conta que começou a produzir conteúdo na internet porque sentiu que havia uma escassez de referências e vozes para falar sobre o autismo na vida adulta e, em especial, entre mulheres. Foi aí que ela enxergou uma necessidade e começou a sua atuação. Está há mais de três anos nas redes sociais como uma das principais vozes dentro da causa da neurodiversidade. Além do autismo, traz também a perspectiva de uma vida com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), igualmente diagnosticado de forma tardia.

    Sobre a visibilidade feminina dentro da causa do autismo, aponta que a sua produção de conteúdo é um jeito de as mulheres se identificarem, se entenderem e perceberem situações em comum. “É legal você ter mulheres falando sobre isso porque tem algumas coisas que vão fazer parte desse universo que outras pessoas não conseguiriam falar” explica. “Por exemplo, como é difícil usar sutiã para uma mulher autista. Isso é um tópico que a gente não falava antes e hoje a gente fala. Como é difícil a primeira menstruação, como a TPM afeta e pode até causar crises no contexto do autismo”, finaliza.

    Em entrevista para a Vida Simples, Tabata conta como foi seu processo de diagnóstico e sua trajetória como porta-voz dessa causa, refletindo também sobre aspectos fundamentais das questões de gênero que impactam todas as mulheres e, mais profundamente, as mulheres autistas.

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    Sabe-se que é mais difícil diagnosticar o autismo em mulheres. Como você descobriu que era autista?

    Eu sempre percebi que era muito diferente dos meus amigos, acho que na adolescência isso ficou bem nítido. Os meus comportamentos eram bem diferentes, os meus interesses eram bem diferentes, mas eu tentava me encaixar. O mundo me fazia acreditar que a culpada era eu. Não tinha muito isso de “apoiar a diversidade” e “as pessoas são diferentes e é isso mesmo”. Não, as pessoas me faziam sentir mal por ser diferente. Fui me adequando e tentando imitar as pessoas. Mas sempre foi perceptível que era diferente, só que não se falava de autismo naquela época, principalmente no nível 1. Na época era [chamado de] Asperger e era considerado raríssimo em mulheres.

    Foi uma barreira muito importante que a gente conseguiu derrubar com esse trabalho de conscientização, não só na internet, mas os médicos foram se atualizando, os psicólogos também. Muitas mulheres passaram batidas por conta disso, por mais que tivesse ali os comportamentos diferentes do padrão. Era “preguiçosa”, era “rebelde”, era “não sei o quê”, mas sempre tinha um nome que não levava o diagnóstico.

    Quais foram os lados positivos e negativos de receber o diagnóstico de autismo?

    Para mim, foi muito libertador entender que eu não era ranzinza, não era fresca, não era mimada, como as pessoas diziam, era uma questão do autismo. Tirou de mim muita culpa, muita cobrança, muita sensação de que eu tinha que me adequar. Eu fui me libertando dessa sensação de que eu tinha que ser igual às outras pessoas. Me trouxe mais autoconhecimento, um amor-próprio muito grande, no sentido de valorizar quem eu sou e não ficar mais imitando as pessoas.

    Claro que ainda faço bastante, porque tem outro lado do diagnóstico que é o preconceito, as barreiras que a sociedade coloca. Por mais que eu acolha quem eu sou, em certas situações, sei que ainda não posso ser eu mesma. O ambiente corporativo, por exemplo, sei que não é todo mundo que vai lidar de boa com estereotipias. A empresa que eu trabalho é muito legal, muito acolhedora, mas nem sempre foi assim, já estive em outras empresas que não tinham essa empatia, esse acolhimento.

    O lado ruim do diagnóstico não é o do diagnóstico em si. O lado ruim é o preconceito das pessoas. São as barreiras que as pessoas colocam na sua vida além das barreiras e das dificuldades que o próprio autismo já te traz.

    Você vai ter que lidar com toda uma falta de oportunidade de julgamento, de invalidações que vem das outras pessoas.

