Como se posicionar diante do machismo dos amigos?
Todos os homens são influenciados pela cultura de masculinidade que existe atualmente. Principalmente, pelo seu entorno mais próximo: os amigos
Todos os homens são influenciados pela cultura de masculinidade que existe atualmente. Principalmente, pelo seu entorno mais próximo: os amigos
Quando falamos de masculinidades, falamos de mudança de cultura. Todos os homens são influenciados pela cultura de masculinidade que existe atualmente. Alguns seguem a cartilha à risca, outros conseguem encontrar sua expressão mais autêntica, ignorando o que a sociedade diz que é “coisa de homem”. Mas todos, independentemente da forma como agem, são impactados pelo inconsciente coletivo. Como podemos contribuir para uma mudança nessa cultura vigente?
Cinco estágios na caminhada de ressignificação.
Temos compartilhado aqui nesta coluna, quinzenalmente, reflexões e aprendizados de uma caminhada de questionamentos sobre masculinidades. O processo costuma ser o seguinte:
Primeiro estágio: Alienação. Um homem segue fazendo o que sempre acreditou que era o correto a se fazer, observando os homens mais velhos que foram suas referências masculinas.
Segundo estágio: Negação. Em um determinado momento, seus comportamentos são confrontados. Na maioria das vezes por alguma mulher, que são as que mais sofrem com os comportamentos machistas. A resposta padrão é: Machista, eu? Nunca. Isso porque a ideia do que é o machismo ainda é muito superficial e o homem pode pensar que o machista é apenas o estuprador ou agressor.
Terceiro estágio: Aceitação. Chega um momento em que o homem toma consciência de que de fato tem comportamentos machistas e que eles causam danos não apenas às mulheres, como a ele mesmo e aos demais homens. E então? O que fazer? Quais são estes comportamentos e como mudá-los? Neste estágio é importante ler e escutar outras pessoas. Só assim pode-se aprofundar nessa temática para que as informações se tornem prática. A palavra chave aqui é “aprendizado”.
Comportamentos tóxicos
Quarto estágio: Conflito. Depois de se dar conta de que alguns comportamentos seus são tóxicos, o homem vai incorporando essa percepção e consegue identificar esses mesmos comportamentos em outros homens. Às vezes na família, outras vezes no grupo de amigos, ou no trabalho. E aí entra o conflito. Ele pode ficar incomodado com esses comportamentos, mas não sabe o que fazer a respeito. Devo me afastar dos amigos? Devo falar sobre isso? Serei o cara chato do grupo que estraga as piadas?
Quinto estágio: Posicionamento. Esse é um estágio importante e poucos são os que ousam ir além do quarto estágio. É mais fácil se afastar ou se calar diante da postura dos amigos, do que falar algo, correndo o risco de ser mal visto no grupo. Mas acreditamos que é fundamental esse passo. É por meio do posicionamento que isso pode se tornar uma mudança cultural.
Quando comecei a me posicionar
Eu me lembro de quando comecei a ter esses conflitos e de como era difícil me posicionar. Quando menino, cresci querendo ser parte do grupo e ser aceito pelos outros. Posicionar-me e contestar algumas brincadeiras e piadas ia contra essa estratégia de pertencimento. Ajudou-me muito ter contato com outros homens que também se viam diante do mesmo conflito e saber quais eram as formas que eles encontravam de abordar estes assuntos.
De acordo com um dos meus amigos do Brotherhood, dizia que quando alguém escutava uma piada machista, fazia uma cara séria e respondia: “Não entendi. Você pode me explicar?” E aí colocava a pessoa que fazia a piada numa situação bem constrangedora, de ter que explicar o inexplicável. Eu gostei daquilo e passei a adotar em alguns momentos essa estratégia.
Desarmar a piada
Certa vez, num grupo de Whatsapp da família, um tio mandou um meme fazendo piada sobre mulheres serem ruins ao volante. Eu respondi dizendo que não fazia sentido aquela piada e que conhecia muitas mulheres que dirigem melhor que os homens. Ele se deu conta de que estava tendo uma atitude machista e confessou que não havia refletido sobre isso, que estava apenas repassando a piada que havia feito ele rir. Mas disse que iria refletir sobre isso.
Outra vez, num grupo de amigos, rolou um meme com uma piada sobre lavar a louça ser atividade de mulheres. Eu respondi dizendo que não concordava com aquilo porque na minha casa, eu lavo louça todos os dias. Outros amigos concordaram comigo e o que enviou a piada, disse que também não concordava. Que ele mesmo lavava mais louça que a namorada, mas que achou que a gente poderia achar engraçado aquele meme. Depois disso, nunca mais tivemos piadas machistas no grupo.
Posicionamento como gesto de amor e cuidado
Para mim, esse é o objetivo do posicionamento. Não é constranger uma pessoa ou colocá-la numa situação embaraçosa. Mas ajudá-la a refletir sobre algo que talvez nunca tenha sido objeto de reflexão. Muitos comportamentos são reproduzidos porque simplesmente nunca pensamos a respeito. A mudança de cultura acontece quando refletimos sobre porque fazemos o que fazemos. E aí podemos escolher se aquele comportamento segue fazendo sentido, ou se precisa ser transformado.
Contudo, se observarmos esse posicionamento apenas como “ser o chato da história”, vai ser mais difícil fazer isso. Mas podemos fazer isso com amor, e até mesmo considerar que estamos cuidando dos nossos amigos. Se ele soltar uma piada dessas num grupo mais agressivo, nas redes sociais, ou até mesmo no ambiente de trabalho, ele pode sofrer uma retaliação ainda maior.
Alienação e negação
Lembre-se que vivemos na cultura do cancelamento. Então, ao alertar meus amigos, estamos também cuidando deles. E, ao mesmo tempo, dando a oportunidade para que eles reflitam sobre algo que nunca tinha pensado. Vale lembrar que todos nós já estivemos num estágio de alienação e negação. E, por isso, podemos fazer isso com respeito e humildade, sem que o posicionamento seja feito com violência ou arrogância.
O posicionamento exige coragem, firmeza e respeito. Mas quando conseguimos fazer isso, ficamos bem com nós mesmos, sabendo que estamos fazendo o que precisa ser feito e contribuindo para a expansão de consciência sobre um assunto delicado, mas necessário de ser conversado.
Por fim, é importante ressaltar que essa caminhada não é uma competição de evolução ou algo que divide os homens entre pessoas boas e ruins ou que coloca homens como aliados ou inimigos das mulheres. É uma tarefa coletiva e todas as pessoas são responsáveis pela manutenção ou transformação cultural.
GUSTAVO TANAKA, escritor e fundador do Brotherhood. Escreve mensalmente numa coluna da Revista Vida Simples e compartilha histórias de masculinidade quinzenalmente nesta coluna, junto com os amigos de caminhada nesses estudos sobre masculinidades. @gutanaka @brotherhoodbrasil
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