O mal do pensamento positivo
Estamos completamente exaustos, no limite das forças, mas achamos que estamos no caminho certo
Há muito que se sabe que as pessoas que externam positividade são as que mais precisam dela. Longe de figurar na lista das contradições humanas, o comportamento está na categoria da autocura, o ensinamento de que se cultiva aquilo que se necessita. Mas depois de ler a Sociedade do Cansaço, obra do sul-coreano radicado na Alemanha, Byung-chul Han, entendi que o problema é muito mais grave.
Filósofo da sociedade moderna e um dos mais reconhecidos dissecadores dos males que acometem o homem, Han afirma que por conta da pressão do sistema econômico global focado em lucros crescentes, chegamos ao reino da competência e da alta performance. Uma condição que o filósofo chama de Sociedade do Desempenho. A alta performance está em todas as esferas e é visível nas nossas estruturas físicas: academias de fitness, edifícios inteligentes, bancos online, aeroportos sustentáveis, shopping centers e laboratórios de genética.
Porém, toda essa estrutura demanda alguém para sustentá-la. A sociedade do desempenho precisa de você para se manter de pé. Escolas técnicas e universidades formam trabalhadores, MBA´s treinam especialistas e uma máquina de marketing incentiva a caminhada para cima. Estamos no reino da positividade: há receitas para uma vida bem-sucedida; conselhos de gurus iluminados, palestras motivacionais; estímulos para o sucesso profissional.
As lições da autoajuda estão disseminadas em todo o globo. Sabemos o que é preciso ser feito. Temos de ser positivos, produtivos (competentes), empreendedores (pró-ativos), inovadores (criativos)… Ah! Mas não é muita coisa? Claro que não. Usamos apenas 20% da nossa capacidade cerebral, ainda podemos muito mais… A romantização do trabalho árduo e a sensação do dever cumprido fazem o resto. Estamos completamente exaustos, no limite das forças, mas achamos que estamos no caminho certo.
Ocorre que este ritmo está adoecendo o homem. E esta é a grande denúncia de Han. Para ele, todas as épocas têm seus males. Houve o tempo das doenças bacterianas, depois as virais. Com o desenvolvimento da ciência — a descoberta do sistema imunitário e os antibióticos — passou-se para a fase seguinte. Agora, século XXI, por conta do excesso de positivismo, no panorama patológico estão as doenças neuronais, como a depressão, o Alzheimer, o transtorno de deficit de atenção e hiperatividade, transtornos de personalidade (bipolaridade e borderline), anorexias, Síndrome de Burnout (estado físico, emocional e mental de exaustão extrema).
Para ele, o excesso de pensamento positivo — e a disposição para ver só o lado bom de tudo — está imputando ao homem males incuráveis. Não estamos mais diante da negatividade, de um agente agressor como um vírus ou uma bactéria. Não há um agente negativo que o nosso sistema imunológico detecta e tenta combater. O agente agressor somos nós mesmos. A causa da doença, a violência neuronal, é feita por nós e para nós. É uma autoagressão. A pessoa cobra-se cada vez mais para apresentar melhores resultados, tornando-se, ela própria vigilante e carrasca de suas ações. Ela explora a si mesma — submete-se a trabalhar mais e a receber menos — e acha que está se realizando.
E é por essa razão que há números recordes de males neuronais, como depressão, transtornos de personalidade e doenças autoagressivas, como as compulsões e os transtornos alimentares. Na sociedade do desempenho todas as atividades humanas entram para o saco da eficiência, o que torna o homem hiperativo e hiperneurótico.
Para quem rebate que vivemos numa sociedade melhor, em comparação com o regime de repressão e obediência — comum nas ditaduras — Han não concorda. Para ele, a sociedade positiva é muito pior, porque é difícil combatê-la. Ela vem numa embalagem de motivação. Achamos que ela é boa, que ajuda. Não identificamos a “motivação”, o “pensar positivo” como algo nocivo e, por isso, não a combatemos. As redes sociais estão repletas de frases motivadoras; gurus e influenciadores gritam “não desista, não recue”; as livrarias trazem técnicas de performance e biografias de vencedores. E aceitamos tudo porque pensamos que é o melhor para nós.
Os estímulos são importantes e tem um papel. O problema é o excesso. Quando eles ultrapassam os limites e passamos a nos comportar como hamsters que correm na roda. Trabalhamos arduamente, fazemos cursos de especialização, cuidamos do corpo, do nosso espaço, levamos os nossos filhos para cursos disso e daquilo (eles também precisam) e não atingimos os objetivos. Apesar do cansaço extremo e da frustração achamos que não estamos nos empenhando o suficiente — a culpa é nossa — e continuamos a arrastar o fardo.
O que está errado, o que o positivismo não ensina, são os limites. O trabalho extenuante não é garantia de carreira bem-sucedida. É o contrário. Férias de 30 dias ou mesmo um ano sabático pode fazer muito mais pela sua carreira do que dedicação exclusiva e em tempo integral. Profissionais que trabalham sob pressão e com responsabilidades diárias, como médicos, enfermeiros, professores, policiais, jornalistas, dentre outros — e que ainda tem excesso de trabalho — são candidatos a Burnout, também chamada de síndrome do esgotamento profissional.
E se você tem orgulho de se intitular workaholic porque passa a ideia de competência, já é consenso entre os especialistas de que adaptação ao trabalho em excesso também pode ser um sintoma da depressão. A crença de que quem sofre de depressão está sempre desanimado e sem energia não é verdadeira. A depressão tem muitas caras e uma delas é o vício em trabalho.
E quando o mal está instalado, o positivismo e as dicas de autoajuda aceleram a descida para o fundo. Recomendar a uma pessoa com depressão que ela tem de se animar é uma agressão. Porém, não há o que fazer, o positivismo está em toda parte e não é possível destruí-lo. Mas dá para amortecer os seus golpes. Seja crítico e questione o pensamento vigente. Se possível, vá às mesmas fontes: nas livrarias procure obras que falam sobre as alegrias da imperfeição, os benefícios do fracasso.
Essas abordagens funcionam como uma vacina e ajudam a assentarmos os pés na terra. O tédio, a solidão, a introspecção e a contemplação viraram os grandes vilões da sociedade positiva. Eles não são. Trago-os para a sua vida. Assuma: hoje não vou fazer nada. Encerre o seu dia de trabalho uma hora a menos do que o habitual e use essa hora como um bônus para uma caminhada sem destino pelas ruas. Separe momentos do seu dia para refletir, pensar, abstrair. Dê-se tempo livre, reserve momentos para não fazer nada produtivo.
Descanse. Desligue-se do mundo de vez em quando. A obsessão em ter todas as horas do dia preenchidas, saber tudo o que acontece, ter o controle de tudo, aumentam os níveis de ansiedade, sobrecarregam a mente e trazem um enorme cansaço para a vida.
Margot Cardoso (@margotcardoso) é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 16 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.
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