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Seja a mudança que você quer ver no mundo
Erika Giraud | Unsplash
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Estamos em ano eleitoral e gostaria de compartilhar algumas reflexões sobre como nos relacionaremos com pessoas próximas nos meses que se seguem. Ter feito uma pausa na minha trajetória como jornalista político me ajudou a enxergar algumas questões que antes ignorava. Como nos lembra o escritor Milan Kundera, “Na hora do balanço final, a ferida mais dolorosa é das amizades feridas e nada é mais tolo que sacrificar uma amizade pela política”.

Uma das perguntas que mais tive de responder quando decidi tirar um período sabático, em 2018, e encerrei minhas atividades como gerente de jornalismo em um importante grupo de comunicação foi: “Como assim? Você vai parar agora, a três meses das eleições, uma das mais importantes da nossa história?”.

O espanto se justificava, afinal, passei boa parte da minha trajetória profissional na editoria de política. Acompanhei Fernando Henrique Cardoso ser reeleito presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva vencer duas eleições e Dilma Rousseff outras duas, além de infindáveis escândalos de muitos governos.

Eu sabia da importância do que seria decidido em outubro de 2018, mas também sabia que não tinha forças para enfrentar uma batalha eleitoral num ambiente tão contaminado.

Mais importante que as eleições era eu cuidar da minha sanidade e me manter longe dali.

SAIBA MAIS: A importância de atender ao chamado do coração

Mundo binário

Passados quase quatro anos, eis que uma outra eleição se avizinha e novamente estamos diante de um cenário muito turbulento. País dividido, cada lado se fechando em suas certezas, pouco tolerantes a quem pensa diferente.

Quantas brigas em família, amizades sendo desfeitas. Fico pensando como estaremos quando outubro chegar.

Nesta minha coluna de hoje em Vida Simples, quero trazer a vocês alguns insights e convidá-los a olhar para esse momento a partir de outro ponto.

Ter feito uma pausa na minha trajetória como jornalista político me ajudou a enxergar algumas questões que antes ignorava. Quem sabe não construímos juntos um caminho menos binário.

Inimizade e amizade

Dia desses, lembrei-me do comovente ensaio “Inimizade e Amizade” publicado no livro “Encontro”, onde o escritor checo Milan Kundera, conhecido pela obra-prima “A Insustentável Leveza do Ser”, relata seu encontro com um romancista e amigo, que o convida para conversar e passa todo o tempo falando mal de outro poeta, com o qual havia desenvolvido irremediáveis diferenças políticas.

Ao fim, Milan Kundera adverte: “Em nosso tempo, as pessoas aprenderam a subordinar a amizade ao que chamam de convicções”. Em seu ensaio, Kundera prossegue:

“É preciso muita maturidade para entender que a opinião que defendemos é apenas a hipótese que defendemos, necessariamente imperfeita, provavelmente transitória, que apenas mentes muito limitadas podem declarar ser uma certeza ou uma verdade. Ao contrário da lealdade pueril a uma convicção, a lealdade a uma amizade é uma virtude, talvez a única virtude, a última que resta. Hoje eu sei: na hora do balanço final, a ferida mais dolorosa é das amizades feridas e nada é mais tolo que sacrificar uma amizade pela política”.

A reflexão que Kundera nos oferece nos toca lá no fundo e nos leva a um questionamento: “Até que ponto vale sustentar algo que muitas vezes nos distancia de nós mesmos?”.

Novos olhares

Estar fora do ambiente político já há alguns anos tem me ajudado a olhar o cenário por outros ângulos. Mudei muito minha maneira de enxergar as coisas desde que decidi fazer um profundo mergulho interno e redesenhar minha vida em muitos aspectos.

Talvez decepcione alguns aqui com a minha resposta, ou melhor, com a minha reflexão, mas vou adiante.

Hoje sinto que a solução não está no candidato A ou no candidato B. A solução está em cada um de nós.

Não quero dizer com isso que a política não é importante. Muito pelo contrário. Toda mudança estrutural se faz através da política, ela é fundamental numa vida em sociedade, mas para mudá-la precisamos ir além dela. Precisamos enxergá-la em nós, em cada ato e ação da nossa própria vida.

Precisamos encarar de frente nossas “traições internas” que, em última instância, também se encontram na forma de se fazer política atualmente.

O que que eu quero dizer com isso? Que tem um pouco de nós nessa encalacrada toda.

Querem ver?

A placa de trânsito e política

Há poucos metros da minha casa, no bairro de Perdizes, em São Paulo, tem uma placa de trânsito que não deixa dúvida o sentido de sua presença no local: “Proibido conversão à esquerda”.

Num passado não muito distante, quando a manobra era permitida, acidentes ocorriam com certa frequência. Eu mesmo cheguei a presenciar um motoqueiro ser arremessado na calçada por um carro que fazia a conversão.

Virar à esquerda próximo a esse cruzamento é uma manobra mais fácil e encurta o caminho de quem quer chegar a uma avenida importante do bairro.

Acontece que, há pouco mais de um ano, a placa foi instalada pelo órgão de trânsito, obrigando aos motoristas a andarem um quarteirão a mais para fazer a conversão.

Houve um respeito na primeira, na segunda semana, mas o tempo passou e hoje são raros os que respeitam e aceitam “perder” um minuto de suas vidas fazendo a manobra certa um pouco mais à frente.

Hoje, é como se a placa não existisse.

Como pedestre e alguém que escolheu se deslocar pela cidade num trote mais lento, eu me canso de ver diariamente o desrespeito à regra. Não são poucos os que passam com um celular numa mão e a outra no volante, falando ao telefone como se aquele símbolo de trânsito não existisse.

Na semana passada, chegaram ao cúmulo de virar a placa para a outra direção, de forma que quem passasse por ali, não a notasse.

Não tive como não refletir sobre tudo isso.

Fiquei aqui pensando “Quem são essas pessoas que diariamente desrespeitam uma simples lei de trânsito?

Será que muitos deles não são os mesmos que ao longo dos últimos anos se dividem em vociferar pelas suas janelas “Fora, Lula” ou “Fora, Bolsonaro” ou “Fora, Governador” ou “Fora, qualquer coisa”?

Entendem o que quero dizer?

Seja a mudança

Se não formos honestos com nós mesmos não há política que resolva. Enquanto eu ficar apontando para fora, dizendo que a culpa é da política, do meu chefe ou da minha família, nada irá mudar.

“Ah, Patrick! Não dá para comparar uma conversão de trânsito errada com escândalos políticos de milhões de dólares”, você poderia dizer.

Dá, sim! Não se trata de montantes financeiros ou alcance de visibilidade. O que precisamos entender é que, na essência, é a mesma coisa.

A grande crise que vivemos atualmente não é a crise da política. A verdadeira crise é a da Verdade. Portanto, seja a mudança que você quer ver no mundo.

Leia todos os textos de Patrick Santos em Vida Simples.


PATRICK SANTOS (@patricksantos.oficial) é jornalista, escritor e apresentador do podcast 45 Do primeiro tempo que semanalmente traz histórias de pessoas que se reinventaram. Depois do sabático em 2018, tem olhado a política por outras vias.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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