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    O que arte e propósito têm a ver entre si?
    Jonathan Kho Ming Jun
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    O saber artístico é múltiplo, diverso e carregado de marcas pessoais, políticas, espirituais, que mesclam valores, princípios e conhecimentos apreendidos ao longo dos anos. A arte é tão importante nas nossas vidas que acompanha a humanidade há milênios. Seja por meio da música, da ilustração, do cinema ou da poesia, ela está permeada em cada passo que damos em direção ao nosso processo de autoconhecimento e de significação com o mundo.

    É na arte também que muitas pessoas se descobrem, encontram seu propósito de vida, aquilo que amam, um hobby ou até mesmo um trabalho, afinal, arte gera valor e renda para quem a produz. São muitas histórias tecidas nessa colcha de retalhos com diferentes cores, trajetórias, lugares e experiências, e aqui decidimos trazer três vivências, que podem nos inspirar e relembrar a importância da arte e da criatividade no mundo.

     

    Várias mãos em um mesmo desenho

    Glaucus Noia é um artista experimental que já trabalhou com (quase) tudo que envolve ilustração e desenho, desde HQs até storyboards para o cinema. Nascido na periferia de São Paulo, Noia conta que sempre foi muito criativo e pouco envolvido com questões mais “duras” do mundo escolar. Concentrar-se nas aulas e sentar-se para ler um livro era sempre uma tarefa difícil.

    Inspirado pela mãe, o incentivo à arte sempre esteve muito presente na sua vida, especialmente o desenho. Criatividade não faltava, já que sua mãe, que trabalhou como manequim durante um tempo, usava o que ganhava – maquiagens e outros cosméticos – para trabalhar com arte, “minha mãe usava os cosméticos, sombras, rímel e caneta para desenhar em papel. Ela entalhava em madeiras que encontrava tambem, (com formões feitos pelo irmão artesão/hippie), e usava gilete, pregos, e se entende como artista autodidata, mãe e dona de casa”, explica Glaucus.

    Ainda assim, Noia pouco se percebia artista, a não ser quando sua professora de literatura de nome Marlete o incentivou a seguir na área quando tinha por volta de 11 anos e o levou para o primeiro curso de desenho e produção de fanzines (uma espécie de revista com produção simplificada).

    Para ele, o encontro foi um divisor de águas, e desde então não parou, “eu não consigo me ver fazendo mais nada da vida, na verdade“, conta. Formado em Histórias em Quadrinhos na segunda turma do curso de Fábrica de Quadrinhos e em ilustração pela Quanta Academia de Arte, hoje o artista vive em Itaporanga, um pequeno vilarejo no sul da Bahia, onde mantém um ateliê.

    Mas “viver da arte” nunca foi algo tão simples para ele, que buscava enxergar as potencialidades, a liberdade e o poder criativo da área. Noia avaliava que associar a arte ao seu modo de “ganhar a vida” era podar um pouco da criatividade artística dele, “eu achava que em algum momento isso iria se tornar decisivo nas escolhas artísticas e eu não queria que isso fosse corrompido por uma questão financeira, de mercado”, justifica.

    E foi nesse percurso que o ilustrador foi criando pseudônimos, segundo ele, por duas questões. Primeiro porque foi aprendendo diferentes traços e estilos de desenho, segundo, porque não gostaria de fixar a identidade de um artista em suas obras. É claro que isso tem suas desvantagens diante de um mercado competitivo e que visa um certo reconhecimento público, mas na época foi a forma mais segura de preservar os valores e princípios que acredita.

    Em 20 anos, Glaucus Noia já ilustrou para a moda, fez storyboard para cinema, trabalhou em agências de publicidade e fez desenhos para livros infantis. Chegou a criar o Xicara Estúdio – um bar-estúdio e residência artística, que existiu de 2004 a 2012 na praia do Espelho (Bahia) -, dedicado à arte. Hoje, além dos seus estudos focados na filosofia, poesia, ética e estética, também volta para o mercado de desenho e ilustração, usando não só sua criatividade com os desenhos manuais, mas também investindo no mundo das ilustrações digitais.

