Procura-se: eu mesma!
Vista pela última vez antes das demandas se multiplicarem e os elogios desaparecerem

Sabe aquele momento em que a gente olha no espelho e se pergunta: “Quem é essa pessoa?” Ela tem o meu rosto, a minha voz, as minhas obrigações – mas não sou eu. Ou pelo menos, não quem eu costumava ser.
Em algum nível, é esperado que a gente vá moldando nossos comportamentos no trabalho para fazer o que precisa ser feito enquanto tentamos manter um ambiente saudável. Mas na correria do dia a dia, entre demandas e pressão, titubeamos e nos perdemos de nós mesmos.
Por que esse sentimento que não nos reconhecemos?
Nossa identidade é construída em camadas e está em constante transformação. Cada evento ou interação marcante reconfigura a percepção que temos de nós mesmos.
Nos tornamos mães e pais.
Mudamos de trabalho.
Perdemos uma pessoa amada ou um trabalho essencial.
Conquistamos um sonho ou uma promoção.
Nos apaixonamos.
Caímos em conflitos intensos.
E o trabalho tem um papel crucial no processo de refinamento ou afirmação da nossa identidade, portanto quando as críticas viram trilha sonora constante e os elogios desaparecem, nossa imagem fica embaçada no espelho.
Nessa dança entre sermos produtivos e aceitos, além das críticas, surgem os conflitos. Às vezes escandalosos, mas geralmente sutis, disfarçados de feedback. Pequenas agressões, olhares, silêncios. Quantas vezes, para evitar um conflito externo, criamos uma guerra interna?
Ambiente saudável e autenticidade
Essa conversa me lembra Winnicott e a teoria do ambiente suficientemente bom.
Desenvolvida nas décadas de 50 e 60 pelo pediatra e psicanalista britânico, essa teoria nos ajuda a entender o impacto do ambiente nas nossas construções internas. Quando a criança recebe cuidados consistentes e empáticos, ela pode desenvolver seu verdadeiro self – uma expressão autêntica, sem medo de rejeição.
E na vida adulta? Esse ambiente é onde podemos ser nós mesmos, sem precisar nos ajustar o tempo todo. É onde a voz pode ser ouvida sem medo de represálias e o erro é parte do caminho.
Mas quando críticas, falta de reconhecimento e conflitos não resolvidos corroem esse espaço, começamos a criar um falso self, uma máscara social que protege temporariamente, mas desconecta da nossa essência. Pesquisas recentes mostram que essa desconexão leva à insatisfação, perda de propósito, ansiedade e burnout. E estamos cada vez mais intolerantes à perda de conexão com nossa autenticidade.
Como recriar e oferecer esse ambiente?
Ambientes que não são suficientemente bons minam a autoestima e criam ciclos de auto-sabotagem. Proteger-se envolve resgatar seu núcleo interno, criar micro-espaços de segurança e manter um olhar estratégico sobre sua jornada profissional.
No contexto organizacional, criar um ambiente suficientemente bom passa por:
- Oferecer suporte emocional e psicológico sem eliminar todos os obstáculos;
- Incentivar a autonomia, com segurança psicológica;
- Permitir falhas como oportunidades de aprendizado, sem punição desproporcional.
Em um ambiente que não é suficientemente bom, proteja-se.
Vá fazer coisas que você ama!
Quando você se reconhece, fica mais fácil decidir se fica e investe em melhorar o ambiente ou se voa para um lugar onde você pode brilhar..
Reestruture o discurso interno: divida as críticas em produtivas e improdutivas, descarte o que não serve e lembre-se de que a crítica improdutiva reflete a confusão do outro, não você.
Reconstruir um ambiente suficientemente bom é um ato de coragem. É resgatar partes esquecidas, dar voz ao que foi silenciado e criar espaços onde o erro vira aprendizado. E ao oferecer esse ambiente aos outros, você se torna um ponto de ancoragem, um lembrete de que a firmeza pode coexistir com a ternura. Seja esse espaço. Para você. E para quem está ao redor.
➥ Mais textos de Marina Proença na Vida Simples
– Meditação e as práticas para líderes que desejam reinventar o mundo
– Duas estratégias de produtividade para obter mais bem-estar e sucesso
– Desânimo no trabalho não é sinal de fraqueza. É sinal de inteligência
Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião da Vida Simples.
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login