Tomar gosto pela superfície é temer a profundidade
Não precisamos ser especialistas em tudo. Fato. Aliás, é impossível que sejamos, com a abundância de informação dos dias de hoje e a complexidade do mundo.
Não precisamos ser especialistas em tudo. Fato. Aliás, é impossível que sejamos, com a abundância de informação dos dias de hoje e a complexidade do mundo. Mas achamos que precisamos dar conta de tudo. E quando acreditamos muito nisso, podemos acabar caindo na armadilha de nos tornarmos ignorantes-especialistas.
Que não sabem nada de um tema, mas é cheio de opiniões sobre ele. Porque, se antes, a ignorância poderia caber num simples “não sei”, hoje ela é feito de uma opinião acompanhada de vídeos e mensagens de WhatsApp ou informações que eu vi na internet.
Nos achamos incríveis, quando deveríamos nos reconhecer como incompetentes – na melhor definição da palavra. Não tenho competência para falar sobre esse assunto, antes de estudar um pouco mais sobre ele. Fazemos isso? Não. Emitimos a opinião. E eu não estou aqui cometendo este mesmo erro.
Me baseio no trabalho de dois professores de psicologia norteamericanos que estudaram o fenômeno que hoje é conhecido pela união de seus sobrenomes – efeito Dunning-Kruger. Eles realizaram testes com voluntários, que foram submetidos a questionários de lógica e gramática e depois questionados sobre sua performance nos testes, antes de saberem os resultados.
As pessoas que mais acertaram questões, acharam que estavam entre os piores no ranking. Já os que mais erraram, achavam que estavam no topo, entre os 33% melhores. Nos achamos melhores do que realmente somos e quanto menos sabemos, mais nos achamos. E podemos chegar a uma outra conclusão: até para se saber ignorante é preciso ter algum conhecimento.
Ah, mas é só em lógica e matemática, você pode pensar aliviado. Não, o estudo comprova que tendemos a nos superestimar em todas as áreas. E aí mora nosso problema. Como eu disse lá no início da conversa, o mundo é complexo, e todos os dias somos desafiados a emitir opiniões ou tomar decisões de diversos tipos, com impactos individuais e coletivos.
Assim, se saber ignorante se tornou uma habilidade fundamental. Se eu sei que não sei, passo a ter uma nova opção: me aprofundar. Podemos sair do raso utilizando nossos próprios recursos – pesquisando e estudando por conta própria – ou podemos contar com a ajuda dos outros, que já tem submarinos e equipamentos de mergulho para mares que antes nunca navegamos. São os verdadeiros especialistas. Gente que não o é porque diz, e sim porque comprova através de experiência e tempo de dedicação.
Se Narciso nos ensinou que não podemos nos apaixonar pelo nosso próprio reflexo, o Efeito Dunning-Krueger nos alerta para não tomarmos gosto pelo superficial. Porque foi assim que tomamos, provavelmente, as decisões mais rápidas, óbvias e equivocadas das nossas vidas. Na dúvida, mergulhe. Na falta de instrumentos, conte com verdadeiros especialistas.
Tiago Belotte é fundador e curador de conhecimento no CoolHow – laboratório de educação corporativa que auxilia pessoas e negócios a se conectarem com as novas habilidades da Nova Economia. É também professor de pesquisa e análise de tendências na PUC Minas e no Uni-BH. Seu Instagram é @tiago_belotte. Escreve nesta coluna semanalmente, aos sábados.
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