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Plano B, a missão
Tyler Nix | Unsplash
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Imprevistos acontecem e é sempre recomendável ter um plano B como alternativa. Eugenio Mussak relembra um episódio de sua juventude como escoteiro e comenta a importância do pensamento flexível e adaptável para a vida das pessoas.


Resolvemos passar o fim de semana acampando na Serra do Mar, mais exatamente no pico do Marumbi. Éramos uma dezena de garotos, escoteiros do grupo Jorge Frassati em Curitiba. Todos já tínhamos dormido no mato muitas vezes, pois o acampamento é uma das principais atividades do escotismo, uma aventura que serve de metáfora da vida, com seus dilemas e responsabilidades. Mas o acampamento era diferente: estávamos sem os uniformes, sem o lenço vermelho e branco no pescoço e, a melhor parte, sem o chefe. Era um acampamento “extraoficial”.

Chegamos ao pé da montanha levados pelo trem que liga Curitiba a Paranaguá, uma obra espetacular de engenharia que atrai turistas, curiosos e especialistas. Iniciamos a aventura da montanha em direção ao local de acampamento, que fica num platô a cerca de dois terços da subida. No dia seguinte chegaríamos ao topo, escalando um paredão de baixa dificuldade. Só que havia chovido e a caminhada era penosa, entremeada por escorregões e quedas. Nós estávamos acostumados a caminhar na mata, só que naquele dia foi diferente.

Alguém havia tido a brilhante ideia de reunir todos os mantimentos e colocá-los na mesma mochila. O José Carlos (acho que esse era seu nome) ficou responsável por transportá-la, e ele simplesmente escorregou nas folhas molhadas do caminho e perdeu a mochila cheia de macarrão, comida enlatada, pão, linguiça, leite, café e a única caixa de fósforos que tínhamos. “Vamos encontrá-la”, disse alguém, e iniciamos uma missão malsucedida de resgate da mochila, até que percebemos que estava anoitecendo.

A solução foi continuar a subida antes que nos perdêssemos na densa noite. Na manhã seguinte, uma patrulha de três ou quatro desceu ao ponto do acidente, só para concluir que a mochila havia caído em uma fenda e se perdido para todo o sempre. Recebemos a notícia com o estômago roncando. O mais prudente era cancelar a escalada até o topo e iniciar a descida em direção à estação de trem. Foi o que fizemos, mas, quando lá chegamos, descobrimos que o comboio só passaria por ali no fim da tarde. Tudo que conseguimos comer naquele dia foi palmito encontrado na mata. Mastigávamos o miolo até que ficasse pastoso, então engolíamos. Até hoje lembro seu sabor sem graça, e essa lembrança me estimula a pensar sobre a importância de se ter uma boa estratégia antes de embarcar em uma aventura qualquer.

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Se a estratégia falha

A estratégia é o conjunto de medidas necessárias para conciliar a situação presente com o futuro desejado. Vários especialistas discutem esse assunto. Um deles é Henry Mintzberg, professor e autor de textos sobre gestão. Em seu livro Safári de Estratégia, Mintzberg faz uma revisão de todas as escolas de estratégia que existem e analisa suas melhores aplicações. Logo no começo, após dar as principais definições, ele deixa claro que não há estratégias perfeitas e que, com muita frequência, é necessário comparar a estratégia pretendida com a estratégia realizada. A rigor, a realizada é a pretendida após as correções necessárias, efetuadas durante sua aplicação. A melhor estratégia, de acordo com essa visão, é aquela que permite modificações durante o trajeto.

Isso significa que um bom plano deve permitir a criação de tantos planos acessórios e complementares quantos forem necessários para que o objetivo seja atingido.

Na vida prática, não dá para a gente ficar fazendo coisas sem ter planejado. Não importa se você está montando uma empresa, planejando as férias, elaborando sua pesquisa de mestrado ou organizando um churrasco para seus amigos. Sem planejar os passos, você vai gastar mais energia que o necessário, além de ter uma grande chance de não conseguir realizar seus propósitos. E, mesmo planejando, muita coisa vai dar errado, pois o número de variáveis envolvidas em uma atividade humana é imenso.

Aquela aventura na montanha foi um bom exemplo disso. Na semana seguinte, em reunião com o chefe do grupo escoteiro, após relatarmos o episódio, ele nos olhou com firmeza e perguntou: “Por que vocês não acionaram o plano B?”

Hein?! Que plano B? Do que é que ele estava falando, afinal de contas?

Então o chefe iniciou uma detalhada preleção sobre organização de acampamentos e expedições. Ele nos fez lembrar que, em outras ocasiões sob seu comando, quando alguma coisa não dava certo, ele sempre tinha uma alternativa na manga.

