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Tem gente que não bebe e está vivendo
Kelly Sikkema | Unsplash
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Neste artigo:

Você bebe para socializar? Somos fruto do meio e nossa sociedade hipervaloriza o consumo de álcool. Conheça o movimento “sober curious” que busca desafiar esse paradigma.


Faz muito anos que parei de brincar de ingerir álcool. O fato é que eu nunca soube beber e, se tivesse mantido a tendência da juventude, não sei exatamente dizer como a brincadeira iria terminar. Penso que não muito bem. Minha história não é a de todos. Admiro os comedidos, mas minhas andanças por este planeta, após conhecer tantas culturas diferentes, com hábitos particulares, comportamentos e tradições culinárias distintas, só reforçou uma certeza: somos fruto do meio e nossa sociedade hipervaloriza o consumo de álcool, algo que transcende a simples ingestão e tornou-se uma maneira de viabilização social, o que é um erro, na minha visão.

Conhecer e circular por meios nos quais o álcool não está inserido foi o meu caminho trilhado. Como professor de uma filosofia de autoconhecimento, sempre tive preocupação com meus hábitos e em me aprimorar nas escolhas do que coloco dentro do corpo, sem paranoias. Buscar clareza e lucidez, desde então, tem sido fonte de minhas pesquisas. 

Não tente convencer ninguém de nada

Se existe uma coisa que eu acho chata é alguém querendo me convencer de que a sua opção é a melhor para mim. Que situação desagradável. Minha intenção com este texto é relatar uma tendência que está em franco crescimento e que parece ter vindo para ficar e se expandir. Longe de mim ditar o que um marmanjo ou marmanja como você deve fazer com sua vida ou saúde, ou ditar o que se pode ou não comer e beber.

O que ocorre é uma grande tendência de crescimento dos adeptos da tribo dos abstêmios de plantão, aqueles que largaram de vez a bebida ou optaram por testar uma vida social estando mais sóbrio. Como tudo o que entra em voga o mercado abraça – e parece que, desta vez, o abraço é forte – somos levados a crer que a cultura de menos álcool vai crescer.

O movimento já tem nome: sober curious, ou seja, uma dinâmica de perceber a vida e o lazer de maneira mais sóbria, mas não menos divertida ou interativa. Indicação de leitura:

Foto da capa do livro com tons azul, branco e letras pretas.

Sober Curious: The Blissful Sleep, Greater Focus, Deep Connection, and Limitless Presence Awaiting Us All On The Other Side of Alcohol (“Sóbrio curioso: sono feliz, maior foco, conexão profunda e presença ilimitada esperando por todos nós do outro lado do álcool”, sem edição em português ainda). Foto: Divulgação

Já no aspecto comunitário, sinto que há uma carência de opções de convivência e sociabilidade, que não estejam atreladas à desculpa do álcool como veículo facilitador de interação.

Faz anos que promovo e participo de eventos que reúnem centenas de participantes, como as edições do DeRose Festival de Portugal, São Paulo e Florianópolis. Eles são a prova de que é possível criar condições para a moçada descontrair e curtir, sem que haja um ambiente careta, dogmático ou repressivo. Atualmente, o que era nicho específico está virando tendência: são muitos e muitos eventos no mundo todo, para quem busca diversão em um universo sober curious.

Foto de pessoas dançando com as mãos para o alto. A foto está em preto e branco e as pessoas estão muito focadas em si.

Festa clean no DeRose Festival Portugal. Foto: Liana Mastrocola

Sendo paulistano, sempre quis fugir da ditadura da opção única de entretenimento em minha cidade natal. Você pode achar que estou exagerando, mas o fato é que o ato de confraternizar foi reduzido às múltiplas opções apenas de bares que, até alguns anos atrás, eram tomados pela fumaça dos tabagistas.

Nada contra bares, mas tê-los como local principal para relaxar ou encontrar e conhecer pessoas sempre me incomodou. No fim, o problema não é o bar em si, mas a necessidade de ter o álcool como combustível da sociabilização. Sem um copo na mão, você não é nada.

Será que o melhor seria aumentar a rigidez das leis ou até mesmo banir bares e o consumo de álcool? Claro que não. O que precisamos é arejar o tema. Será que não podemos ter uma vida social, o ato do flerte e até o desfrute da nossa sexualidade estando sóbrios, mais lúcidos? Quanta gente transa com alguém e no dia seguinte nem se recorda… Uma lástima. O que falta é alternativa.

