Para ter sucesso na comunicação é preciso aprender a pensar com a cabeça dos ouvintes
Uma estratégia eficiente de comunicação é saber quem são e como são as pessoas que ouvem o que está sendo dito. Saber escolher as palavras usadas é fundamental
Temos uma tendência, quase sempre equivocada, de nos comunicarmos como se todas as pessoas pensassem como nós. Se insistirmos nessa prática, teremos bons resultados apenas quando falarmos com aqueles que se situam na mesma bolha em que perambulamos.
Há poucos dias, conversando com uma querida amiga, Liris Gonçalves, profissional de primeiríssima linha, executiva experiente, que atuou na alta administração de importantes multinacionais no Brasil e no exterior, debatemos os benefícios e riscos do uso da palavra “dica”.
Ela, muito zelosa, me chamava a atenção para que talvez não fosse conveniente lançar mão desse termo nos meus textos porque poderia até ser prejudicial à autoridade do autor. Eu respondi que ao ler suas palavras parecia estar ouvindo a voz da minha mulher, Marlene, que me alertou sempre para esse mesmo risco. A minha filha, Rachel, com quem ministro aula nos últimos 25 anos, também tem a mesma opinião.
Ora, se as pessoas que me querem tão bem me aconselham sobre os perigos que esse vocábulo pode trazer para a imagem profissional, por que eu deveria insistir nessa prática?
Comunicação acessível
A resposta que dei à Liris foi a mesma que dei à minha mulher. Às vezes tomamos determinadas atitudes em comunicação porque pensamos somente com a nossa cabeça. Nós nos esquecemos de que, na maioria das situações, transmitimos mensagens a pessoas que pensam de maneira totalmente distinta de nós.
De acordo com o pensador russo Mikhail Bakhtin, um dos mais importantes pesquisadores da linguagem, “o fenômeno da entonação é lugar de memória acústica social”. Ele nos diz que são ‘vozes’ que estarão presentes em nossa vida. ‘Vozes’ formadas pelas características das pessoas com as quais convivemos. Pelas músicas que ouvimos. Pelos cursos que frequentamos. Pelas imagens que observamos.
Cada pessoa é formada pela sua própria experiência de vida. Diferente, portanto, muitas vezes, de como vivenciamos a nossa própria existência.
Não estou aqui dizendo que a palavra “dica” seja boa ou ruim em si, mas sim analisando o tipo de influência que ela pode ter no processo de comunicação em certas circunstâncias. Como experiência pessoal, na qual sustento a minha tese, argumento que o meu livro que traz a palavra “dica” no título, “Superdicas para falar bem em conversas e apresentações”, vendeu mais de 400 mil exemplares, permaneceu três anos nas listas dos mais vendidos do país e está presente em 39 países.
Além disso, a “Série Superdicas”, que coordeno para a Editora Saraiva, já vendeu mais de um milhão de exemplares e teve seis dos seus títulos simultaneamente na mesma lista dos mais vendidos da Veja. Também coordeno há quase 20 anos a “Série I Superconsigli” na Itália. Encerro os meus textos todas as terças-feiras, no UOL, há 16 anos, com conselhos intitulados “Superdicas da semana”.
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É preciso observar
Não é, portanto, pelo fato de uma palavra não nos ser simpática que deva ser necessariamente excluída do vocabulário. Precisamos acima de tudo observar a quem nos dirigimos e quais são os nossos objetivos.
Lembro-me de uma situação curiosa. Quando fui ministrar cursos de oratória pela primeira vez em Cuiabá (MT), na véspera de iniciar as aulas, assistindo a um programa local na televisão, vi um anúncio que julguei ridículo. Mostrava uma égua dentro de uma loja.
Ao seu lado, um jovem sorridente lavando o animal com água e esponja. Ele olhava fixamente para a câmera e dizia: “Aproveite. Venha lavar a égua. Os preços estão baixíssimos”. Pensei: quem poderia ser seduzido por uma propaganda como essa?
No dia seguinte, descobri, surpreso, que o dono da loja era um dos alunos. Ele possuía boa formação e era bem articulado. Perguntei o motivo de ele ter feito uma promoção como aquela. Sua resposta foi interessante: “Professor, quando me deram a sugestão, recusei na hora, pois tinha certeza de que não só não teria resultado como poderia até afugentar a clientela. O dono da agência de publicidade, entretanto, me fez uma proposta – se as vendas não aumentassem, não precisaria pagar a campanha. Topei. Resultado: as vendas subiram 30% logo na primeira semana de veiculação”.
Se ele tivesse batido o pé e ficasse apenas com sua forma de pensar, teria perdido excelente oportunidade de negócio.
Estratégias
Quem vivenciou a política nos anos 1950/60, ou estudou a história dessa época, sabe que Jânio Quadros venceu praticamente todas as eleições de que participou. Ele era muito culto. Advogado, professor de português, autor de importante gramática da língua portuguesa, entre outras qualificações.
Durante a campanha, ele se apresentava nos comícios vestindo paletó surrado, com talco no ombro, para dar a impressão de serem caspas, e um sanduíche de mortadela no bolso embrulhado em papel gorduroso. Essa atitude não tinha nada a ver com sua formação intelectual, mas era assim que conseguia se aproximar do povo e conquistar os votos para se eleger.
Outra experiência. Pedi para a agência de publicidade tirar a palavra “sucesso” de um texto que fizeram. Eu a julgava muito batida. O publicitário, Oswaldo Marchesi, me apresentou um estudo relevante mostrando a influência desse termo no processo de persuasão. O “sucesso” ficou no anúncio.
Portanto, essa é uma reflexão que precisamos ter sempre: será que estou pensando apenas com a minha cabeça quando me comunico, ou estou considerando também quem são e como são as pessoas que ouvem o que falo, ou leem o que escrevo?
Desde que não se sinta violentado e não corra o risco de prejudicar sua imagem, analise o que pode ou não dar certo na sua comunicação. Às vezes, uma “dica” ajuda.
*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.
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