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Olhos velhos, olhares novos
Seb Hamel | Unsplash
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Neste artigo:

De vez em quando, precisamos nos distanciar daquilo que nos é familiar para, então, nos reencontrarmos. Foi o que eu fiz. E confesso que esse artigo mudou algo em mim

Há alguns anos, escrevi um artigo por aqui, que viria a ser, algum tempo depois, o título de um livro: Um novo olhar. Ele discorre exatamente sobre o que o título sugere: que sempre podemos ver qualquer coisa de maneira nova, basta que a olhemos de um jeito diferente, por outro ângulo e, principalmente, com uma nova intenção.

O texto foi desenvolvido em torno de uma visita que fiz à Ópera de Paris, um impressionante espaço, projetado e construído em meados do século 19 pelo arquiteto francês Charles Garnier. Mas, afinal, qual a relação entre a Ópera e os novos olhares? Bem, acontece que o lugar tem várias histórias de novos olhares de muitos personagens. Foi olhando de modo criativo sua arquitetura, cheia de túneis e porões, que Gaston Leroux escreveu O Fantasma da Ópera. Foi com olhos de cineasta que o produtor americano Carl Laemmle levou a história para o cinema. E foi principalmente Andrew Lloyd Webber, o mago dos grandes espetáculos, que mudou o olhar sobre o monstro que rapta Cristine, transformando-o de vilão em herói apaixonado.

Confesso que esse artigo mudou algo em mim. A partir de então, comecei a praticar mais esse exercício de mudar o olhar sobre um fato qualquer. Pois estou experimentando de novo esse sentimento, e de maneira muito forte. Mudei de cidade, e essa mudança se transformou em um exercício cotidiano do olhar novo. Acontece que mudei para o local de onde eu tinha saído, há 20 anos. Em outras palavras, voltei para casa, e me dei conta que ela já não era mais a mesma, e eu também não era mais o mesmo. Depois de duas décadas em São Paulo, resolvi voltar para Curitiba, onde passei boa parte de minha vida. 

Um começo de volta à Curitiba

Na década de 1970, virei professor e nunca mais saí das salas de aula. Entre tantos alunos e professores com quem convivi, tive a sorte de ser colega de Paulo Leminski, o poeta que também era professor de história, tradutor e mestre em judô – além de gênio, claro. Depois de uma temporada experimentando a vida em São Paulo e Rio, Leminski voltou a Curitiba, para não sair mais, e de onde partiu com apenas 45 anos. Quando lhe perguntaram por que havia voltado, ele respondeu: “Pinheiro não se transplanta”. Me lembrei do polaco quando voltei a Curitiba. Me senti um pouco esse pinheiro que precisa do frio para viver e da gralha azul para se espalhar. Morei em São Paulo por duas décadas e aprendi a amar a pauliceia. Mas fixei minha base no planalto paranaense, com suas facilidades, parques, ruas largas, jeito interiorano agora com ar de metrópole. 

novos olhares

Crédito: Smartphone | Unsplash

E foi quando me dirigia com a Lu, minha esposa, para o Teatro Guaíra, que percebi que estava exercendo o novo olhar para valer. Quando passamos pela Praça Tiradentes, o marco central de Curitiba, meus olhos se dirigiram naturalmente para a Catedral Metropolitana, a Basílica Menor de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. Eu me criei passando por aquela praça. Não sei quantas vezes olhei para aquelas torres. Não me lembro das sensações que circularam em meu peito de criança e de jovem em todos aqueles anos. E não sei e não saberei. Mas sei o que agora senti, quando olhei para suas duas torres em estilo neogótico e seus vitrais. Achei a catedral belíssima como nunca antes. A nova iluminação ajudou, mas o importante era a igreja, com sua imponência e com as lembranças essencialmente emocionais que fervilharam em minha alma naquele instante.

Novos olhares

O novo olhar sobre a Catedral, sobre a Rua das Flores, o Parque Bariguí, o prédio da Universidade Federal, o estádio do meu time, na Baixada, agora uma arena moderna, é um olhar de surpresa, de admiração, de saudades e de gratidão. Mesmo tendo frequentado Curitiba por todos esses anos, não posso deixar de me surpreender com a cidade. Ela mudou para continuar sendo o que era antes – maravilhosa de seu jeito, orgulhosa de sua origem imigrante, simples em sua modernidade. “Deus dá a todos uma estrela. Às vezes, uns fazem da estrela um sol. Outros nem conseguem vê-la”, disse nossa poetisa, ucraniana como eu, Helena Kolody. A diferença não está na estrela, está no olhar. E o meu se aprimorou, enriqueceu-se, sobre a cidade da qual saí por tanto tempo, mas que nunca saiu de mim. 

Mas, aprendi que para mudar o olhar e valorizar o objeto observado, é necessário o distanciamento. Afastar-se aumenta o ângulo, aprimora o exame, rechaça o conceito prévio. O tempo nos ensina a não julgar, a amar com sinceridade, a perdoar, a acalmar os pensamentos e a colocar as coisas no lugar. Mas acho que esse distanciamento não precisa ser pelo tempo ou espaço. Pode ser, simplesmente, pela intenção do olhar. O piá curitibano voltou, diferente, para ser o mesmo. Afinal, como bem disse o polaco Leminski, “Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além”. Fui além e voltei ainda mais além, com um novo, e grato, olhar…


Eugenio Mussak foi morar em Curitiba, mas vive em São Paulo, e está sempre pelo Brasil, com suas palestras e seus textos. @eugeniomussak

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