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Ansiedade e status: por que estamos sós?
Caleb Frith | Unsplash
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Recentemente estive num museu de história natural e fiquei maravilhada com a evolução da sociedade ocidental. Neste início do século XXI,  não somos mais assombrados pelas intempéries; não estamos à mercê do imponderável das doenças; temos meios de transporte eficientes, contamos com várias máquinas que facilitam a nossa vida. Diante de tantas conquistas como não comemorar? No campo pessoal, não poderia ser melhor. Há cerca de 200 anos, os  existencialistas decretaram a nossa independência. Somos livres, senhores do nosso destino. E já interiorizamos esses conceitos: acreditamos que cada pessoa é responsável pelo que é e pelo que lhe acontece. Sartre constatou que não apenas somos livres, mas que estamos condenados à liberdade. “Quando tomo uma decisão, percebo — com angústia — que nada me impede de voltar atrás”, diz ele. E os outros? Sim. São infernais, diz Sarte. Mas não importa. “Não somos aquilo que fizeram de nós, mas o que fazemos com o que fizeram de nós”.

E essa é uma crença generalizada. Os políticos — da esquerda e da direita­ — vendem a ideia de que construirão uma sociedade onde cada um poderá tornar-se nisto e naquilo. Os gurus de plantão dizem que “sim, você pode”, a sabedoria popular afirma que “querer é poder”.

É lindo pensar num mundo maleável, onde as pessoas se reinventam, independentemente das suas posses, de quem são seus pais ou do lugar de onde vieram. Entretanto, visto de perto, não é bem assim. Não há como fugir da constatação de que sempre haverá hierarquias, pessoas que mandam e pessoas que obedecem. Sempre haverá a tensão vertical que polariza e mostra que onde houver uma comunidade, por menor que seja, haverá pessoas se sentindo inferiores e pessoas se sentindo superiores, seja pelo status financeiro, social, habitacional, intelectual. E não faltará um emissário para apontar que quem está na camada inferior, está lá porque é incompetente ou porque não tem energia necessária para uma posição melhor.

E para compor o quadro, a festejada liberdade do homem contemporâneo comporta um reverso penoso, um “preço a pagar”: ele está muito só. E quem é esse homem, por sua conta e risco, livre e sozinho? É um adolescente impulsivo e romântico. A sociedade atual é maioritariamente constituída por pessoas com esse perfil: imaturas, egocêntricas, sem respeito pelo outro, sem tolerância à frustração, sem paciência para o conhecimento, sem brio. E quando a imaturidade encontra a liberdade, o resultado está a vista. Hoje temos uma sociedade sem rumo, ansiosa e deprimida. Só nos últimos seis anos, o Brasil teve um aumento do consumo de antidepressivos de 74%, e remédios para a ansiedade, de 110% (dados da OMS, 2017).

Muitos pensadores, como o francês Edgar Morin, creditam à “complexidade dos valores modernos”, que tem um gráfico ascendente e a capacidade do homem de lidar com ela, um gráfico descendente. Podemos enumerar muitos motivos para esse declive. A sabedoria, uma ferramenta-chave para a vida, foi totalmente esquecida. Virou um termo anacrônico, coisa para pedantes, para gente velha… visão comum de uma sociedade que, claramente, se afastou do pensamento crítico e da reflexão. A parte visível do iceberg são as redes sociais e a sua cultura do “like you” e “like me back”. Outra parte, deve-se à educação familiar. De onde vem, por exemplo, essa certeza absoluta de que temos de ser belos, amados e importantes? O grande Içami Tiba bateu — até a exaustão — na tecla de que não devíamos tratar a criança como um troféu, um bibelot, uma nova riqueza. As crianças são adoradas e, por isso, existe a experiência do que é ser muito especial em determinada fase da vida.

Claro que há crianças maltratadas, mas a maior parte das pessoas tem um sentimento de omnipotência que foi ensinado na infância. Elas são o centro das atenções, crescem, deixam de ser o foco e transformam-se em adultos birrentos e inadequados. Chegam a sociedade, ao mercado de trabalho e ficam sem chão. O resultado é um adulto angustiado. Há homens (e mulheres) que chegam aos 50 anos e acham que tudo o que fazem é belo e bonito e deveria ser recompensado.

Para quem está com taquicardia (paira no ar uma aversão à palavra imaturidade), deixo aqui a visão generosa da psicanálise. Ela afirma que o adulto será chamado “adulto”, mas sempre terá muitos períodos, incluindo a infância, a existirem simultaneamente dentro de si. Não é um insulto, é só a realidade. Porém, há hoje um exagerada predominância da vivência infantil.

Sem sabedoria, sem sentido crítico, sem as lentes necessárias para ler o mundo, nem sequer sabemos o que nos traz felicidade. A satisfação humana é sofisticada e complexa. Podemos ter um excelente emprego, mas se não somos respeitados pelo nosso superior, já não somos felizes. Podemos possuir uma bela casa, mas se vivemos numa sociedade intolerante e delinquente, a satisfação vai a pique.

E para mostrar que a filosofia é mesmo o terreno da lucidez, ela tem um ponto clássico: os cérebros humanos são dignos de pouca confiança. Julgamos que ele nos dá informação rigorosa, mas não é verdade. Nós realmente não compreendemos as outras pessoas; não compreendemos a nós próprios. E tudo é muito mais perturbador e complexo do que imaginamos. O resumo da ópera é que estamos sozinhos; em estado de permanente ansiedade; com um cérebro pouco confiável e habitando um mundo complexo onde cada área — a cada dia — oferece uma solução diferente. A nossa missão é buscar sabedoria, ter cuidado, pensar, parar, analisar, fazer escolhas, agir, reavaliar…

Boa sorte!

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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