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O bichinho da rejeição
Maria Teneva | Unsplash
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Como cuidar para que o medo do abandono não devore nossos desejos e nossas relações, levando embora o potencial das oportunidades da vida.

Comecei a trabalhar em um projeto novo há alguns dias. Sou jornalista freelancer desde 2017 e isso, por si só, já carrega um tanto de incerteza, mesmo sendo o caminho que escolhi. Somado a isso, sempre tive muito medo quando começo algo novo. É uma característica que tenho desde muito cedo, um receio de dar tudo errado, sabe? E, com o passar do tempo e dos nãos que fui colecionando durante a vida, essa sensação parece ter aumentado.

Dessa vez, com o trabalho, não foi diferente. Logo nas primeiras tarefas, o frio na barriga e a incerteza dos inícios quase me fizeram desistir. Vivi alguns dias de nervosismo, apagando e reescrevendo textos, achando tudo muito ruim. Mas persisti. Coloquei na minha cabeça que, se me chamaram para participar desse projeto, é porque eu tinha capacidade, sim. E, todas as vezes que o medo batia na minha porta, eu me lembrava desse pensamento. Aos poucos, a rejeição foi cedendo espaço para um acolhimento, e tudo ficou mais leve.

Desde cedo

O medo da rejeição parece um bichinho que corrói a gente por dentro e vai crescendo quando o alimentamos com nossas inseguranças. Já grande e bem alimentado, ele é capaz de paralisar nossas ações e tirar de nós oportunidades bonitas de aprendizado e evolução. Mas por que a gente sente esse medo? De onde ele vem e por que, às vezes, ele passa tanto tempo conosco? Em busca de respostas, conversei com a terapeuta floral Ignis Marques. Segundo ela, existem estudos para comprovar o surgimento desse medo quando ainda nem nascemos, na fase intrauterina.

“Mas vamos focar mais no que vem depois do nascimento, quando esse medo pode se formar a partir da relação com os pais ou com pessoas que vão nos dando diretrizes na primeira infância ou até mesmo na adolescência”, explicou Ignis. No meu caso, o medo de ser rejeitada no novo trabalho veio das vivências e experiências que me encontraram enquanto eu ainda trabalhava em grandes empresas. A voz de uma pessoa me dizendo que eu não sabia escrever parece ecoar dentro de mim até hoje. E minha resposta é a persistência.

O bichinho, o medo e nossas relações

A Ignis me contou também que, embora o medo da rejeição possa começar bem cedo, ele costuma ter reflexos por toda a nossa vida, interferindo em vários tipos de relações, desde amizades até relacionamentos afetivos. “Ele normalmente se apresenta como uma sensação de fracasso, de não se sentir amado. Até mesmo o ciúme pode ser reflexo de um medo de rejeição”, completou Ignis. Desse jeito, como um mecanismo de defesa, vamos criando pequenas barreiras entre a gente e as outras pessoas. E esses obstáculos nos impedem de viver relações mais próximas, profundas e verdadeiras.

bichinho da rejeição Crédito: S Migaj | Unsplash

Ficamos sempre com receio de nos aproximar dos outros, de dizer isso ou aquilo, porque, na maioria das vezes, tememos ser rejeitados por ser quem somos. E a crença, baseada em nossas vivências anteriores, de que não vamos alcançar uma espécie de felicidade desejada nas relações, nos faz criar pequenos bloqueios – muitas vezes, sem que a gente perceba ou se dê conta. De forma inconsciente, escutamos primeiro a voz do medo e nos paralisamos diante das mais diversas situações. “A pessoa se isola e tende a não se abrir ao próximo. E isso pode acontecer também por alguma expectativa criada em torno de uma situação”, explicou Ignis.

A rejeição em nosso dia a dia

Essa sensação se estende não só pelas relações amorosas. Ela dá um jeito de aparecer também nas coisas mais simples do nosso cotidiano; com colegas de trabalho, amigos, familiares ou pessoas que acabamos de conhecer, por exemplo. O medo de ser rejeitado pode ser tão grande que chegamos ao ponto de nos privar de estreitar esses laços e de escrever novas histórias, até muito mais bonitas do que aquelas vividas anteriormente. Mas, a partir do momento em que compreendemos a não existência de um padrão guiando nossas relações, fica mais fácil acreditar que cada experiência é única. Aquilo que aconteceu lá atrás deve servir como aprendizado, e não como um cancelamento de nossas ações diante de experiências novas.

