Você também se sente sozinho?
Relacionamentos profundos dão trabalho. É preciso investir na qualidade em vez de quantidade para evitar fazer parte da multidão de "juntos e solitários".
Relacionamentos profundos dão trabalho. É preciso investir na qualidade em vez de quantidade para, assim, evitar fazer parte da multidão de “juntos e solitários”.
Em março de 2021, uma pesquisa revelou um dado chocante a respeito da população brasileira: entre os 28 países investigados, éramos o povo mais solitário. Segundo a pesquisa, 50% dos brasileiros sentiam-se solitários “frequentemente”, “muitas vezes” ou “sempre”. É claro que a pandemia da COVID-19 e o isolamento social contribuíram para o aumento da solidão. Porém, mesmo antes disso, a solidão já crescia em taxas assustadoras em grande parte do mundo. Tanto que a Inglaterra criou o Ministério da Solidão em 2018 para contornar o problema. Em resposta ao aumento das taxas de suicídio, este ano o Japão seguiu o exemplo.
Sim, a solidão é um problema de saúde pública. Por exemplo, uma meta-análise contemplando 70 estudos quantificou que a solidão aumenta a probabilidade de morte em aproximadamente 26%. Segundo as pesquisas, é um risco de mortalidade compatível ao dos tabagistas que fumam 15 cigarros por dia. Estudos associam a solidão à hipertensão, aterosclerose, acidente vascular cerebral e distúrbios metabólicos, como obesidade. Além disso, a solidão é causa comum da depressão, ansiedade e estresse.
É sobre qualidade e não quantidade
Segundo John Cacioppo, pesquisador referência no tema, a solidão é o desconforto que surge quando não temos as relações sociais que gostaríamos de ter. Quer dizer, quando o assunto é solidão, o que vale é como você percebe as suas relações. Ou seja, o que importa não é o tempo que você passa sozinho, mas se você sente que está solitário. É possível sentir-se isolado mesmo entre amigos ou em família.
A solidão revela a necessidade dos seres humanos de sentirem-se profundamente vinculados a outras pessoas. Em outras palavras, para a saúde emocional humana, a simples presença do outro não basta. Precisamos desenvolver vínculos. Mais do que isso, precisamos sentir seguros nestes vínculos. Sentimos profundamente conectados a alguém quando essa pessoa conhece nosso íntimo e nos aceita como somos. Precisamos de intimidade e não de relacionamentos superficiais em que fingimos ser quem o outro espera. É por isso que a solidão não tem a ver com a quantidade dos nossos relacionamentos, mas com a qualidade deles.
Relacionamentos trabalhosos
Acontece que relacionamentos profundos dão trabalho. Por exemplo, pode ser necessário gastar tempo ao telefone ouvindo o que a outra pessoa tem a dizer. Ou então, pode ser preciso colocar sua agenda em segundo plano para acompanhá-la em um compromisso importante. Se ela estiver doente, é provável que você sofra também. Relacionamentos profundos exigem que você perceba as necessidades da outra pessoa e interprete seus sentimentos.
Eles demandam carinho, atenção. É necessário que você peça desculpas, repare erros e encare partes de você que você não gosta. Relacionar-se com profundidade inclui respeitar as diferenças, trabalhar os conflitos. A intimidade só existe quando você revela as suas vulnerabilidades, angústias e medos. É preciso confiar e arriscar a decepção.
Não há tempo
Se a lista acima pareceu pesada para você, imagine ter que conciliá-la com uma agenda superlotada. Vivemos em uma cultura que sobrevaloriza o sucesso e que nos incentiva a perseguir metas grandiosas. Fantasiamos que, se nos destacarmos e formos admirados por muitos, nos sentiremos importantes. No entanto, vemos a fantasia despedaçar-se de forma angustiante cada vez que alguém com dinheiro e fama decide tirar a própria vida. Sentimentos de solidão estão entre as queixas centrais de pessoas superficialmente perfeitas, mas que em seu íntimo não conseguem mais continuar sofrendo.
Não temos tempo, muitas vezes, porque escolhemos investi-lo em metas que prometem status e valor social. Paradoxalmente, para nos sentirmos valiosos, precisamos de relacionamentos autênticos e profundos – do tipo que dizemos não ter tempo para cultivar. Para nos sentirmos valiosos, não precisamos de uma multidão de admiradores aplaudindo a nossa luz.
Pelo contrário, precisamos de pessoas que continuam ao nosso lado mesmo conhecendo a nossa sombra. Precisamos daqueles que nos amam por quem somos, defeitos incluídos. Precisamos de qualidade, não de quantidade.
Nunca mais sozinhos, para sempre solitários
Além da falta de tempo, a psicóloga e pesquisadora Sherry Turkle, aponta outra explicação para o aumento da solidão em tempos pós-modernos. Pesquisando tecnologia e relações sociais desde os anos 80, Turkle defende que quando estamos solitários, ficamos mais vulneráveis a soluções sedutoras que aprofundam ainda mais nosso isolamento. Mais especificamente, apelamos para a tecnologia, nossos telefones e as redes sociais.
A possibilidade de interação a qualquer hora nos ilude com a promessa de que nunca mais ficaremos sozinhos. Passamos a interagir e compartilhar a todo tempo na ilusão de que troca virtual e vínculo sejam sinônimos. Em vez de nos relacionarmos para conhecer as pessoas e ouvir o que têm a dizer, engajamo-nos em trocas virtuais para preencher nossos buracos. Interagimos para acalmar nossa ansiedade e reafirmar o que pensamos.
Para Turkle, nossos dispositivos não apenas modificam o que fazemos, mas também modificam quem somos. Por exemplo, as redes sociais mudaram o perfil das nossas relações – hoje temos muitas conexões rasas em vez de poucas conexões profundas. Trocamos conversas espontâneas ao telefone por mensagens eletrônicas. Trocamos qualidade por quantidade.
Juntos e solitários
Relacionamentos virtuais nos dão a ilusão de conexão sem as demandas da intimidade. Eles também não exigem que você seja autênticos, ou que revele aspectos que prefere esconder. Relacionamentos virtuais permitem retoques, edições. Permitem que você se apresente a partir de uma imagem que você admira, mas que não corresponde a quem você é. Sem tempo e sem coragem para relações profundas, usamos a tecnologia para nos conectarmos de forma superficial e inautêntica.
De acordo com Turkle, estamos juntos, porém solitários. Tanto porque as comunidades virtuais são um conjunto de relacionamentos rasos, quanto porque o uso da tecnologia pode tornar raso o que antes era profundo. Virtualmente, conseguimos nos esconder uns dos outros ainda que estejamos presentes o tempo inteiro. Quando estamos fisicamente juntos, usamos os nossos celulares para estarmos, simultaneamente, em outro lugar. Não aceitamos ser interrompidos. Estamos juntos, porém distantes.
Não há tempo a perder
Bronnie Ware, enfermeira australiana, escreveu um livro famoso em que elencou os cinco arrependimentos comuns dos seus pacientes no leito de morte. Entre eles estão não ter dedicado mais tempo aos relacionamentos e ter dedicado tempo demais ao trabalho. Os relacionamentos humanos são complexos, confusos, demandam tempo e energia. No entanto, são vínculos profundos, íntimos e autênticos que nos seguram quando o mundo parece desabar. Relacionamentos verdadeiros dão sentido à vida. São eles que nos permitem chegar ao final da jornada sentindo que o caminho valeu a pena.
ADRIANA DRULLA é Mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.
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