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Aprenda a rematernar as suas feridas emocionais
William Farlow | Unsplash
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É durante os primeiros estágios das nossas vidas que aprendemos (ou não) a processar emoções e a validar quem somos. Saber disso, ajuda-o a compreender que as crenças que desenvolveu na infância condicionam fortemente os seus conceitos sobre si e o mundo. Sei que nem sempre é confortável revisitar a própria história. Mas evitar entrar em contacto com as dores do próprio crescimento, fá-lo-á viver a vida adulta, preso num estado de consciência infantil.

Todos nós temos uma criança ferida dentro de nós?

É comum associarmos a infância a um doce período de inocência que não retorna mais. Acontece que, para a grande maioria de nós, ele não é assim tão longínquo quanto parece. Para além disso, crescer pode ser uma experiência emocionalmente avassaladora. A dependência física e emocional característica dos primeiros anos de vida, leva as crianças a encontrarem os seus próprios mecanismos de adaptação.

Por exemplo: para se sentirem aceitos, alguns de nós aprendem que “não podem errar e precisam fazer tudo de forma perfeita”. Outras pessoas, acreditam que para se sentir com valor, precisam ser fortes e engolir o choro. Já outras, torna-se agradáveis demais, evitando conflitos e preferindo trocar a sua autenticidade por aprovação. Em qualquer um dos casos, há feridas emocionais que ficam dessa época e que retornam nas interações adultas sob a forma de crenças. “Só terei valor se…” (complete a frase com a sua própria neurose…).

Dor emocional faz parte

Mas não são só infâncias ruins que geram dores emocionais. Quer por desamparo real, quer por maturidade cognitiva insuficiente, toda a criança vivencia, em algum momento, dor emocional. Faz parte. Imagine: você bebezinho, dormindo no berço quando, de repente, o vizinho chega distraído e bate com o carro no portão da garagem. Você houve o barulho, acorda assustado e… se percebe sozinho. Chora de terror bem na hora que a sua mãe tinha ido ao banheiro e acaba demorando mais dois minutos para o pegar. Pronto. Em alguns casos, isso poderia ser o suficiente para gerar uma ansiedade quanto à possibilidade de abandono. Somando essa a outras experiências futuras, a criança poderá desenvolver uma crença de que ‘’o mundo não é confiável’’. Por sua vez, essa convicção pode fazer-nos evitar ou sabotar relacionamentos, sem nunca percebermos o que ‘’estamos fazendo de errado’’.

Ao perceber isso, muitos adultos caem na armadilha de querer que os seus pais “terminem” o trabalho que consideram ser deles. Isto fica visível quando criticamos os nossos pais pelas suas condutas e escolhas. Também é comum projetarmos e repetirmos os mesmos padrões de carência noutros relacionamentos, numa tentativa inconsciente de “corrigir” o passado. Curiosamente, quem passa a sua adultez procurando viver totalmente ao contrário dos seus progenitores também permanece preso às suas feridas. É como querer caminhar em frente, sem parar de olhar para trás.

Novos Comportamentos para Velhas Dores

mulher caminhando na natureza

“Reparenting é o processo de dar a si mesmo o que não recebeu quando era criança” Crédito: Emma Simpson | Unsplash

A maioria das pessoas busca ajuda terapêutica para resolver problemas relacionais, hábitos destrutivos (como perfeccionismo ou auto-sabotagem) ou sentimentos generalizados de baixa autoestima. Cada um desses problemas manifesta-se de maneira diferente, mas todos têm algo em comum: um comportamento condicionado, praticado desde a infância.

Alguns de vocês podem estar pensando “mas a minha infância acabou, não há razão para voltar lá”. Ou “se a minha infância foi onde aprendi a maioria dos meus mecanismos de defesa, então estou destinado ao fracasso.”

Tendemos a ser protetores e defensivos em relação à nossa experiência infantil. A verdade é que, quando adultos, temos uma oportunidade única de reconstruir a nossa autoestima, escolhendo conscientemente novos comportamentos para curar velhas dores.

Afinal, o que é o Reparenting?

Reparenting é o processo de dar a si mesmo o que não recebeu quando era criança. Quando você se responsabiliza por cuidar das suas dores, você dá à sua criança interior o que eventualmente não recebeu. Seja afeto, aceitação, confiança, proteção ou encorajamento. Quando ensinamos a nossa criança interna a lidar com a frustração, a tristeza ou o medo, damos-lhe recursos para melhor se posicionar na vida.

Agora veja: entrar num processo de autoresgate, não significa culpar os seus pais pelo que não recebeu. Reparenting não significa nada sobre quem eles eram como pessoas. Ou o quanto eles te amavam.

Por isso é que esse processo se inicia com a tomada de consciência de que fizeram o melhor que podiam. Hoje é você que precisa cuidar das suas feridas e buracos emocionais. Sim, eles falharam em alguns aspetos da sua educação. Sim, eles podem ter feito você sentir que nunca foi bom o suficiente. E é óbvio que poderiam ter encontrado outra forma de lidar com seus próprios problemas, em vez de projetá-los em você.

Eu sei que dói, mas seja corajoso o suficiente para saber que hoje, pode e deve escolher o que fazer com isso.