    Qual a sua maior motivação para criar conteúdos para as redes sociais?

    Quando veio a possibilidade [de ter o diagnóstico], em 2018, comecei a acompanhar o Marcos Petry, Léo Akira que falavam sobre autismo, só que são dois homens. Nem tudo que eles falavam fazia sentido para mim. E os dois falavam também bastante sobre autismo em crianças, apesar de falar sobre o autismo deles e falavam bastante dicas para pais.

    Mas eu pensei: “está faltando alguém que fale de autista para autista, né?”. Claro que ajudar pais é importante, mas a gente precisa falar também para os autistas, eu acho que esse foi o grande diferencial do meu conteúdo. Foi aí que veio a Bianca Galvão, uma grande amiga, e a gente começou a falar sobre autismo de adulto para adulto, de autista para autista.

    Você tem hoje uma plataforma que auxilia outros autistas. Recebe depoimentos positivos sobre o seu trabalho?

    Muitos. Acho que todo dia, se eu entrar deve ter pelo menos uns três depoimentos de alguém que se sentia perdido sem saber quem era e aí começou a se identificar e foi atrás do diagnóstico e se descobriu. Ou a pessoa tinha o diagnóstico e tava sofrendo com esse diagnóstico achando que era o fim da vida, achando que nunca seria feliz. Ou, então, que o filho nunca seria feliz.

    A pessoa encontra esse conteúdo mais leve, que é informativo ao mesmo tempo, e começa a entender que existem, sim, desafios, mas que [o autismo] não é sentença de tristeza, não é sentença de infelicidade.

    São muitos relatos assim que me emocionam. Era isso que eu queria quando comecei e é muito bom ter um sonho realizado.

    As mulheres sofrem muito preconceito por conta do machismo. Você já passou por alguma experiência negativa pelo simples fato de ser mulher?

    Nossa, muitas. Por exemplo, quando eu era criança, eu tinha hiperfoco em tubarão e o uniforme do time de judô da minha escola tinha um tubarão e eu quis entrar no time. Mas fui vetada por ser mulher porque era um esporte muito violento para mulheres e mulheres não eram bem-vindas. Eu fui proibida de jogar futebol na escola também.

    Eu era muito boa em tênis de mesa, eu treinava em casa e quando fui jogar na escola, ganhei de todos os meninos, mas não foi legal porque eu não me senti vitoriosa, me senti rebaixada. Os meninos falavam: “Nossa! Perdeu para uma mulher. Perdeu para uma menina, que feio”. No meu trabalho, dentro da engenharia, muitas vezes fui invalidada, a minha opinião foi descartada logo de cara em reuniões. Fui infantilizada, muitas vezes. Existiram situações de assédio e de abuso também.

    Exige muita coragem para você ser mulher no Brasil, no mundo, porque são tantos obstáculos, tantos desafios. Precisa ser muito corajosa para ser mulher, precisa de muita coragem mesmo para viver.

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    Como é a sua relação com ser mulher hoje?

    Uma coisa que me marcava muito é que toda festinha de aniversário, eu ganhava boneca, ganhava panelinha e eu queria ganhar outras coisas. Eu queria ganhar videogame, patins, bola. Parecia que ser mulher para mim tava sempre relacionado a ser mãe e a cuidar da casa e eu não queria isso e teve uma fase que odiei ser mulher. Eu pensei: “eu não quero ser mulher, é muito chato. Você não pode fazer nada. Eu não posso lutar, não posso jogar futebol. Ser mulher é ser ruim nos esportes. Os meninos acham que é uma vergonha perder para uma mulher. Eu tenho que ser mãe, eu tenho que gostar de cozinhar, de limpar a casa.”

    Foi bem difícil, mas o que mudou isso foi o filme Lara Croft: Tomb Raider, com Angelina Jolie. Foi aí que percebi que é possível ser mulher, fazer as coisas, ser brava, lutar e ganhar. Eu comecei a pesquisar outras mulheres que faziam isso, mulheres que eram referência e fui entendendo que ser mulher não era se limitar a ser mãe e dona de casa ou ser ruim nos esportes.