     

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    Incomodado com os rumos da sociedade, Noia espera que o mundo possa ser mais voltado à criação e à imaginação, além da própria qualidade de ouvir o outro e o meio ao nosso redor.

    “A qualidade que mais nos falta é a da escuta. Isso me parece que vai forjar um mundo muito pautado pelo medo do outro, por uma defesa, então parece que estamos o tempo todo nos defendendo e isso nos dá pouco espaço de escuta”, conclui.

     

    Sketchbooks sanfonados produzidos por Noia, que reúnem diferentes traços e técnicas. Foto: Arquivo pessoal

     

    Transformação a partir da produção de mandalas

    As mandalas possuem em sua essência um aspecto afetivo, por vezes espiritual e muito voltado à transmissão de energias e conexão consigo mesmo e com o mundo. Além de poder ser um objeto decorativo, ela também assume um aspecto mobilizador, que afeta as emoções, o cotidiano e a vida não só de quem trabalha com a produção de mandalas, mas também com as pessoas que adquirem esse tipo de arte.

    E foi na produção de mandalas que Mauro Mondine, um professor de artes visuais na cidade de Campo Grande (MS) se encontrou. Formado em 2018, o artista se especializou na área de arteterapia e passou a entender os processos artísticos e transformadores contidos ali.

    Na arteterapia a gente é voltado para o nós, para quem eu sou enquanto ser humano”, explica Mauro. “Pude entender os meus processos e me conhecer, me apropriar de mim mesmo, de quem eu sou”, acrescenta.

    E foi na pandemia, de forma despretensiosa, que a produção de mandalas chegou até a sua vida como um processo de cura e autoconhecimento. Depois da pós-graduação em arteterapia, o artista decidiu fazer um curso de produção de mandalas com um grupo do Rio Grande do Sul, onde se especializou na técnica de pontilhismo e divulgou nas redes sociais o que estava sendo produzido naquele período. O que ele não esperava era que seus seguidores iriam se interessar pelas suas produções e passariam a solicitar orçamento, transformando o que nasceu como um hobby em um trabalho, que hoje é uma das suas fontes de sustento.

    Diferente de outros produtos artísticos, a produção das mandalas vai se mesclando em processos intuitivos e muito livres com relação à criatividade. Embora tenham peças que sejam solicitadas por encomenda, outras são feitas de acordo com o que ele está sentindo no momento, podendo colocar suas emoções, valores e princípios naquela obra. É nesse sentido também que o trabalho de Mauro vai ganhando originalidade, já que o artista destaca que as mandalas produzidas carregam sentidos filosóficos e políticos que norteiam o pensamento dele.

    Arte é para alguém ver, essas energias que vêm até mim eu passo para as mandalas, são portais energéticos“, explica Mondine.

    Ele explica que tudo tem um propósito nas mandalas, inclusive as cores utilizadas e a maneira como são distribuídas nos espaços, é um processo que parte de dentro para fora e que se expande para o mundo por meio da circulação entre as pessoas.

     

    Foto: Arquivo pessoal

     

    Quarentena de Sentimentos

    Poesia também é arte. Escrito durante a pandemia da Covid-19, Quarentena de Sentimentos retrata, por meio de um compilado de poemas, os sentimentos e emoções que surgiram durante o isolamento pandêmico. Para Esther Pinheiro, autora do livro, desde criança o contato com a poesia foi presente em sua vida, tanto sozinha como na leitura compartilhada, e se intensificou em 2020, quando transpôs suas emoções em pequenos poemas que posteriormente se transformaram nessa obra.

    “Eu estava com emoções intensas e precisava de algo para extravasar e sempre gostei de escrever”, explica. Ela conta que foi importante para lidar com os efeitos psicológicos da pandemia e para encontrar um espaço de acolhimento em meio à tanta turbulência.

    Influenciada por uma família de artistas, especialmente os avós, a jovem de Goiânia tem a arte como essencial no seu desenvolvimento artístico e de criação, especialmente a música.

    Esse processo foi essencial, de extravasar meus sentimentos, foi uma questão de me sentir mais livre, de retornar para mim mesma“, explica a autora.

    Foto: Reprodução

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