Não é saudável adaptar-se à uma sociedade adoecida
Em uma sociedade que valoriza ações competitivas, não há espaço para o cuidar - um ingrediente primordial para a manutenção da civilização
Nós, seres humanos, fomos profundamente programados para pertencer a uma sociedade. Não foi através da competição que atingimos a evolução, mas sim por conta dos cuidados coletivos e individuais de uns aos outros.
A antropóloga Margaret Mead já nos disse que o primeiro vestígio de civilização humana foi um fêmur quebrado e curado, encontrado em um achado arqueológico.
Ser humano convive pelo cuidado
Sendo fêmur um dos maiores ossos do corpo humano, sua cura demora quase dois meses, e para que essa cura aconteça, outros seres humanos disponibilizam seu cuidado por esse tempo todo.
O ponto é: o que fez com que os seres humanos evoluíssem enquanto grupo foi a empatia e a capacidade de se preocupar com os outros, que são a base primordial do cuidado.
Hoje, vemos que uma metade da população foi programada para fazer cuidados, manter a organização da vida, a manutenção do começo da história de tantos seres humaninhos.
Por outro lado, a outra metade da população foi programada para competir, destruir, guerrear, dominar, através do que podemos chamar de movimento de virilização masculina.
Uma sociedade doente
Atendo muitas mulheres na clínica, dizendo que se sentem profundamente inadequadas neste mundo de rivalidade, de ambição desmedida, de violências completamente naturalizadas. “Não é saudável adaptar-se a uma sociedade profundamente doente”. A frase é do filósofo indiano Jiddu Krishnamurti, a qual me vejo repetindo muitas vezes nas sessões.
Quando sentimos que não podemos usar nossa raiva de maneira a mudar o mundo, a nos posicionar contra as opressões e injustiças, resumidamente a ter algum poder de agência em mudar o ambiente em que vivemos, tendemos a voltar essa raiva para nós, através principalmente de julgamentos.
Se sentir incapaz de se adaptar é em última instância um julgamento, que serve para esconder nossa falta de desejo de nos adaptar, e nossa profunda raiva por sentir que temos que nos adaptar. Mas, temos?
Animais de grupo que somos, sentimos que sim, porque quando crianças, sem essa adaptação, morresíamos, literal ou psiquicamente. Mas não podemos esquecer que hoje somos adultos. E que também somos animais de comunicação, de sentido, de desejo.
Podemos aprender a conservar relações minimamente nutritivas, e na melhor das hipóteses, também passar a nos ver como parte de alguma mudança do ambiente adoecido em que estamos inseridas.
Para que não precisemos nos sentir inadequadas e falhas em nos adaptar a algo que, em realidade, nem queremos de verdade.
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