    Quais mulheres te inspiraram e são exemplos para você?

    Uma grande referência que, na época, encontrei ao acaso foi a Frida Kahlo. Eu falei “essa daí é brava. Essa é legal”. Uma coisa que eu sentia muita falta era referência nos super-heróis. Todos os super-heróis famosos eram homens. A Mulher Maravilha também foi um diferencial na minha vida. Nos esportes também, a Marta, para mim, foi uma grande referência. Hortência uma grande referência. Ana Moser, do vôlei, também.

    Depois vieram outras mulheres como Tatá Werneck. Ela foi uma grande referência porque além de ser uma mulher incrível, ela tem TDAH [como eu] e faz sucesso através de habilidades muito relacionadas ao TDAH. Enquanto a gente, muitas vezes, tem vergonha, se culpa, ela mostrou pra gente que é possível, sim, usar certas habilidades do TDAH em alguma área. Nem tudo é ruim, nem tudo é o fim do mundo.

    Que mulheres te apoiaram ao longa da sua vida?

    Com certeza minha mãe. Ela sempre foi muito empoderada, muito batalhadora, muito decidida e sempre me apoiou muito. Minha mãe é a minha grande referência de mulher, minha grande inspiração também.

    Qual o papel da mulher como porta-voz contra as desigualdades?

    As mulheres estão aí fazendo a revolução e assumindo responsabilidades enormes. Eu vejo muito pelas mães atípicas que muitas vezes precisam cuidar da casa, do trabalho e do filho atípico porque o marido simplesmente foi embora ou então finge que não está acontecendo nada.

    Nós, mulheres, temos um papel gigantesco de mostrar para o mundo o tanto que a gente faz e o quanto está errado a gente fazer tanto. Não é justo essa sobrecarga, não é justo esse excesso de demandas e responsabilidades que a mulher tem.

    A gente precisa dividir isso porque está muito pesado para muita gente.

    Acompanhe a série especial “Olhares femininos sobre diversidade”

    “Olhares femininos sobre diversidade” é uma série de entrevistas publicadas pela Vida Simples em celebração ao Dia da Mulher. Nela, conversamos com profissionais engajadas na inclusão de pessoas diversas na sociedade. Afinal, não existe um só jeito de ser mulher. Acima de tudo, elas são inspirações de como podemos usar a nossa voz para reconhecer e valorizar as diferenças que tornam a jornada de cada mulher única, singular e cheia de potência.

    Duas entrevistas já estão no ar:

    • Tabata Cristine, palestrante e criadora de conteúdo na área de autismo e TDAH, nos revela as contribuições femininas diante da neurodiversidade;
    • Lelê Martins, a “Blogueira PcD” (Preta com Deficiência), incentiva mulheres em suas jornadas de autoestima e autoaceitação para mudar o rumo de suas histórias;
    • Hananza é escritora e filósofa. Como ativista na causa antirracista, propõe reflexões valiosas sobre o racismo estrutural no Brasil;
    • Thamirys Nunes é mãe de uma menina trans de 9 anos. Ela criou a ONG Minha Criança Trans para empoderar famílias e desmistificar tabus da sociedade sobre o assunto;

    Já no dia 22 de março, vamos contar as histórias de:

    • We’e’ena Tikuna, formada em artes plásticas, é uma estilista e ativista indígena premiada, trabalhando pela inclusão social dos povos indígenas por meio da difusão da sua arte.
    • Nath Finanças fala de “finanças reais para pessoas reais” para capacitar as pessoas a tomarem melhores decisões financeiras, estimulando epecialmente as mulheres a conquistarem a independência.

    Para receber diretamente no seu e-mail as entrevistas do especial do mês da mulher “Olhares femininos sobre diversidade”, cadastre-se em nossas newsletters. Elas serão divulgadas aqui no portal e na newsletter “Simplesmente Vida”, enviada aos domingos.

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