Novembro azul. E vermelho!
Em setembro ou outubro, novembro já é azul. A associação do mês com a cor, criada para divulgar a necessidade de combater o câncer de próstata, é uma bem-sucedida iniciativa de prevenção. Por conta dela, muita gente está viva. Incluindo eu.
Em setembro ou outubro, novembro já é azul. A associação do mês com a cor, criada para divulgar a necessidade de combater o câncer de próstata, é uma bem-sucedida iniciativa de prevenção. Por conta dela, muita gente está viva. Incluindo eu.
Bem na primeira pessoa, vamos ao que interessa. Há treze anos, tenho uma guerra pessoal contra um câncer. Menos por conta do novembro azul e mais por conta da minha formação em medicina, não desisti antes de conseguir confirmar um diagnóstico precoce de um pequeno câncer. Por ser precoce e pequeno, foi possível fazer um tratamento em boas condições, que diminuiu muito as tradicionais e assustadoras sequelas. E aí começa a minha guerra pessoal.
A primeira batalha, foi travada com a arma da cirurgia. Generais do assunto me ajudaram a vencer esta batalha. Saímos dela com a sensação de que a guerra estaria vencida. Só que não.
Mesmo que todos acreditassem no “fim da guerra”, segui vigilante observando o campo de batalha do meu corpo, nos terrenos onde o inimigo poderia ressurgir. Mantive uma atitude pessoal atenta, fazendo exames periódicos como se todos os meses fossem azuis. E me valendo outra vez da formação em medicina, estudei muito sobre o tema. Foi quando percebi que meu corpo reagia de uma forma um pouco diferente do que estava escrito nos livros.
Uma nova batalha da mesma guerra
Passaram-se oito anos e, de repente, me vejo diante da necessidade de travar mais uma batalha contra o mesmo inimigo. Tive uma condição um tanto incomum, chamada metástase bioquímica. Não vou aqui entrar em detalhes técnicos e médicos, mas isto só queria dizer uma coisa: apesar de ser difícil saber onde, o câncer estava de volta. E lá fomos nós para a segunda batalha. A arma de agora não era mais o bisturi e sim a radioterapia.
Novos generais do novo assunto, me ajudaram a vencer esta outra batalha. O general mais experiente me ensinou algo muito importante, que divido aqui com vocês. Ele me disse “…se você ficar atento e vigilante, vai morrer com isto, mas não vai morrer disto”. Gostei !
Para continuar levando bem a sério o processo de vigilância e prevenção, fui agora em busca de um profissional especializado nas batalhas dessa guerra. E com ele, aprendi uma outra coisa igualmente importante: a ciência já produziu várias armas contra o câncer e quando a gente recebe o diagnóstico, tem vontade de usar todas as armas de uma só vez, como se elas fossem fulminar o inimigo.
Pelo menos no meu caso, isto é um engano. É preciso usar uma arma de cada vez para continuar vencendo a guerra e ganhando tempo até a próxima batalha.
A próxima batalha será agora
Sim, a próxima batalha está próxima. Durante a pandemia, por puro e justificado medo de ir a hospitais e laboratórios, adiei um pouco meus exames preventivos. Mas assim que a poeira do coronavírus baixou, voltei à cruel rotina das investigações, sabendo que mesmo sendo cruel, é isto que vai me manter vivo.
Não deu outra! Passados outros cinco anos, lá estava o meu amigo – ou inimigo – câncer de volta. E em um formato ainda mais raro, mas também mais promissor. Apareceu em um lugar incomum e tem baixa malignidade, conclusões atingidas após dar uma agulhada para tirar um pedacinho dos meus pulmões. No resto de mim, não tem mais nada.
Depois de algumas conversas médicas, decidimos que vamos tirar este bicho fora novamente. A esta altura, com a arma de um robô nas mãos de quem sabe manejá-lo, lá se vai mais um pedaço do Fábio que não está funcionando direito. E a vida segue em frente, mas… posso não conseguir escrever algumas colunas neste novembro azul, porque ele vai ficar meio vermelho.
De fato, já concluí que, mantendo a vigilância sobre o meu corpo, cada vez que aparecer alguma coisa diferente, vamos usar os recursos da ciência e da tecnologia para remover o pedaço meio estragado.
Descendo a escada
Nesta coluna, falei de coisas que me parecem importante dizer sobre câncer. Coisas tipo prevenção para quem não tem e vigilância para quem já teve. Para quem tem, não use todas as armas logo na primeira batalha – você pode precisar delas nas batalhas seguintes.
E o que ainda falta dizer sobre câncer? Primeiro, acostume-se com a ideia de que ela será cada vez mais frequente em quem tem vida. Não apenas de humanos, mas de todos os animais e até vegetais. Segundo, não se deixe derrotar pela sua presença. É uma guerra. E guerras se vencem ganhando uma batalha de cada vez. Por último, um dia todos nós vamos descer a escada onde a vida termina. Na ilustração a seguir, vai uma receita para descer a escada, construída depois de muita reflexão.
FÁBIO GANDOUR é formado em medicina e dedicou-se à pesquisa científica. Sabe que, como bem disse o Snoopy conversando com o Charlie Brown, “… Um dia, a gente vai morrer. Mas em todos os outros, não!” Vamos viver os outros.
*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login