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Para provocar a mudança, invista no seu casulo
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Eu moro num prédio pequeno, com poucos apartamentos. São apenas seis unidades, onde hoje certamente uma construtora faria o dobro, no mesmo espaço.

Por isso, eu amo apartamentos antigos. Eles são de uma época em que os cômodos eram mais amplos, as janelas maiores e os materiais mais resistentes. E não tem a ver com o preço do imóvel, tem a ver com a dinâmica do mercado, do comportamento e do gosto das pessoas. Nos últimos anos as grande grandes tendências do setor imobiliário eram o que eu chamo de apartamentos-resort – em que você tem um espaço pequeno, quase só para dormir, e uma enorme área coletiva para desfrutar – e apartamentos-carregador – nos quais você só vai pra repor as energias que consumiu enquanto estava lá fora.

Nas grandes cidades, principalmente, o convite diário é à extroversão. Bares, restaurantes, agenda cultural sem fim. E com o aumento da ocupação de espaços públicos, esse movimento só fazia crescer. Aí veio a pandemia. E com ela o resgate do que Faith Popcorn, uma das mais célebres pesquisadores de tendências do mundo, na década de 1980 definiu como Cocooning, ou encasulamento em português. Lá atrás, o que levou as pessoas a esse movimento foi a sensação de insegurança trazida pelas guerras e pela violência urbana, as doenças contagiosas, a recessão. Um contexto que tornava o ambiente externo difícil e assustador e levava as pessoas ao recolhimento, buscando conforto e segurança dentro das seus próprios casulos.

Alguma semelhança com os dias de hoje?

Estamos passando mais horas dentro de casa, experienciando cada cômodo no tempo em que antes estaríamos na rua, no bar ou na área de lazer. Transferimos todas as nossas atividades para espaços que precisam ser múltiplos. Dormir, estudar, trabalhar, fazer exercício físico, tudo nos mesmos metros quadrados. E é nesse exercício de permanecer num lugar só que passamos a observar os detalhes. Em mim, bateu a vontade de mudar de casa ou mudar a casa. E a essa vontade, assim como para milhares de lares no Brasil, o que se seguiu foi reforma, plantinhas, móveis menores, espaços flexíveis. Tudo pra gente se sentir bem no espaço que ocupa.

Agora quer saber de uma coisa? O resultado desse processo foi eu me questionar o porquê de nunca ter feito esse movimento antes. Por que a vida lá fora se tornou tão protagonista em nossas vidas, a ponto de nos fazer negligenciar pequenas coisas que nos fazem tão bem do lado de dentro? Quando cuidamos da casa que nos abriga, estamos cuidando da gente. Da nossa saúde, física e mental. Estamos começando uma transformação exatamente onde toda mudança deveria começar. Todo bicho que faz casulo está em vias de se metamorfosear.

Às vezes, a novidade que procuramos lá fora, está nos esperando do lado de dentro. Por isso, desejo que dois mil e vinte seja um ano pra nos inspirarmos na natureza – com casulo, metamorfose e novos voos.


Tiago Belotte é fundador e curador de conhecimento no CoolHow – laboratório de educação corporativa que auxilia pessoas e negócios a se conectarem com as novas habilidades da Nova Economia. É também professor de pesquisa e análise de tendências na PUC Minas  e no Uni-BH. Seu Instagram é @tiago_belotte. Escreve nesta coluna semanalmente, aos sábados.

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