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Psicologia Positiva: A ciência a serviço da vida
Victor Rodriguez | Unsplash Crédito: Victor Rodriguez | Unsplash homem saltando no mar
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A Psicologia Positiva se diferencia de outros campos do conhecimento por utilizar o método científico para construir conhecimento.

Todos desejamos ser felizes. Mesmo assim, muito poucos de nós se consideram realizados. Por exemplo, o sociólogo Corey Keyes publicou uma análise da saúde mental da população americana em 2002 que mostrou que apenas 17% das pessoas estavam operando no seu melhor. E se a grande maioria de nós busca a felicidade, mas não consegue encontrá-la, considere que a razão não seja incompetência, mas design de fábrica. Existem vieses evolutivos inscritos na nossa neurofisiologia que nos condicionam a correr atrás daquilo que não é felicidade.

A felicidade não é intuitiva. E para assuntos pouco intuitivos, é sempre bem-vinda a ajuda da ciência. Por exemplo, as pesquisas poderiam nos ajudar a entender três coisas. Primeiro, quais são os elementos que normalmente contribuem para o bem-estar e autorrealização. Segundo, como a nossa biologia, sociedade e história de vida nos pré-dispõem a seguir por outros caminhos. E terceiro, o que podemos fazer com tudo isso – ou seja, quais os caminhos que podemos trilhar para chegar na autorrealização.

Acontece que na vida, assim como no Show do Milhão, pedir ajuda aos universitários nem sempre deu certo. Por quase toda a história da psicologia, os pesquisadores – com exceções – estiveram debruçados sobre outro problema: a doença mental. E com questões como neurose, psicose, depressão e ansiedade sobre a mesa, quem é que investiria tempo ou dinheiro em pesquisas sobre autorrealização e bem-estar? Pois é, foram poucos. Até a virada do século, predominou no meio acadêmico a crença de que a saúde mental e a ausência de doença eram a mesma coisa.

Saúde mental é diferente do que a ausência de doença

Podemos pensar na saúde mental como se fosse uma régua. No zero está a doença, por exemplo a depressão. No outro extremo da régua está a saúde, em que funcionamos no nosso melhor. Portanto, entre saúde e doença, temos infinitas possibilidades. De fato, a maioria das pessoas não opera em nenhum dos extremos. A pesquisa de Keyes mostrou que a grande maioria das pessoas, 69% da população, não estava nem doente nem saudável.

Ou seja, a ausência de depressão, ou outro diagnóstico, não significava que estivessem vivendo plenamente. A autorrealização e potencialidade humanas não resultam apenas da ausência de traumas ou da falta de pensamentos e comportamentos disfuncionais. A felicidade depende de um capital psicológico. É preciso construir habilidades socioemocionais e investir em determinados recursos para alcançar a realização.

De Maslow a Seligman

Abraham Maslow foi o primeiro a denunciar que a ciência pouco sabia sobre o lado positivo do nosso funcionamento. Em seu livro Motivation and Personality de 1954, ele escreveu um capítulo em que clamava por uma “Psicologia Positiva” que estudasse não apenas a doença, mas a saúde e as potencialidades humanas.

O trabalho de Maslow, bem como o nome “Psicologia Positiva”, foram sacramentados quase 50 anos depois no discurso inaugural de Martin Seligman enquanto Presidente da Associação Americana de Psicologia em 1998. Citando Maslow, Seligman chamou atenção da comunidade científica por perpetuar uma “psicologia incompleta” – uma ciência que favorecia o conserto das fragilidades humanas em vez da promoção das nossas fortalezas. Naquele mesmo dia, nasceu a Psicologia Positiva.

mulher positiva em frente ao mar

“A ausência de depressão, não significava que estamos vivendo plenamente”.     Crédito: Jeremy Cai | Unsplash

E se você está se perguntando por que será que Seligman teve mais sorte que Maslow, eu posso satisfazer a sua curiosidade. Eu cursei o Mestrado em Psicologia Positiva na Universidade da Pennsylvania sob a tutela do próprio Seligman. Por isso, tive a honra de ouvir em primeira mão que, diferente de Maslow, ele estava na hora certa e no lugar certo. É que na virada do século, a comunidade científica americana estava à frente de um enigma para o qual não tinha resposta.

Por um lado, o país estava vivendo o período de progresso socioeconômico mais longo de sua história. Os indicadores mostravam, por exemplo, uma melhora significativa da educação, mais direitos, mais segurança, redução da fome e da pobreza. Por outro lado, as evidências empíricas também mostravam que os níveis de felicidade da população não haviam aumentado. Pelo contrário, havia mais ansiedade e mais depressão. Batizaram a contradição de paradoxo da felicidade. Pois é, a felicidade não é intuitiva. Era necessário que a ciência se debruçasse também sobre a saúde mental.

