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Mais que uma amizade, um manifesto de amor
A trajetória de amizade entre Lu Gastal e sua boneca Marcelinda (Foto: arquivo pessoal)
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Não é segredo: sou daquelas pessoas que curte datas comemorativas! Mesmo ciente de que existem para engajar vendas e girar a roda do comércio, as aprecio justamente por serem caminho na celebração de coisas e pessoas memoráveis.

Essas datas distribuem-se educadamente pelos dias do ano. Seja para festejar os professores, os avós, a música, a poesia, os oceanos, a árvore, a bicicleta, a amizade; tem dia pra tudo ou quase tudo. Não importa se a homenagem é a algo ou alguém – a regra é lembrar, solenizar! E eu gosto disso.

No dia 20 de julho celebra-se o Dia Internacional da Amizade. Curto essa data desde quando eu era adolescente, época em que já adorava escrever cartas (e por óbvio, recebê-las).

Em tempos de relações analógicas, cartas eram a alternativa de comunicação extra curricular; também chamadas de correspondência, conectavam relações além dos limites de colégio/clube/trabalho.

Eis que chego, então, ao coração dessa história.

Marcelinda sumiu

Para quem não sabe, explico; sou uma contadora de histórias e carrego comigo uma boneca de pano, a Marcelinda. Na locução verbal, à tiracolo. Marcelinda é minha correspondente – a ela cabe a narrativa de meus rolês de trabalho e de estrada – leia-se nas entrelinhas: é minha amiga e companheira!

Comunicadora real/oficial das prosas e versos da vida, é ela quem escreve minhas próprias cartas. A partir dessa existência, tantas coisas lindas acontecem em movimento de gratuidade.

Marcelinda provoca nas pessoas instantes de alegria, ludicidade, encontros com memória afetiva. Por vezes até atiça desconforto. Eu a observo. Temos um pacto de poesia.

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A história de uma amizade

No perfil de sua conta no Instagram, a boneca se autoexplica: olhar, voz e coração da Lu Gastal. Embora transite pelos mesmos caminhos que eu, há momentos em que se desprende; somos parecidas, pero no mucho.

Pelos quilômetros da minha infinita highway, Marcelinda passou a ter voz própria, adquiriu quereres, manias e vontades. Hoje, tem vida!

Juntas, provocamos sensações – o que Bianca Ramoneda, escritora, jornalista e apaixonada por Manuel de Barros, nomeia como inutileza – “coisas que não servem para nada, supostamente inúteis no nosso cotidiano, e que, ressignificadas, transformam-se em matéria prima da poesia, em beleza e alimento para o espírito”.

A verdade é que somos grandes AMIGAS, e pensar que a perdi é inimaginável, se é que me entendes. A verdade é que ela sumiu, e sinto uma baita saudade. Perdê-la é como extraviar parte de mim.

Lu Gastal e sua amiga a boneca Marcelinda.

Marcelinda foi sensível à tragédia no Rio Grande do Sul

Acontece que nos últimos meses, Marcelinda se calou diante do que presenciou com as enchentes na sua terra. Por semanas esteve presente nas ações com as quais vivi e me envolvi, mas pouco falou – e nada escreveu.

Dentro do carro, por estradas alagadas e pontes provisórias, dividiu o espaço físico com mantimentos, roupas, colchões, medicamentos, colchas de crochê. Atentamente percebeu e respeitou a dor e torpor de cada pessoa com quem cruzou pelo caminho; afetivamente as abraçou, concedendo-lhes a escuta e compaixão.

Posso, por descuido, tê-la perdido? Dificilmente. Acredito que cuidado também é respeito aos tempos do outro. Além disso, atônita diante dos acontecimentos, Marcelinda pode ter se recolhido em algum lugar, há de ter motivos para tal.

Você pode até me questionar: ao invés de procurá-la com o coração apertado, não seria mais fácil costurar outra? Afinal, ela não é só é uma boneca? Resposta negativa. Isso porque sua existência importa muito para mim, e sinto falta dela.

Enquanto não nos reencontramos, essa adulta que em tempos passados escrevia cartas para comunicar-se com o mundo pede ajuda à São Longuinho, a quem promete três pulinhos. E segue à procura de sua amiga e comunicadora dos encontros nas estradas da vida.

A quem interessar possa, desde que fomos surpreendidas pelas chuvas no final de abril, Marcelinda não trocou mais sua roupa – veste camiseta branca, macacão jeans e all star vermelho.

Beijos meus!

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