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Deficiências invisíveis: histórias de quem convive com condições ocultas
Robo Wunderkind
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As dores, preconceitos e incapacidades do próprio corpo em realizar atividades cotidianas nem sempre são visíveis a olho nu. Conhecidas como deficiências invisíveis, o termo guarda-chuva abrange uma série de condições que impactam a vida de milhões de pessoas. Mas além da dificuldade em se fazer visto e reconhecido, o preconceito ainda é uma das barreiras para grupos que buscam integração em sociedades aversas à diversidade.

Também conhecida como deficiência oculta, o conceito abrange desde transtornos do desenvolvimento até doenças com poucos ou nenhum sintoma externo. Entram na lista o Transtorno do Espectro Autista (TEA), câncer, asma, transtorno de ansiedade, esquizofrenia, doença de Crohn, lúpus e fibromialgia, entre outros.

Por causa da pluralidade e abrangência dos casos, é difícil mensurar um número que possa representar o grupo que, além de diverso, carece de estatísticas. No caso de pessoas com autismo, por exemplo, ainda não há uma inclusão censitária que possa quantificar a presença de pessoas com TEA no Brasil, apesar de haver estimativas.

Entre os principais impactos diários vividos estão a desinformação sobre as deficiências invisíveis, além do isolamento social. Isso porque o receio e a exclusão de pessoas neurodivergentes, ou com doenças raras, nos círculos sociais ainda é comum e preocupa. É por isso que datas como o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, celebrado em 3 de dezembro, contribuem para a mobilização e pressão social para que demandas e políticas públicas locais estejam presentes.

Deficiências invisíveis, mas que machucam

Incluir, pautar e normalizar a presença de pessoas neurodivergentes ou com doenças raras é uma demanda social relevante dos últimos anos. Na arte, filmes, séries e peças de teatro incluem personagens e diálogos sobre o tema, como a série Atypical (Netflix) em que o protagonista (Sam) é um adolescente com TEA e busca encontrar inclusão nos círculos sociais. No Brasil, a peça de teatro Stronger – A mais forte, dirigida por Ricardo Leitte, é outro exemplo.

O enredo aborda a vida de duas mulheres que medem forças em uma noite fria de Natal, no depósito de uma loja de departamentos de Nova York nos idos dos anos 1950. O texto se inspira na obra de August Strindberg, embora busque destacar a deficiência de uma das personagens, interpretada por Dani Guedes. A atriz, que dialoga com o papel por meio de suas próprias vivências pessoais, mergulha em novas possibilidades ao unir arte e crítica social.

“A peça traz temas extremamente atuais, como a autoestima da mulher que é duramente atingida quando passa por uma doença crônica ou rara”, explica. A atriz destaca ainda que há um diálogo importante sobre a solidão e a dificuldade em encontrar parceiros que possibilitem relações saudáveis.

Para além da personagem, Dani Guedes mantém uma relação intensa com o tema. A artista precisou conviver com 24 pinos na coluna, além de perder a mobilidade torácica, após acidente durante um espetáculo aos 38 anos. Em 2020, um tumor raro levou à perda da hipófise, glândula que fabrica os hormônios do corpo. “Decidi voltar aos palcos com o propósito de levar informação e acolher de uma forma que não havia acontecido comigo”, destaca. 

Confesso que ainda estou redescobrindo meu corpo”, afirma. Por não produzir nenhum hormônio, seu corpo fica passível de facilmente sofrer com alterações de humor, clima, trabalho e relações interpessoais. “Não quero que tenham pena de mim, mas quero o respeito que todos merecem“, deixa claro. Para a atriz, o teatro se tornou um ponto de amor e suporte emocional. “A arte me tira da cama todos os dias e me salva em todas as vezes que estou no hospital”, conclui.

Dani Guedes é uma voz das deficiêncas invisíveis e usa uma blusa branca com uma boneca na mão. Ao seu lado, sua companheira de palco com olhos fechados. Foto: Cena do Teatro Raro, Dani Guedes à frente com a parceira de palco Maria Clara Haro/ Divulgação

Por que é tão difícil prestar atenção às deficiências invisíveis?

