Nada do que foi será – os muitos estágios da quarentena
Estamos todos reaprendendo a viver. E entre muitas opiniões, diversas polarizações e infinitas incertezas sabemos apenas que tudo será diferente em nossas vidas daqui em diante…
Estamos todos reaprendendo a viver. E entre muitas opiniões, diversas polarizações e infinitas incertezas sabemos apenas que tudo será diferente em nossas vidas daqui em diante…
Minha quarentena começou um pouco antes da maioria aqui no Brasil. No dia 11 de março, acordei com a notícia que duas das cinquenta alunas de um curso que eu ministrava naquela semana haviam passado por testes de covid-19 naquela manhã, depois que pessoas bem próximas a elas receberam confirmação do vírus. Em um rompante quase impulsivo e, até então, sem tanta explicação lógica, cancelei as aulas presenciais. Poucas horas depois, outras duas alunas me procuraram com o mesmo relato – estiveram, no fim de semana anterior, em eventos que naquele dia apareciam como focos de disseminação para paulistas e cariocas. Estas quatro tiveram resultado negativo, mas uma quinta veio a ser positivo confirmado em seguida. Sim, em uma turma de cinquenta pessoas, cinco – ou seja 10% – passaram muito perto do vírus que ainda não parecia tão próximo da realidade da maioria no Brasil, país que ainda registrava os primeiros casos.
Ter tido contato com a pandemia na semana anterior a ela de fato explodir por aqui fez com que eu começasse a passar logo pelos múltiplos sentimentos que se enfileiram para todos. A influenciadora brasileira Fernanda Neute, que mora em Nova York, compartilhou nesta época uma ótima matéria do Harvard Business Review que compara as etapas da pandemia aos estágios do luto: tudo começa com a negação (até a minha coluna do mês passado era o ponto no qual eu estava, admito), aquela que nos faz acreditar que não é assim tão sério ou que não chegará a nos atingir.
A mistura de sentimentos
Passa pela raiva (pode ser do vírus, mas também pode ser das pessoas que enxergam diferente de você, por exemplo), pela negociação (“ok, fico em casa por 15 dias e depois posso voltar para a vida normal?”) e pela tristeza (a fase mais dura, é como se fosse o momento em que de fato nos cai a ficha do que está acontecendo). No fim, atinge a aceitação e o posterior significado – “por que aconteceu tudo isso e o que tirarei da situação?”.
Importante dizer que estas etapas por vezes vão e voltam em looping. Quando achava que já estava prestes a aceitar, a raiva batia na porta de novo. Os dias de altos e baixos ainda têm muito da tristeza – como não senti-la quando a gente olha em volta? Mas agora, um mês depois de me trancar em casa, vejo que nenhum estágio foi tão duro para mim como as duas primeiras semanas. Foi quando, por ter tido contato com pessoas que poderiam estar com o vírus, precisei fazer afastamento físico da minha filha de seis anos. Ela, que até hoje fugia para a minha cama em algum momento da madrugada, aprendeu de supetão que o quarto da mamãe era um lugar proibido.
Fiquei de coração partido ao receber um bilhetinho – em ortografia e pontuação de uma recém-alfabetizada – dizendo “estou com muita saudade de te abraçar e da sua cama especialmente”. E eu, que desde que li o livro “As Cinco Linguagens do Amor”, dizia que o toque físico não era algo prioritário para mim, descobri que todos nós precisamos de afeto. Percebe-se isso ainda mais quando ele fica escasso de alguma forma. Do 15º dia em diante, com os abraços da minha pequena, o isolamento ficou bem menos difícil para mim.
Reconstruções
Ainda não estou nem perto de completar a caminhada dos estágios do luto. E tudo bem, já que – estudos infelizmente indicam – terei muito tempo para chegar lá. Mas pouco a pouco estou aprendendo a lidar com as crenças e valores diferentes, com o não-julgamento do outro e com a aceitação da caminhada distinta de cada um entre estas etapas.
De cada etapa e de cada aprendizado, tem ficado a mensagem de que é preciso reaprender a viver. Que é necessário colocar-se em movimento. Que não podemos sentar e esperar tudo voltar ao que era antes (pois não voltará) para tomar atitudes. Por mais fé e otimismo que tenhamos – e que consigamos manter isso em dia! Estamos todos conhecendo novas formas de nos relacionar, de trabalhar, de lidar com o mundo. Do uso de uma ferramenta digital diferente à reinvenção do próprio sustento, cada um terá que se reconstruir de uma forma. Sem resistência.
A mesma matéria da Harvard Business Review aponta que, tal e qual a rotina dos aeroportos mudou para sempre depois do 11 de setembro, a pandemia do covid-19 vai alterar a forma como fazemos tudo a partir de agora. Vamos, sim, reaprender a viver. Porque ainda que a cura e a vacina cheguem em breve, nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia.
Ale Garattoni é carioca, formada em Administração de Empresas, com especializações em Marketing e Jornalismo de Moda. Fundadora da Amo Branding, que trabalha imagens de marcas com base no autoconhecimento, e do @Blog5Sentidos, que criou para compartilhar seu processo de transformação pessoal. Por aqui, mensalmente, divide sua experiência nesta caminhada.
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