Olhando no fundo do olho de cada um de nós, adolescentes sabidos, ele ensinou: “Você não pode entrar em uma aventura sem considerar que alguma coisa pode dar errado, e, acredite, alguma coisa vai dar errado. Se você não tiver uma coleção de planos B, vai acabar se machucando”.

O chefe escoteiro tinha razão. Por que concentramos toda a comida em uma só mochila? Por que só tínhamos uma caixa de fósforos? Por que havia só um responsável pelos suprimentos? Pois é, a imprudência nos custou fome e medo. Pelo menos, nos valeu aprendizado. Até hoje eu lembro aquele dia, pois aprendi que viver nada mais é que uma grande aventura – e que as coisas podem dar errado. Nós sempre precisamos de planos B. E o problema de muita gente é que eles não têm sequer um plano A.

Contra o insucesso

Na vida prática também temos que aplicar inteligência estratégica. Às vezes, fazemos isso intuitivamente, outras vezes, percebemos que falhamos, ainda que tenhamos tendência em negar o fato. Sim, é mais fácil transferir a responsabilidade dos insucessos para outros, para o mau tempo, para a crise, para o azar, e por aí vai.

Na maiorias das vezes, o que faltou foi uma boa estratégia. E, mesmo quando temos a melhor estratégia, corremos o risco de precisar de outra, pois um pequeno detalhe pode pôr tudo a perder.

Um bom exemplo disso foi a expedição da nave Apollo 13. O dia era 11 de abril de 1970. Três pilotos experimentados da Força Aérea americana estavam a bordo da nave com um objetivo bem definido: chegar à Lua. Era a terceira missão tripulada em direção ao nosso satélite, e os astronautas James, Fred e John estavam confiantes, até porque contavam com a experiência das missões anteriores. A NASA tinha obsessão por segurança e, claro, concentrava seus esforços nas etapas mais complexas da viagem, como o lançamento da Terra, a entrada na órbita lunar, a nova decolagem e a entrada na atmosfera terrestre. Esses eram os momentos críticos, mas – sempre tem um “mas” – o irônico dessa história é que foi durante a travessia, fase considerada tranquila e mais segura, que algo de errado aconteceu. Uma mudança quase insignificante no projeto do tanque de oxigênio do módulo de serviço provocou um superaquecimento que resultou em explosão. Logo depois, o comandante James Lovell pronunciou por rádio a frase que iria entrar para a história do século 20: “Houston, temos um problema”.

Esse acidente não comprometeu a sobrevivência imediata dos astronautas, mas estava claro que o pouso na Lua deveria ser cancelado. Iniciaram-se as providências de trazer a nave de volta, e isso significou um imenso exercício de revisão de todas as variáveis que estão envolvidas em uma aventura tão complexa. Foi necessário o desenho imediato de um plano B, e este só foi possível porque a nave contava com bons suprimentos e porque o acidente aconteceu na ida, sem as rochas que eles trariam na volta. O esforço, entretanto, não foi pequeno, e mobilizou um pequeno exército de técnicos e cientistas em Cabo Canaveral. Gene Kranz, o chefe das operações, deu a sua equipe sua visão dos fatos, e acabou cunhando outra frase memorável: “Fracassar não é uma opção”, disse, definindo o espírito da equipe.

Após chegar à Lua e dar uma volta nela a fim de usar sua gravidade para colocá-los no rumo certo, os três homens voltaram para casa, economizando água, oxigênio e energia, com muitos quilos a menos, desidratados, quase congelados, porém vivos.

A Lei de Murphy

Aliás, foi exatamente um engenheiro do Instituto de Tecnologia da Força Aérea dos Estados Unidos que emitiu a sentença final sobre a importância dos planos B. Seu nome era Edward Murphy e ele coordenava os estudos sobre os efeitos da desaceleração sobre o corpo dos pilotos de caças. Em uma das experiências, um de seus auxiliares cometeu um erro que prejudicou o registro das reações do piloto testado, o que quase o matou. Mas Murphy intuiu o erro e interrompeu o teste, depois dizendo, referindo-se a seu auxiliar: “Se existe uma maneira de fazer errado, ele certamente a fará”. A frase depois foi generalizada por: “Se existe alguma chance de algo dar errado, dará”. Ganhou o mundo e hoje é conhecida pelo nome de “Lei de Murphy”.

Já se disse que viver é uma aventura, e a vida é bela justamente por seu caráter imprevisível. Viver intensamente é retirar da vida tudo o que ela tem para oferecer, o que não é pouco, mas sem um bom plano é melhor nem sair de casa.

E, como já vimos, um bom plano é aquele que considera a possibilidade de uma alteração, ou mais de uma.

Sim, a vida é imprevisível, e é cada vez mais. E é bom que estejamos preparados para isso. Sempre.

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EUGENIO MUSSAK (@eugeniomussak) diz que só precisa escrever, não importa o quanto.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples

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