O médico psiquiatra Alexandre Valverde, desde a infância, apresentava comportamentos e diálogos, digamos, inusitados. Com suspeita de altas habilidades, a criança era lembrada por sua personalidade peculiar. Diferente de outros meninos, detestava os barulhos de sirenes que passavam na rua, sentia desconforto com roupas e alterações na temperatura, além da dificuldade em manter o olhar fixo em outras pessoas e fazer amigos. Um garoto temperamental e de características únicas, pensou a família.

“Eu não sabia que essas coisas estavam articuladas, então, elas ficavam, para mim, apenas como características que se amontoam à minha pessoa. Eu não entendia que fazia parte de um todo”, explica Valverde. Aos 42 anos, depois de uma suspeita de TDAH, o psiquiatra finalmente compreendeu que, aquele turbilhão de experiências sensoriais vividas até ali se explicavam pelo fato de se encontrar no espectro autista. “Isso mudou totalmente a minha relação comigo mesmo e com os pacientes, porque passei a respeitar muito mais questões das minhas necessidades autísticas”, explica. 

Para o especialista, ainda há um estranhamento e falta de compreensão com pessoas neurodivergentes ou com deficiências invisíveis. Como consequência, a exclusão social e o capacitismo demarcam espaço, mesmo que hoje exista mais grupos sociais empenhados em combatê-los. “O capacitismo coloca as pessoas nesse lugar de sensação de dó, de pena, como se a gente fosse um grande sofredor”.

Valverde lembra que, embora se expusesse a situações desgastantes no passado, hoje se dedica a respeitar os espaços seguros. Por isso, usa protetores auriculares em lugares muito barulhentos ou óculos de sol em áreas com alta incidência de luz. Mas não só isso, passou a se aprofundar no tema e atender pacientes com TEA, algo que não fazia no passado.

Hoje, um de seus objetivos é poder construir e dialogar sobre os caminhos a serem trilhados por pessoas no espectro, apesar do capacitismo. “Quando a gente está passando por fases da vida, especialmente a adolescência, há uma série de dúvidas sobre o amor, por exemplo, um tema que precisa ser tratado com respeito e responsabilidade. Quando o paciente não percebe uma acolhida, isso pode ser muito violento e doloroso, além de produzir sofrimento”, ressalta. 

Alexandre Valverde está sentado em um sofá verde com uma parede azul marinho aod fundos e vários quadros na parede. Ele tem pele branca, usa camisa de manga comprida na cor rosa e sorri para a foto. Tem cabelos lisos e grisalhos. Foto: Arquivo pessoal/Alexandre Valverde

O Cordão de Girassol ajuda na visibilidade e no reconhecimento

Ainda pouco usado no Brasil, o cordão de girassol é uma ferramenta internacional para o reconhecimento de pessoas com doenças, com deficiências ou com transtornos não aparentes. Essa faixa verde com o desenho de girassóis funciona como um cartão de visitas ou um sinalizador de que a pessoa precisa de atendimento preferencial ou acompanhamento especial. Um jeito delicado de pedir mais empatia.

Recentemente, o Projeto de Lei (PL) 5486/2020, que formaliza o uso da ‘fita de girassóis’ como símbolo de identificação de pessoas com deficiências ocultas, recebeu a sanção do vice-presidente Geraldo Alckmin. Proposto pelo deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM), o projeto tem como objetivo formalizar o símbolo conhecido como “cordão girassol”. Importante destacar que o uso da fita é facultativo, e o acesso aos direitos desse grupo não é condicionado à utilização do acessório.

O “cordão girassol” se caracteriza pela cor verde, com estampa de girassóis na tonalidade amarela. Sua finalidade é facilitar a rotina dessas pessoas, proporcionando suporte e assegurando o respeito aos direitos que necessitam, como atendimento prioritário ou assistência em emergências.

Mulher usa moletom cinza com cordão verde e girassois ao redor sinalizando deficiências invisíveis. iStock/Carolina Jaramillo

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