Escreva sua carta
E se pudermos, juntos, construir uma análise de nossas angústias e propor caminhos com menos culpa e mais liberdade de ser?
E se pudermos, juntos, construir uma análise de nossas angústias e propor caminhos com menos culpa e mais liberdade de ser?
Em 1949, Nelson Rodrigues atacou de conselheiro sentimental usando o pseudônimo “Myrna” para responder cartas (especialmente de mulheres) no jornal “Diário da Noite”. Ninguém sabia quem era Myrna… As cartas eram, principalmente, sobre problemas relacionados a relacionamentos amorosos. Tanto as cartas quanto as respostas me trazem uma leitura interessante sobre o universo das relações de gênero que marca os últimos séculos e que está em tensão especialmente desde 1968. Ou seja, em termos históricos, logo ali.
A leitura desses textos oferece muitas reações possíveis. Mas quero comentar uma especificamente. Chama a atenção como separamos aspectos considerados femininos de masculinos e como construímos um funcionamento político, filosófico e científico baseado nessa separação. Mas e se esses aspectos não forem assim tão separados? E se um modo de pensar que agregue ao invés de opor, que some diferenças, puder trazer uma outra perspectiva para lidarmos com as contradições dessa separação? Será possível questionarmos nossas ações sem ficarmos imediatamente tomados pela culpa e pelo medo?
A ideia dessa coluna é fazermos juntos uma arqueologia do pensamento imediato, das reações comuns que temos aos problemas cotidianos. Esse modo de pensar nos foi dado e, muitas vezes, reproduzimos culpa, medo e insegurança sem nem entender o porquê. Cotidianamente, na clínica, vejo homens sofrendo porque não podem chorar, porque não aprenderam a acolher seus sentimentos e a nomear suas emoções. Vejo mulheres sofrendo porque se sentem culpadas por não atingirem um padrão de desempenho em papéis e tarefas árduas e inconciliáveis. Me parece que vivemos um momento de transição cultural onde o que nos foi ensinado não dá mais conta de sustentar quem somos.
Outro dia, estava atendendo uma colega e fiz a seguinte observação: falta gente que faça divulgação científica de qualidade na nossa área. Terminando a sessão, me deparo com um convite da Débora para compor essa coluna. Não era possível negar, eu já havia me comprometido antes de receber o convite.
Brincando com essa oposição à Myrna de 1949, proponho nessa coluna responder cartas de mulheres, e de homens, cis, trans… de todo mundo, sobre quaisquer dúvidas. A ideia é construir coletivamente uma outra posição para pensarmos nossas relações.
Um outro lugar na relação saber-poder entre a assim chamada “psicologia”, ou “saúde mental” e nossas questões cotidianas, simples e complexas, refletindo sobre o que nos afeta.
Desde a invenção da assim chamada “psicologia”, uma série de regras e normas foram criadas e divulgadas, aceitas e reproduzidas pelo senso comum. Acabamos por inventar algumas normativas como se garantissem uma certa segurança para nossas decisões. Mas será que elas vem dando conta do mundo de hoje? A julgar pelo numero de pessoas em sofrimento, parece que não…
Estive em muitos lugares: nos últimos 20 anos, militei no campo dos Direitos Humanos, compus o Conselho de Psicologia, trabalhei em CAPS, em Manicômio, em Manicômio Judiciário, trabalhei com dependência química, implantei programa de Redução de Danos, fiz campo com profissionais do sexo, trabalhei com “bombadeiras”, trabalhei em programa da saúde da família, estudei terapia familiar, fiz mestrado, doutorado, trabalhei com pessoas torturadas, dei aula de psicologia na graduação e na pós-graduação, e sempre atendi em consultório particular crianças, adolescentes, adultos e pais preocupados.
Agora, depois de uma mudança radical de vida, atendo e dou supervisão online, construindo um novo modo de encontro mediado pela tecnologia. Na onda desse novo modo, aceito feliz o convite deste “caminho das cartas” como um dispositivo para ampliar as discussões tão interessantes que venho colecionando em meus encontros com tantas intimidades diferentes.
O que você, leitora, leitor, tem pensado, refletido, vivido ultimamente? O que mais tem te incomodado? Sobre quais questões você gostaria de conversar? Que esse encontro seja potente e transformador pra todes nós!
Myrna Coelho é psicóloga clínica, professora e doutora pela USP. Decidiu recomeçar a vida do outro lado do oceano, onde segue atendendo seus pacientes e dando supervisão online. Por aqui, semanalmente, reflete sobre como podemos viver com mais liberdade de ser. Mande sua mensagem para: [email protected].
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