É possível se adaptar a qualquer mudança?
Diante da mudança de cenários, é preciso saber se adaptar e conseguir encontrar caminhos criativos para ter uma vida com mais sentido.
Recentemente assisti mais uma vez ao filme Feitiço do Tempo, em que o egocêntrico e sarcástico repórter Phil Connors, interpretado pelo ator Bill Murray, é destinado a viver e reviver o mesmo dia (o Dia da Marmota) incontáveis vezes, até enfim se adaptar e voltar à sua vida normal.
Ao longo das repetições, Phil reage às mesmas situações de maneiras diferentes, começando de forma sarcástica e defensiva. Mas o dia volta a repetir, e ele começa a experimentar novas formas de se adaptar à situação, porém ainda reproduzindo e reforçando seu velho modo de pensar e agir.
Quando percebe que nada faz com que ele volte à sua rotina normal, ele comete suicídio, diversas vezes e de diferentes maneiras, já que o mesmo dia volta a repetir. Ou seja, Phil preferiu morrer do que mudar. Mas nem mesmo isso adiantou. Ele estava condenado a se transformar.
Até que Phill passa a encarar essa situação insuportavelmente previsível como oportunidade, já que não tinha mais nada a perder. Oportunidade de fazer coisas que sempre teve vontade e nunca fazia. De se relacionar com as pessoas de forma afetuosa.
Oportunidade de se arriscar para ajudar o próximo. De se dedicar a algo até alcançar a excelência, como tocar piano. No entanto, para chegar a esse ponto ele precisou se matar, diversas vezes.
Preencha-se de coragem para se adaptar
Como atravessar essa fronteira, que vive dentro de todos nós de alguma maneira, para, ao invés de resistir e querer perpetuar o status quo, abraçar as segundas, terceiras, quartas chances que a vida nos dá de fazer diferente, de exercer nossa humanidade, de fazer uso de nossa coragem existencial?
Ou seja, criar coragem de existir, de ser quem somos, o que, segundo o filósofo alemão Nietzsche, é o grande objetivo da vida humana. Mas como assim?
A coragem existencial é um poderoso conceito desenvolvido pelo psicólogo, professor e pesquisador Salvatore Maddi, fundador do The Hardiness Institute.
O conceito foi inspirado por um profundo estudo sobre a capacidade de adaptação de um grupo de pessoas — funcionários de um grande grupo de telecomunicações nos Estados Unidos nos anos 70 (a Illinois Bell Telephone, IBT), quando o setor vivia mudanças profundas como a alteração do marco regulatório e o avanço tecnológico.
De modo geral, a maioria das pessoas acompanhadas pelo estudo teve grandes dificuldades de adaptação às mudanças, afetando negativamente suas relações, sua saúde física e emocional, dentre outras consequências.
No entanto, um terço desse grupo reagiu de forma extremamente positiva e construtiva às transformações, prosperando e se reinventando apesar das circunstâncias.
Segundo os pesquisadores, o que diferenciou esse grupo dos demais foi a coragem existencial, composta de atitudes como o engajamento e protagonismo em relação aos acontecimentos ao invés da negação ou passividade.
E acima de tudo, apresentam uma mentalidade desafiadora, que os ajuda a enxergar processos complexos de mudanças — sejam positivas ou negativas — como oportunidades de aprendizado e crescimento pessoal.
A única constante é a mudança
O que temos a aprender com isso? Primeiro, que a única constante é a mudança. Sendo assim, como usá-la para o nosso florescimento ao invés de combatê-la? Basta observarmos o céu — ora azul, ora encoberto, ora ensolarado, ora chuvoso. E nenhum desses estados é permanente.
Tudo passa. Assim como a tristeza, a decepção, a falta de dinheiro, a dor da separação. Assim como a alegria, o sucesso, as melhores conquistas.
Com isso em mente, passei a me auto-observar, e em inúmeras situações me surpreendi com uma curiosa contradição. Ao mesmo tempo em que resisto, me energizo com a possibilidade de mudança.
Um exemplo disso é quando estou prestes a viajar. De repente, sinto-me mais apegada à minha casa, minhas coisas, minha rotina previsível. Mas, ao mesmo tempo, há um chamado por aventura, que desperta dentro de mim grande curiosidade e vontade de partir.