Que tal buscar em sua cidade, opções de locais que oferecem coquetéis diferentes? Afinal, eles são ótimos para aqueles dias em que você não deseja beber ou não pode por algum motivo médico ou mesmo por estar conduzindo o carro da galera, não é mesmo? Seguem alguns lugares que garimpei para você. Mande-me as suas indicações.

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Torneira sem álcool

foto de bebidas nas cores laranja e vermelho. com um graffiti ao fundo.

Mocktéis do bar Torneira na Vila Madalena, São Paulo. Foto: Acervo do autor

Faz um tempo que conheci o descolado e open-minded bar Torneira, no coração da Vila Madalena, em Sampa. Foi na celebração do casamento de duas amigas. Para a minha felicidade e da minha parceira Mara Carneiro, havia no cardápio opções de bebidas alcohol-free, pejorativamente chamadas de “mocktails” (que, traduzido de maneira grosseira, seriam “bebidas de mentira”). Destaque para o refrescante Tânger, feito com tangerina, ginger ale (refrigerante à base de gengibre) e limão, e o drink com hibisco acrescido de limão e água com gás. Recomendo os dois!

Sem carnes, sem álcool, mas com personalidade e sabor

Publiquei aqui um texto chamado: Será o fim dos restaurantes vegetarianos?, no qual descrevi uma análise sobre o futuro dos restaurantes que tiraram as carnes do cardápio. Minha conclusão é que há uma tendência de os estabelecimentos que servem carnes, absorverem a demanda de quem retirou esse elemento da sua dieta, oferecendo a esses consumidores robustas opções diversas e saborosas.

O Quincho é daqueles que insistem apenas nas opções sem carnes, mas sem abrir mão da originalidade e do sabor em seus pratos. E o melhor: não alardeia que é vegetariano, não tem cara de natureba e se preocupa com um ambiente descolado e moderno.

Além de sua proposta alimentar, o Quincho Cozinha & Coquetelaria oferece interessantes opções de bebidas sem álcool, com destaque para o Cajueiro, servido com limão verde, xarope simples, kombucha de jabuticaba, água gaseificada e cajuína (preparado especial típico do nordeste do Brasil, eternizado na canção de mesmo nome de Caetano Veloso; é feito a partir do caju triturado e, depois, o sumo é separado e bem filtrado, resultando em uma bebida clarificada, que ainda é aquecida para se chegar a um tom acastanhado).

Escolha entre o céu ou o inferno 

Badalado e queridinho da noite paulistana, o Astor oferece, no mesmo endereço, dois bares: o “visível” no térreo, com sua carta bem completa; e o inferninho chic no subsolo, que claro, recebe o nome de Sub Astor. As opções de mocktails são muitas e têm destaque no cardápio. Entre as mais procuradas está o clássico Blood Mary que, na versão sem vodca, ganha o apodo inocente de Virgin Mary e trata-se de um suco de tomate temperado com ervas e especiarias. Outras opções são o Cast Away, feito com xarope de coco e a versão lime da água Perrier, decorado com hortelã; e o Rosé Gloire, preparado com água Perrier de morango, um cordial de morangos (um tipo de licor) sem álcool, cujo tom avermelhado chama a atenção, acrescido de suco de limão siciliano (que pouco se nota).

Meu preferido foi o Sicília tropicale, feito com shrub de uva verde (uma bebida à base de fruta acrescida de açúcar e vinagre), suco de maracujá, água Perrier e xarope de flor de sabugueiro. Sua exótica mistura resulta em um coquetel encorpado, em que o aroma ácido do maracujá se percebe ao início, dando um tom de frescor, e no final faz lembrar o sabor umami. Tudo isso decorado com uvas verdes.

Experimente uma nova perspectiva

Todos os locais citados também oferecem as mais variadas alternativas de bebidas alcoólicas, mas perceber uma inclinação do mercado para o sober curious muito me animou. Deixar de beber ou reduzir o consumo não deve significar perder a vida social.

Precisa ser apenas uma opção que existe, é respeitada e pode ou não servir para você.  Desfrute da vida com a máxima intensidade, mas que tal provar uma baladinha de cara limpa com os amigos?


ANDRÉ MAFRA (@prof_andremafra) é autor do livro “Sabores e Destinos, uma viagem pela história das especiarias”. Na obra, faz uma imersão no universo dos condimentos, ervas e temperos – e, por consequência, nos primórdios da cultura e das próprias relações humanas.

LEIA TAMBÉM: Todos os artigos de André Mafra em Vida Simples.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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