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Parentalidade e o (re)conhecimento de nós mesmas
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Ando percebendo um movimento de mulheres no auge dos seus 30 anos se permitindo a redescoberta. E não acho que tenha a ver com nenhuma especificidade da faixa etária mas, sim, com a negação da abnegação. Com a descoberta de que podem olhar para si mesmas, talvez pela primeira vez. Explico.

Somos filhas de pessoas que foram pais no começo dos anos 80 e nossos pais são os filhos de pessoas que viveram guerras, imigrações, fome, escravidão, abusos, ditaduras e outras durezas sociais na pele. O último objetivo dessas pessoas era entender quem eram, quem poderiam vir a se tornar ou como se desenvolver enquanto indivíduos. Estamos falando de luta pela sobrevivência, física e emocional.

A estratégia de educação dos nossos pais, que foi em grande parte tecida em cima de frases autoritárias, repressoras e prontas, como: “engole o choro”, “a casa é minha e quando você tiver a sua, você decide”, “criança não tem querer”, “vou é te dar um motivo de verdade pra chorar”, “precisa raspar o prato”, “vai apanhar aqui pra não apanhar da polícia” e outras pérolas, reflete exatamente o mundo em que seus pais foram obrigados a viver, e se pararmos para analisar, educar dessa maneira é quase como atacar para defender. Não podemos culpá-los, de forma alguma.

A nossa geração veio com a imensa responsabilidade de educar crianças para um mundo novo, que muda a cada mês, mês esse que passa rápido como a semana, semana essa que passa rápido como o dia. Cadê o tempo? Nascemos sem internet e temos relógios e geladeiras conectados a ela. Nascemos com mapas em papel e temos drones guiados por satélite. Nascemos num mundo onde a mulher devia respeito ao provedor do lar e nos vemos num mundo onde as mulheres já são a metade das chefes de domicílio no Brasil.

Não fica difícil de entender que no meio disso tudo nós também começamos a perceber que poderíamos olhar para nós, começar a entender quem somos e do que precisamos. O que queremos? Mulheres de 30 anos negando o papel de educadoras principais, exigindo que os pais das crianças participem da carga emocional, financeira e mental de criar um ser humano.

Começando a entender que os papéis sociais que ganhamos com todas essas mudanças, de executivas, empreendedoras, cientistas, estudantes, não condiziam com continuar olhando somente para o outro. Do que a gente precisa? Mulheres olhando com mais amor para os seus corpos e parando de se odiar, olhando para as suas emoções como uma bússola e não como algo para se reprimir e esquecer, permitindo conhecer seus medos, alegrias e necessidades. Do que nos orgulhamos? Mulheres gritando suas dores e dilemas, se unindo, se descobrindo, conseguindo ressignificar o papel de mãezinhas e até negando esse papel.  Por que não?

Para onde isso tudo vai nos levar, não sei ao certo. Quero imaginar um mundo com mais verdade, mas não sou ingênua de achar que a verdade não vai doer, não vai mexer com privilégios, com egos, com nossas dores mais profundas. Acho que parte dessa nossa redescoberta é entender que somos forças motrizes do mundo. Que estamos modelando um novo lugar, dentro e fora de nós, para as próximas gerações, que podemos ressignificar e transformar. Estaremos preparadas. Que seja lindo, que seja como for.

Thais Basile é mãe da Lorena, palestrante e consultora em inteligência emocional e educação parental, eterna estudante. Apaixonada por relações humanas e por tudo que a infância tem a ensinar. Compartilha um saber para uma educação mais respeitosa no @educacaoparaapaz. Escreve nesta coluna às segundas-feiras.

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