Dentre outras situações cotidianas que revelam essa contradição — e que talvez nos ajudem a compreender por que é tão difícil adotar essa mentalidade aberta, corajosa e predisposta às mudanças.
Leia mais
– Em busca de novos hábitos: pequenas mudanças podem transformar sua rotina
– Mudanças a caminho: 7 passos para uma vida com propósito
– A arte de encarar mudanças de peito aberto
O que nos faz resistir à nos adaptar?
Essa é uma boa pergunta. Talvez nossa herança evolucionária, pois praticamente até a Revolução Industrial as mudanças eram muito lentas. E, quando aconteciam, vinham de forma mais visível: em geral, eram provocadas por acontecimentos dramáticos ou trágicos, como guerras, epidemias, enchentes e fome.
Mas há motivos para acreditarmos no lado positivo das mudanças. Caso elas não tivessem acontecido, talvez ainda estivéssemos vivendo sob regimes escravagistas, ou submetidos a trabalhos braçais e sem senso de propósito.
E o fato de ainda existir muito a ser feito nos traz esperança de que mudanças podem transformar o mundo, começando por cada um de nós.
Abraçar essas modificações exige de cada um de nós confiança em nosso poder de transformação, e também uma boa dose de autoconfiança, que nos leva à ousadia e criatividade, uma das grandes fontes de significado para o ser humano.
Um exercício bem simples que pode ajudar é, ao invés de dizer imediatamente “não”, acolher o que chega com curiosidade e construir a partir disso. Dizer “não” é fácil e cômodo. Por outro lado, não saímos do lugar-comum, como mostra o filme Feitiço do Tempo de forma brilhante.
Adaptabilidade: a capacidade de lidar com mudanças
A capacidade de lidar com as mudanças de forma construtiva, encarando-as como oportunidades de aprendizado e crescimento, é a habilidade emocional chamada adaptabilidade.
Já dizia o pesquisador Charles Darwin que não sobrevivem os mais fortes, mas sim os que melhor se adaptam ao meio. Em tempos de Quarta Revolução Industrial fala-se o mesmo.
Aquele que melhor se adaptar às novas condições de vida e mercado, diante dos avanços tecnológicos sem precedentes, é que encontrará seu espaço criativo e portanto de pertencimento, outra das buscas fundamentais do ser humano
Na The School of Life, ministro um workshop sobre adaptabilidade em que exploramos essa habilidade de inúmeras maneiras, provocando uma quebra desse estigma associado ao potencial ameaçador das mudanças.
Se não podemos parar o mundo, podemos trabalhar em nós a forma de nos relacionarmos com as mudanças, passando a encarar as transformações de forma menos misteriosa e como fonte de crescimento.
E assim, de repente, nos daremos conta de que a vida que não se transforma não vale a pena ser vivida. E você, o que faria diferente se o dia de hoje se repetisse amanhã?
Sobre a série Dilemas
A Série Dilemas é uma parceria entre a revista Vida Simples e a The School of Life e traz artigos assinados por professores da chamada “Escola da Vida”. A série tem como objetivo nos ajudar a entender nossos medos mais frequentes, angústias cotidianas e dificuldades para lidar com os percalços da vida.
A The School of Life explora questões fundamentais da vida em torno de temas como trabalho, amor, sociedade, família, cultura e autoconhecimento. Foi fundada em Londres, em 2008, e chegou por aqui em 2013. Atualmente, há aulas regulares em São Paulo. Para saber mais: theschooloflife.com/saopaulo
Mônica Barroso é professora, facilitadora, coach e curadora de programas da The School of Life Brasil, onde realiza seu propósito de apoiar pessoas, grupos e organizações em sua aventura de se modificar, transformar, sempre. Mônica dá, entre outras aulas, a de adaptabilidade.
Mais da Série Dilemas
– Como é possível lidar com o fracasso?
– Insegurança: Como ter mais confiança em si mesmo
– Como encontrar em nós nossa melhor companhia?
Conteúdo publicado originalmente na Edição 198 da Vida Simples
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