A ciência a serviço da vida que vale a pena

Que fique claro que o interesse científico pelas potencialidades humanas existia bem antes da Psicologia Positiva. No entanto, essas investigações eram feitas de forma isolada. Como um guarda-chuva, a Psicologia Positiva veio unificar e integrar essas investigações. Mais do que qualquer coisa, o campo deu visibilidade e promoveu a ciência do bem-estar.

Depois de 1998, a Psicologia Positiva ganhou palco nas principais universidades do mundo, generosos investimentos e suas intervenções foram adotadas por diversas organizações  — desde o Exército Americano, até escolas e grandes corporações. Hoje, a Psicologia Positiva ganhou espaço até mesmo na política pública  — por exemplo nos governos de países como Butão, Inglaterra e França e em organizações internacionais como as Nações Unidas.

Também vale ressaltar que a Psicologia Positiva não é a única disciplina que estuda as virtudes humanas e a autorrealização. Ela se diferencia de outros campos do conhecimento —  como por exemplo a filosofia  — por utilizar o método científico para construir conhecimento. Ou seja, as hipóteses e as intervenções formuladas devem ser validadas empiricamente. Entre os construtos estudados estão, por exemplo, a esperança, propósito, resiliência, gratidão, transcendência, relações positivas, otimismo, criatividade, autoeficácia, forças de caráter.

Resultados e processos não são sinônimos

A Psicologia Positiva enriqueceu a compreensão científica sobre o funcionamento humano e avançou a agenda de bem-estar. No entanto, o campo foi ferozmente criticado por seu próprio nome. Críticos argumentam que a palavra positiva implica que cognições, afetos e experiências que não sejam agradáveis, devam ser consideradas negativas e, portanto, ruins. Em outras palavras, a Psicologia Positiva é frequentemente acusada de ter promovido uma dicotomia polarizadora entre positivo e negativo que impede uma compreensão integral acerca do florescimento humano.

No entanto, processos não podem ser confundidos com resultados. Embora a Psicologia Positiva estude o florescimento humano — portanto, resultados positivos — os processos que nos conduzem ao florescimento nem sempre são agradáveis. Muitas vezes, os caminhos para esses resultados podem ser dolorosos e desafiadores. Por exemplo, a experiência da perda e a consciência da mortalidade muitas vezes nos aproxima daquilo que é de fato valioso para nós, contribuindo, portanto, para uma vida com mais significado.

Paradoxalmente, a resistência às experiências que entendemos como negativas — como por exemplo emoções, pensamentos, memórias e sensações corporais desconfortáveis — frequentemente ampliam o sofrimento que tentamos controlar. O processamento do desconforto e da dor emocional nos leva a insights, cura e crescimento.

Habilidades de enfrentamento produzem bem-estar

Mais recentemente, a Psicologia Positiva vem trazendo, como parte de seu escopo, habilidades de enfrentamento que produzem resultados positivos precisamente porque nos permitem engajar com o sofrimento de forma construtiva. Alguns exemplos são mindfulness, espiritualidade e a minha especialidade, a autocompaixão. A autocompaixão é a habilidade de sermos gentis conosco frente a nossos defeitos e em momentos de dificuldade.

Aumentando o volume da voz autocompassiva, é possível regular melhor a autocrítica, ser mais tolerante com as próprias limitações, nutrir a resiliência e bem-estar emocional. Os estudos também associam a autocompaixão com o otimismo, satisfação com a vida, criatividade, performance e iniciativa pessoal. Ela não apenas promove a saúde mental, mas também reduz sintomatologia da depressão, ansiedade e estresse em adolescentes e adultos.

Felicidade como um esforço consciente

Vivendo no piloto automático, é muito fácil percorrer por caminhos cujos destinos têm cara de felicidade e cheiro de felicidade, mas quando você finalmente chega para experimentar, tem gosto de outra coisa. A ciência demonstra que nos acostumamos com a maioria das metas que alcançamos. A felicidade não está na ausência de problemas, no excesso de dinheiro, na fama, ou na promoção profissional.

Se existe uma mensagem que eu gostaria que você levasse desse texto é que a felicidade humana não é um efeito colateral. Felicidade é um trabalho interno. Ela é resultado do esforço consciente de cultivar o que importa. Felicidade é o que achamos quando deixamos de procurar. É sobre saborear as pequenas coisas do dia a dia. Felicidade é sobre descobrir que o significado da vida está além da nossa própria.

E felicidade não tem nada a ver com sentir-se bem o tempo inteiro. É só vivendo nossas experiências emocionais de forma autêntica que conseguimos evoluir, e ser a nossa melhor versão.

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ADRIANA DRULLA  é Mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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