Qualquer um pode iniciar o processo de se oferecer os cuidados afetivos necessários. Ainda que isso leve tempo, comprometimento e paciência. Não há cuidados imediatos nem fórmulas mágicas. Exigirá que o seu adulto esteja presente todos os dias para a sua criança interna. Quer aprender a fazê-lo?


6 passos para aprender a cuidar da sua criança interior

Você provavelmente está pensando “Entendi, mas como exatamente faço isso?” e a resposta é: tornando-se o pai que a sua criança interna precisa, através de ações reparadoras, como:

1 | Validar os seus sentimentos e emoções em vez de julgá-los.

Sim essa é a primeira etapa. Para que a nossa criança interna confie no nosso adulto ela precisa ser recebida num lugar seguro. Isso significa dar-se permissão para sentir o que está a sentir. Não importa se é ridículo, intenso ou desagradável. Lembre-se: sentir não é o problema. O problema é a nossa relação com as nossas emoções e aquilo que fazemos com elas.

2 | Usar uma pergunta que o conecte com o seu sentir.

Sugiro: “O que posso me dar agora?” Esse é um mantra que uso com frequência. Quando crianças, nem sempre recebíamos o que precisávamos. Como adultos, temos a oportunidade de acolher as nossas necessidades, de as validar e de as preencher. Quando sentir emoções fortes, faça essa pergunta. Às vezes, a resposta é “um banho quente”. Outras vezes, é um pedido para se desconectar das redes sociais ou para apanhar sol por 10 minutos. Se ao começar a fazer essa pergunta se sentir confuso ou não houver resposta, não há problema. Continue perguntando. É uma prática de conexão. Se você permanecer comprometido, começará a obter respostas.

3 | Aprender a ser gentil consigo mesmo.

É comum internalizarmos discursos mais autoritários, repressivos ou limitantes como forma de lidar com os desafios da vida. Acreditamos que precisamos obrigar-nos a ser adultos, com dor, suor e lágrimas. No entanto, diversos estudos ajudam-nos a comprovar precisamente o contrário: um discurso mais gentil e compassivo é muito mais mobilizador e construtivo. Aprenda a tratar-se de forma afetiva e respeitosa.

4 | Priorizar a sua saúde mental e emocional, em vez de se preocupar em agradar a todos.

Esse é um passo fundamental na hora de aprender a cuidar de si mesmo. Ensinar a nossa criança interna a viver a partir da sua autenticidade é mostrar-lhe que o valor dela não depende da aprovação externa. O mesmo é válido quando precisamos desapegar da perfeição e cuidar dos nossos próprios limites. Redefinir a forma como se relaciona com o erro e a desaprovação é fundamental para que a sua autoestima não dependa exclusivamente das reações alheias.

5 | Comemorar as suas conquistas (mesmo as mais pequenas).

A nossa criança interna alimenta-se da nossa alegria e dos momentos em que nos divertimos. Ela está presente quando mergulhamos profundamente numa tarefa que amamos fazer. E quando nos conectamos com aqueles que nos fazem olhar para nós mesmos com carinho e compreensão. Isso significa que é importante comemorar a vida, estando inteiramente presente nos momentos que nos provocam prazer, alegria e fruição.

6 | Desenvolver uma disciplina compassiva.

Estar presente para as nossas necessidades não significa ser condescendente ou fazer só o que temos vontade. Significa antes, acolher a sua frustração e ensinar a sua criança interna a adiar certas gratificações, mostrando-lhe que a resiliência emocional é como um músculo. É treinada na prática, com a grau de tensão certo e adequado. Aos poucos, perceberá como a sua criança confia em si para a orientar.


Exercícios de compaixão

Dependendo da sua biografia emocional (experiências e referências da sua infância), alguns desses passos serão mais difíceis do que outros. Para certas pessoas, o autocuidado será o verdadeiro desafio, especialmente para quem aprendeu a desvalorizar a próprias necessidades em detrimento das demandas externas.

Para outras, a disciplina será o mais difícil: nenhuma parte sua quererá acordar cedo, fazer exercício físico ou cumprir tarefas aborrecidas. Outras pessoas terão dificuldade em se permitir ser espontâneas, em se autorizarem a viver com maior leveza, sem medo do ridículo. Outras, precisarão treinar a relação com as suas emoções, de forma a reduzir a reatividade ou repressão daquilo que sentem.

Amar-se a si mesmo

Em qualquer um dos casos, esse é sempre um processo de luto de uma parte sua que até hoje desejou que o passado tivesse sido diferente. Ao mesmo tempo, é um exercício de compaixão profunda com quem você é hoje e de compromisso com a vida que quer viver.

Com o tempo, você será capaz de se conectar mais consigo mesmo e criar sua própria identidade. Quando crianças, muitas vezes aprendemos a ser quem os adultos queriam que fossemos. Se quisermos experimentar a verdadeira alegria, paz e realização, temos que nos conhecer e nos apaixonar pelas nossas potências, virtudes e vulnerabilidades.

Não é fácil aprender a amar-se assim, mas as recompensas são infinitas — e a melhor é a sua liberdade. Então faça. Diga a si mesmo o quanto você ama cada um dos seus traços. Valerá a pena. Eu prometo.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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