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O sentido da vida é pra frente
Foto: unsplash
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Neste artigo:

Tenho o privilégio de cultivar amizades que atravessam o tempo, as mudanças da vida e os oceanos. A Juliana é minha amiga desde a infância. Era minha vizinha, estudamos na mesma escola durante a adolescência e, há quase quinze anos, ela deixou nosso clima tropical, atravessou o Atlântico e foi morar em Amsterdã, na Holanda.

Passamos praticamente um ano inteiro sem nos falar como era antes. Mas, religiosamente, temos nosso encontro marcado todas as vezes que ela vem para o Brasil. Nesses instantes – como no nosso almoço de ontem –, sentimos que muita coisa mudou nos últimos doze meses, menos nossa sintonia e entrosamento. E a gente se sente em casa, uma na companhia da outra.

A velha amiga, ansiedade

Durante os tantos assuntos que a gente tinha pra colocar em dia, falamos sobre a ansiedade, aquela velha amiga e uma das coisas que comungamos juntas, seja a Ju na Holanda e eu no Brasil – dados apontam que uma em cada oito pessoas ao redor do globo tem ansiedade. Não estamos sozinhas, ufa.

O fato é que a ansiedade atrapalha as nossas vidas. Eu e minha amiga somos experts em desenhar cenários catastróficos para situações hipotéticas – e, claro, sofrer por antecipação, esperando pelo pior. Somos intensas, perfeccionistas e nos cobramos performance o tempo todo. Prato cheio para esse estado ansioso deitar e rolar (feito minha amiga quando não consegue dormir, tamanha a preocupação).

No último ano, procuramos tratamento. Ela lá e eu aqui, mesmo sem uma saber nada sobre a outra naquele período. Mas a Ju me contou sobre seu receio iniciar a medicação prescrita, mesmo sabendo que, naquele momento, precisava desse suporte. Eu disse a ela que, depois de muito relutar, aceitar uma medicação tinha sido o melhor que eu havia feito por mim.

Se cuidar é essencial

Confessamos que temos preconceito com medicações – ainda mais quando percebemos uma sociedade tão medicalizada como a nossa. Mas é preciso lembrar que, quando bem indicada e acompanhada, a prescrição pode ser essencial para nos tirar de situações muito difíceis, permitindo que a gente viva com mais qualidade de vida. Inclusive, sendo importante até para percebermos nossos padrões ansiosos a partir de um lugar mais sereno. E agir com mais assertividade rumo a nossa melhora. (Vale lembrar que um acompanhamento com psicoterapeuta também é fundamental).

“Ju, o maior ganho foi que agora, enquanto estou brincando com o meu filho, eu não sou visitada por uma lista de preocupações ou de pendências por resolver. Eu não vivo mais hipervigilante”, contei. Depois de muito conversarmos, ela agradeceu, se sentindo encorajada a iniciar seu tratamento. Um tom de pesar saiu da sua voz e ela sentiu arrependimento por não ter iniciado antes. “O sentido da vida é pra frente, amiga”, respondi, parafraseando a dra Claudia, minha dentista, que me deu essa resposta semanas atrás quando eu também lamentei não ter iniciado um tratamento ortodôntico antes.

Aprendendo a viver com a ansiedade

Conviver com a ansiedade é bastante desafiador, o que pode dificultar até mesmo a decisão pelo início de um necessário tratamento – tamanha as preocupações que tomam a mente de um ansioso. Mas o importante mesmo é começar, mesmo sem garantias. É lembrar que o que passou, já foi. É no agora que algo pode ser feito – nem ontem, nem amanhã. Hoje. Em pequenos passos, ou em pequenas doses. Um grande aprendizado para nossas mentes que insistem em viajar pelo tempo.

Venho aprendendo que conviver com a ansiedade é dar um voto de confiança em mim, na vida. É caminhar um passo de cada vez. É parar de lamentar por tudo o que eu não fiz. É não ter medo do amanhã. A lição, para o ansioso, é estar no agora, único tempo possível para dar passos rumo ao que se deseja. Como diz a canção do nosso sábio Gilberto Gil, “Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei… Transformai as velhas formas do viver. Ensinai, ó pai o que eu ainda não sei”.

Me despedi da minha amiga, que logo estará de volta para Amsterdã. Levaremos mais uns bons meses para o reencontro. Até lá, dia após dia, desejo que ela fique bem. Ela e eu também. E especialmente você, caso também precise de um empurrãozinho para começar a se cuidar, amorosamente. Um passo de cada vez.

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Conteúdo publicado originalmente na newsletter da Vida Simples. Cadastre-se para receber semanalmente em seu email a newsletter Simplesmente Vida, com cartas exclusivas de Débora Zanelato, diretora de conteúdo de Vida Simples.

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