Como lidar com o medo da rejeição
Como cuidar para que o medo do abandono não devore nossos desejos e nossas relações, levando embora o potencial das oportunidades da vida
Comecei a trabalhar em um projeto novo há alguns dias. Sou jornalista freelancer desde 2017 e isso, por si só, já carrega um tanto de incerteza, mesmo sendo o caminho que escolhi.
Somado a isso, sempre tive muito medo quando começo algo novo. É uma característica que tenho desde muito cedo, um receio de dar tudo errado, sabe? E, com o passar do tempo e dos nãos que fui colecionando durante a vida, essa sensação parece ter aumentado.
Dessa vez, com o trabalho, não foi diferente. Logo nas primeiras tarefas, o frio na barriga e a incerteza dos inícios quase me fizeram desistir. Vivi alguns dias de nervosismo, apagando e reescrevendo textos, achando tudo muito ruim. Mas persisti.
Coloquei na minha cabeça que, se me chamaram para participar desse projeto, é porque eu tinha capacidade, sim. E, todas as vezes que o medo batia na minha porta, eu me lembrava desse pensamento. Aos poucos, a rejeição foi cedendo espaço para um acolhimento, e tudo ficou mais leve.
Por que sentimos medo da rejeição?
O medo da rejeição parece um bichinho que corrói a gente por dentro e vai crescendo quando o alimentamos com nossas inseguranças. Já grande e bem alimentado, ele é capaz de paralisar nossas ações e tirar de nós oportunidades bonitas de aprendizado e evolução.
Mas por que a gente sente esse medo? De onde ele vem e por que, às vezes, ele passa tanto tempo conosco? Em busca de respostas, conversei com a terapeuta floral Ignis Marques. Segundo ela, existem estudos para comprovar o surgimento desse medo quando ainda nem nascemos, na fase intrauterina.
“Mas vamos focar mais no que vem depois do nascimento, quando esse medo pode se formar a partir da relação com os pais ou com pessoas que vão nos dando diretrizes na primeira infância ou até mesmo na adolescência”, explicou Ignis.
No meu caso, o medo de ser rejeitada no novo trabalho veio das vivências e experiências que me encontraram enquanto eu ainda trabalhava em grandes empresas. A voz de uma pessoa me dizendo que eu não sabia escrever parece ecoar dentro de mim até hoje. E minha resposta é a persistência.
Como o medo da rejeição se estabelece (e a gente nem vê)
O medo da rejeição pode fazer com que não nos sintamos bons o bastante para um determinado projeto ou relacionamento
A Ignis me contou também que, embora o medo da rejeição possa começar bem cedo, ele costuma ter reflexos por toda a nossa vida, interferindo em vários tipos de relações, desde amizades até relacionamentos afetivos.
“Ele normalmente se apresenta como uma sensação de fracasso, de não se sentir amado. Até mesmo o ciúme pode ser reflexo de um medo de rejeição”, completou Ignis.
Desse jeito, como um mecanismo de defesa, vamos criando pequenas barreiras entre a gente e as outras pessoas. E esses obstáculos nos impedem de viver relações mais próximas, profundas e verdadeiras.
Ficamos sempre com receio de nos aproximar dos outros, de dizer isso ou aquilo, porque, na maioria das vezes, tememos ser rejeitados por ser quem somos.
E a crença, baseada em nossas vivências anteriores, de que não vamos alcançar uma espécie de felicidade desejada nas relações, nos faz criar pequenos bloqueios – muitas vezes, sem que a gente perceba ou se dê conta.
De forma inconsciente, escutamos primeiro a voz do medo e nos paralisamos diante das mais diversas situações. “A pessoa se isola e tende a não se abrir ao próximo. E isso pode acontecer também por alguma expectativa criada em torno de uma situação”, explicou Ignis.
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Quando o medo da rejeição faz parte da rotina
Essa sensação se estende não só pelas relações amorosas. Ela dá um jeito de aparecer também nas coisas mais simples do nosso cotidiano; com colegas de trabalho, amigos, familiares ou pessoas que acabamos de conhecer, por exemplo.
O medo de ser rejeitado pode ser tão grande que chegamos ao ponto de nos privar de estreitar esses laços e de escrever novas histórias, até muito mais bonitas do que aquelas vividas anteriormente.
Mas, a partir do momento em que compreendemos a não existência de um padrão guiando nossas relações, fica mais fácil acreditar que cada experiência é única.
Aquilo que aconteceu lá atrás deve servir como aprendizado, e não como um cancelamento de nossas ações diante de experiências novas.
“Tenho a impressão de que tudo que é novo, ou que não temos certeza do resultado, pode trazer o medo da possibilidade de uma rejeição. Acho que ela, de alguma forma, nos dá a sensação de não sermos bons o suficiente para pertencer”, me disse a Priscilla Almeida.
Ela é escritora e facilitadora de dois projetos de acolhimento emocional: o Amparar, Lapidar e Inspirar e também o Soltar. Há três anos, Priscilla saiu do Brasil e se mudou com o marido e os dois filhos para o Canadá.
Lá, diante de todas as coisas novas, e principalmente das tantas diferenças entre culturas, por vários momentos ela se deparou com receios provocados por tantas mudanças.
“Quando cheguei aqui, conheci uma paulista que já fazia parte de um grupo de brasileiras e me chamou para um dos encontros delas para que eu pudesse conhecer outras pessoas”, me contou.
Aceitar as diferenças é chave para superar o medo
A timidez, no entanto, fez com que ela demorasse mais a se enturmar e naquele primeiro dia ela não se sentiu confortável em estar entre aquelas pessoas.
Logo o medo da rejeição encontrou um espacinho para se alojar no seu coração e dar os primeiros sinais de sua presença. “O desconforto foi tão grande que eu precisava sair dali. E meu primeiro pensamento foi buscar o que eu poderia fazer para mudar o meu jeito e ser mais atrativa”, relembra.
Depois de muito remoer por dentro o acontecido, Priscilla parou, olhou para a situação com mais calma e distância e, aos poucos, o volume da voz da rejeição foi ficando mais baixinho. Assim, compreendeu que não havia nada de errado com ela, apenas diferenças tão comuns entre as pessoas.
Às vezes, elas servem para aproximar; outras, para afastar. E tudo bem. É o ciclo da vida. “Percebi que o problema não era a rejeição em si, mas a minha identificação com aquela situação e o quanto eu a alimentava”, explicou Priscilla.
O tempo cura
Pois é muito importante essa decisão que Priscilla tomou de esperar pela passagem do tempo e se distanciar das situações para olhá-las com mais calma e menos julgamentos.
É a partir daí que temos a chance de compreender por que algumas coisas nos afetam mais do que outras. E é também, como a Ignis apontou, uma oportunidade para nos conhecermos melhor.
“No campo de vista do autoconhecimento, esse medo pode ter um lado bom. Quando há essa tomada de consciência dos desafios que ele nos impõe e então buscamos solucionar isso da melhor forma, ele se torna algo positivo em nossa jornada”, diz Priscilla.
Não quer dizer que vamos abraçá- lo e seguir em harmonia ao lado dele e de todas as dores que ele nos traz. Mas, a partir do momento em que entendemos suas origens e como ele nos afeta, podemos aprender com esse medo e tratar suas causas pela raiz. “Quando você está no processo de autoconhecimento, vai encontrar desertos dentro de você. E isso é muito positivo do ponto de vista da cura.”
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