Um vestido novo para quando chega a hora de dizer adeus
Durante uma jornada de um dia comum de trabalho, a colunista Lu Gastal optou por um vestido novo e, sem saber, tinha escolhido a roupa adequada para uma súbita notícia que a pegou pelo caminho.
Durante uma jornada de um dia comum de trabalho, a colunista Lu Gastal pegou a estrada, mas, diferentemente de outros dias, decidiu deixar de lado o jeans e a camiseta. Optou por um vestido novo e, sem saber, tinha escolhido a roupa certa para uma súbita notícia que a pegou pelo caminho.
Acordei cedinho, era dia de pegar a estrada. Os 150 km até o destino seriam dobrados na sequência, emendando a viagem de trabalho à pausa do fim de semana. Para os caminhos, costumo vestir roupas básicas tipo jeans e botina, já que minhas rotas quase sempre chegam à zona rural.
Naquela sexta, senti vontade de colocar um vestido novo, em linho nude com nuances xadrez, que estava no armário. Antes que você questione por que o escolhi, explico: desejava que nossa primeira vez juntos fosse num dia especial, e aprendi que dias comuns podem ser especiais!
Um dia como os outros?
Levantei os braços para o vestido entrar pela cabeça e ele imediatamente em mim se aconchegou: nem largo, nem justo, nem comprido nem curto, nos sentimos um do outro. Ele, além de bonito e confortável, tinha profundos bolsos.
Cronometrando o tempo de deslocamento ao meu primeiro compromisso na cidade um pouco distante, prendi a franja com um grampo de cabelo, tasquei um filtro solar que tapa as olheiras e um batom cor de boca. Quase na porta de casa, com garrafa d’água numa mão, chave do carro na outra e sacola pendurada no ombro (onde estava o meu escritório itinerante), dei um beijo de até logo mais e ganhei um elogio pelo vestido.
Alô, todos nós! Atire a primeira pedra quem não gosta de um carinho verbal logo cedo!
Não há romantismo em estradas de trabalho. A profusão de caminhões e carros com motoristas apressados disputam desigualmente a atenção com as paisagens do trajeto. Confesso que mesmo assim os caminhos me encantam, pois neles viajo em reflexões. Durante a viagem, não me furto do café morno com pastel nos paradouros à beira do asfalto, talvez um hábito herdado de pai e mãe.
No caminho, uma despedida
Foi com um gole de café doce servido em copo de vidro que recebi a notícia de que minha comadre partira para outra morada. Arrepiada, enfiei as mãos nos bolsos do vestido novo e — por instantes — me acolhi numa silenciosa oração, desejando me despedir dessa amiga de tantas estradas.
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Organizando o tempo aos quilômetros que teria à frente, segui ao destino, cumpri a agenda e novamente me acomodei no carro.
Pouco mais de quatro horas de um trajeto movimentado, tortuoso e iluminado pelo sol do fim de tarde daquela sexta quente de verão, chego para a despedida, com a certeza de que a amiga da qual me despedia apreciaria minha presença num vestido.
Afinal, não por acaso, era sua escolha preferida.
PARA CONTINUAR COM A LU: Por que guardar as palavras?
LU GASTAL (@lugastal) trocou o mundo das formalidades pelo das manualidades. É advogada por formação, artesã por convicção. Autora do livro Relicário de Afetos (Editora Satolep Press), participa de palestras por todos os cantos. Desde que escolheu tecer seus sonhos e compartilhar suas ideias criativas, não parou mais de colorir o mundo ao seu redor.
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