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Ter ou não filhos?
Jackson David | Unsplash
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Por que a prática da maternidade está inviabilizando nossos sonhos? Ter ou não  filhos — maternidade e a realização profissional são excludentes?

Minha filha tem 10 anos e ainda brinca de boneca. Hoje as bonecas da Chiara são astrônomas, mas já foram empresárias e recentemente uma delas foi estudar fora do Brasil. Na brincadeira, a Chiara explora seus sonhos. As bonecas vivem a vida que ela fantasia ter.

Diferente das bonecas de antigamente, as que habitam a minha casa raramente são mães. É cada vez mais comum a escolha por não ter filhos. As razões são múltiplas. Por exemplo, algumas mulheres se preocupam com questões climáticas, enquanto outras simplesmente não têm o desejo. Além disso, um número crescente de mulheres escolhem seguir sem filhos porque seus sonhos são incompatíveis com a maternidade.

Maternidade e realização podem coexistir

Antes de tudo, não defendo que maternidade e realização sejam necessariamente excludentes. Por exemplo, foi depois dos filhos que alinhei a minha atividade profissional àquilo que move a minha alma. Foi por amor a eles que adentrei terrenos que talvez jamais tivesse explorado. Hoje considero-me realizada também pelas descobertas que a maternidade me incitou a fazer.

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Crédito: Peter Idowu | Unsplash

Esquece que dói menos

Mas a maternidade não é o único caminho para o autodesenvolvimento. Aliás, há quem use a maternidade para fugir de si. Quantas vezes carregamos a medalha da natação como se nossa fosse, e esquecemos das medalhas próprias que gostaríamos de ganhar?

Para muitas de nós, o esquecimento funciona como estratégia de enfrentamento. Esquecemos dos nossos sonhos para sofrer menos. Afinal de contas, a regra social é que as mães estejam disponíveis para a família durante as 24 horas dos 7 dias da semana. Um papel que inviabiliza qualquer outro que demande dedicação.

Mães no paredão

Segundo o IBGE, em 2019, as mulheres receberam 77% do salário dos homens. Além disso, é incomum que mulheres cheguem a posições de destaque nas organizações. Apenas 8% das 500 maiores empresas do mundo têm mulheres CEO. Nesta posição, a nossa representatividade é similar à dos homens chamados John. É verdade, temos 40 Johns e 41 mulheres ocupando o cargo de CEO nas 500 maiores empresas do globo. E, diga-se de passagem, este é nosso recorde. Historicamente, Johns tem tido mais sorte.

Glass ceiling, ou teto de vidro, é o nome dado à barreira invisível que dificulta que as mulheres sejam promovidas para cargos importantes. Mas esta é uma barreira que as mães não costumam conhecer. É que muito antes disso somos eliminadas no paredão. As pesquisas chamam de Maternal Wall os obstáculos profissionais impostos às mães. Não conheço os dados no Brasil, e é provável que nem os tenhamos. Mas, nos Estados Unidos, por exemplo, as mães ganham em média 15% menos do que mulheres que não têm filhos e 31% menos do que os homens em posição similar. As mães também têm menor probabilidade de contratação.

Além disso, cerca de 30% das mães passam tempo expressivo longe do mercado de trabalho. E engana-se quem pensa que é por escolha. Na maioria das vezes, a mãe sai do mercado pela desvalorização profissional e por não ter com quem dividir as obrigações familiares. Por exemplo, na pandemia da covid-19, a saída das mães do mercado de trabalho foi 46% mais frequente do que a saída de mulheres sem filhos. A saída das mães foi quase três vezes maior do que a saída de pais. Mesmo que esses dados sejam americanos, não há indícios de que nossa situação seja melhor.

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Crédito: Dane Deaner | Unsplash

Jornada dupla em tempo integral

Para as mães, competir por espaço profissional com homens é como correr uma maratona vestindo roupa de borracha enquanto o seu oponente usa shorts e camiseta dryfit. Mães que trabalham precisam ter clones para dar conta de tudo. É como dormir com o cobertor curto, quando cobrimos os ombros, descobrimos os pés. Talvez o problema não seja o tamanho do cobertor, mas o fato de que o pai dos seus filhos não ocupe tantas horas do dia cuidando da família que vocês têm. Esse trabalho, ou a maior parte dele, ficou para você e para a mãe dos filhos do seu oponente.

Considere a forma com que as famílias manejaram as demandas com os filhos durante a pandemia. Uma pesquisa avaliou que, em lares onde mãe e pai trabalhavam em período integral, o arranjo mais comum era que a mulher cuidasse de tudo. Na maioria das famílias, foram elas quem cozinharam, deram banho, trocaram fraldas e cuidaram da aula online. No entanto, nas casas em que as mulheres faziam tudo, os casais brigaram mais e a performance no trabalho foi pior — tanto para a mãe quanto para o pai.

O peso das expectativas

Socialmente, é esperado que a mãe dê conta de tudo. A expectativa social é que apenas as mães priorizem a família. A regra é: mães cuidam, pais trabalham. As regras sociais importam porque elas moldam o comportamento das pessoas e influenciam as instituições. Tendemos a agir conforme às expectativas. É natural – e até evolutivamente programado — que o ser humano busque aprovação social.

Segundo as pesquisas, depois que se tornam mães, as mulheres são tratadas como se não pudessem mais comprometer-se com o trabalho. É quase como se as pessoas tivessem pena da mãe que exerce atividade profissional. Querem dar tempo e espaço para que cuide da família. Logo, projetos desafiadores e promoções passam ainda mais longe das mulheres que têm filhos.

Ao mesmo tempo, pais que procuram trabalhos que os permitam participar da rotina dos filhos são desvalorizados profissionalmente. A licença paternidade é malvista. Enquanto isso, as pesquisas mostram que pais que tiram a licença têm melhor relacionamento com os filhos até 9 anos depois. Nestas famílias, as taxas de divórcio diminuem. Além disso, a mãe tem mais sucesso profissional e melhor saúde quando divide igualmente o cuidado com as crianças.

Quem arca com os custos das suas decisões?

Muitas mulheres não têm o desejo de ser mãe. Outras talvez tenham mais medo do que vontade. Temos sonhado cada vez mais alto. A cada geração acreditamos mais na possibilidade de tornarmo-nos quem desejamos ser. No entanto, a prática atual da maternidade inviabiliza muitos destes sonhos.

Optar ficar de fora pode ser uma solução. Lutar para exercer uma maternidade não opressora, também. Cada decisão tem seu ônus e bônus. É só quem veste o sapato que sabe onde ele aperta. Mesmo assim, é certo que julgarão as suas escolhas. Se não tiver filhos, será chamada de egoísta. Se tiver filhos e trabalhar, falarão da sua ausência. Por fim, se os tiver e não trabalhar, dirão que irá se arrepender.

O fato é que quem te julga não aparece para dividir com você o custo das suas decisões. Por isso procuro, desde já, ensinar à minha filha a arte de desconsiderar a opinião alheia. Pratique você também.


ADRIANA DRULLA  é Mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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