“Tenho a impressão de que tudo que é novo, ou que não temos certeza do resultado, pode trazer o medo da possibilidade de uma rejeição. Acho que ela, de alguma forma, nos dá a sensação de não sermos bons o suficiente para pertencer”, me disse a Priscilla Almeida. Ela é escritora e facilitadora de dois projetos de acolhimento emocional: o Amparar, Lapidar e Inspirar e também o Soltar. Há três anos, Priscilla saiu do Brasil e se mudou com o marido e os dois filhos para o Canadá. Lá, diante de todas as coisas novas, e principalmente das tantas diferenças entre culturas, por vários momentos ela se deparou com receios provocados por tantas mudanças. “Quando cheguei aqui, conheci uma paulista que já fazia parte de um grupo de brasileiras e me chamou para um dos encontros delas para que eu pudesse conhecer outras pessoas”, me contou.

Baixar o volume da rejeição

A timidez, no entanto, fez com que ela demorasse mais a se enturmar e naquele primeiro dia ela não se sentiu confortável em estar entre aquelas pessoas. Logo o medo encontrou um espacinho para se alojar no seu coração e dar os primeiros sinais de sua presença. “O desconforto foi tão grande que eu precisava sair dali. E meu primeiro pensamento foi buscar o que eu poderia fazer para mudar o meu jeito e ser mais atrativa”, relembra. Depois de muito remoer por dentro o acontecido, Priscilla parou, olhou para a situação com mais calma e distância e, aos poucos, o volume da voz da rejeição foi ficando mais baixinho. Assim, compreendeu que não havia nada de errado com ela, apenas diferenças tão comuns entre as pessoas.

bichinho da rejeição Billy Pasco | Unsplash

Às vezes, elas servem para aproximar; outras, para afastar. E tudo bem. É o ciclo da vida. “Percebi que o problema não era a rejeição em si, mas a minha identificação com aquela situação e o quanto eu a alimentava”, explicou Priscilla. Pois é muito importante essa decisão que Priscilla tomou de esperar pela passagem do tempo e se distanciar das situações para olhá-las com mais calma e menos julgamentos. É a partir daí que temos a chance de compreender por que algumas coisas nos afetam mais do que outras. E é também, como a Ignis apontou, uma oportunidade para nos conhecermos melhor.

“No campo de vista do autoconhecimento, esse medo pode ter um lado bom. Quando há essa tomada de consciência dos desafios que ele nos impõe e então buscamos solucionar isso da melhor forma, ele se torna algo positivo em nossa jornada”, diz Priscilla. Não quer dizer que vamos abraçá- lo e seguir em harmonia ao lado dele e de todas as dores que ele nos traz. Mas, a partir do momento em que entendemos suas origens e como ele nos afeta, podemos aprender com esse medo e tratar suas causas pela raiz. “Quando você está no processo de autoconhecimento, vai encontrar desertos dentro de você. E isso é muito positivo do ponto de vista da cura.”

Para todo mal, a cura

Priscilla me contou também que, para ela, essa cura veio primeiro por meio da escrita e da possibilidade de organizar no papel todas as confusões do lado de dentro. “É como se minhas mãos conseguissem extravasar o que eu ainda não conseguia falar a respeito”, pontuou. Em um segundo momento, o aprendizado em cursos e até mesmo algumas conversas com outras pessoas foram desempenhando esse acolhimento diante das emoções. “Somos generosos ao compartilhar nossas fragilidades, pois oferecemos o nosso olhar ao outro com o intuito de descobrir semelhanças, identificar pontos cegos ou apenas dar aquela sensação de ‘puxa, isso não acontece só comigo’.”

Hoje, ela faz um trabalho voluntário de acolher por meio da escuta jovens que vivem e convivem com o vírus HIV. “O que muitos comentaram foi sobre a percepção de uma rejeição envolvendo as diferenças. Rejeição da própria imagem, como se não fossemn bons o suficiente”, contou. Os padrões estabelecidos também são ferramentas prontas para que o medo se manifeste. Muitas vezes, nos sentimos diminuídos por não termos um corpo desse ou daquele jeito, por não sermos bem-sucedidos diante do olhar do outro, e assim vamos alimentando essa sensação de rejeição.

Para esse comportamento, Ignis recomenda o exercício do autoperdão. “É importante que a gente enxergue a realidade, identifique as dores e se perdoe. Perdoar-se é necessário para conseguir seguir em frente.” Entender de onde o medo vem e o porquê de ele existir dentro de nós também pode ser um bom caminho para encontrar um ponto de equilíbrio e conseguir transformá-lo em aprendizado. E, assim, enxergar com clareza e compreender que somos seres humanos normais, com nossos desafios e nossas dores. Desta forma, vamos aos poucos desconstruindo nossas inseguranças e criando um espaço de mais fortaleza e acolhimento dentro de nós.

Devagar, enfraquecemos o bichinho da rejeição e abrimos espaço para a coragem habitar nosso coração.Com menos medo e mais afeto.


DÉBORA GOMES trata seu bichinho da rejeição com uma dieta rigorosa, para evitar que ele cresça e se sinta confortável em permanecer.

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