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Entenda na prática o impacto dos traumas emocionais da infância
Verne Ho
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Tem-se sentido mais cansado, desanimado, desligado ou até desorientado? Parece que o mundo todo está meio assim, não é? A verdade é que a humanidade não está apenas cansada, desligada ou virada do avesso. A humanidade está traumatizada. Neste texto, vamos conversar sobre traumas emocionais e como encontrar alento para nossas próprias feridas.

O mundo sofreu inúmeras dores que têm corroído o tecido da sociedade moderna. Da recente devastação deixada pela pandemia da covid-19, aos horrores das guerras que se incendeiam hoje pelo mundo. Dos desastres ambientais, às polarizações cada vez mais violentas, vividas dentro das redes sociais.

Temos testemunhado a fragilidade da nossa existência e a incapacidade de a humanidade proteger a própria humanidade.

Muitos podem achar que estamos apenas enfrentando os desafios do nosso tempo. Mas, a verdade é que estamos lidando com sintomas de algo muito maior do que a consequência da Modernidade.

Estamos diante de uma das maiores e talvez a mais silenciosa ameaça à saúde humana. Estima-se que mais de 70% da população mundial já tenha sido exposta a essa ameaça. Surpreendentemente, não estamos falando de um vírus ou uma bactéria. Estamos falando de traumas emocionais vividos na infância.

Os traumas emocionais fazem parte da vida de todos nós

Os traumas emocionais afligem não apenas indivíduos, mas também comunidades e sociedades inteiras. Gabor Maté, um dos maiores especialistas no tema, escreveu: “o denominador comum para praticamente todas as aflições é a existência de algum trauma”. E nele inclui doenças mentais, vícios, problemas de saúde física e diferentes tipos de transtornos emocionais.

E antes que descarte essa ideia com pensamentos como “eu não tenho traumas, porque minha infância foi feliz”, permita-me esclarecê-lo.

Infâncias felizes não impedem dores emocionais imprevisíveis. Além disso, um trauma não é apenas feito de eventos catastróficos. Não se sentir visto ou importante, é um trauma. Ter sido humilhado ou rejeitado, também. Paralelamente achamos que sintomas de traumatização se resumem a flashbacks ou insônias crónicas. Acontece que dores musculares frequentes, oscilações de humor abruptas, hipervigilância ou isolamento social frequente, também o são.

É hora de reconhecermos, de uma vez por todas, o que muitos de nós negaram a vida toda. O trauma de infância não passa só porque chegamos à vida adulta.

Carregamos o passado às costas. Feridas ignoradas, infelizmente, não são feridas curadas. Aceitar que somos seres vulneráveis e que a vida pode ser difícil é o primeiro passo para podermos olhar nossos fantasmas nos olhos…

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Eu sei. Custa-nos aceitar que o divórcio dos nossos pais pode nos levar a um trauma. Que o fato de nos terem feito promessas que ficaram consecutivamente por cumprir, pode ter aberto uma ferida invisível. Custa-nos assumir que aqueles alunos da escola que nos roubavam o lanche, não eram apenas adolescentes chatos. Aquilo nos marcou. Como nos marcaram todas as vezes que, em almoços de família, o tamanho do nosso corpo era motivo de piada. Como nos atingiram profundamente todas os momentos em que um professor desistiu de nós. Em que a nossa autenticidade foi julgada e reprimida.

Custa-nos, porque o mundo nos ensinou a desvalorizar as nossas dores, como forma de as superarmos. O mundo ainda tem uma atitude culpabilizante com os processos inerentes à dor emocional. Ensinaram-nos que sentir dor não é normal, que ter medo é sinal de fraqueza, que errar é vergonhoso e que chorar por coisas pequenas é um exagero.

Por isso, aprendemos a evitar nossas emoções e a fugir de nossas memórias desagradáveis. Temos procurado fórmulas externas para evitar entrar em contato com nossas próprias feridas. Pessoas traumatizadas têm procurado sucesso, poder, riqueza, prazer ou distrações permanentes, como forma de alívio e fuga emocional. E os sintomas não tardam em se apresentar. Sociedades, países e comunidades violentas, xenófobas, racistas ou extremistas são, na verdade, compostas de pessoas traumatizadas. Pessoas feridas, que ferem. E isso não serve para justificar comportamentos tóxicos ou disfuncionais. Serve, antes, para olharmos o que verdadeiramente importa: se estamos feridos, precisamos cuidar das nossas feridas.

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Por mais impotentes que nos sintamos diante de problemas globais, a transformação acontece, sempre, uma pessoa de cada vez. Um passo atrás do outro. Sim, podem chamar-me de ingênua. Mas, não desisto de acreditar nisso.

Ao cuidarmos das nossas feridas estamos, na verdade, trilhando o caminho da cura coletiva. Cada passo que damos em direção ao acolhimento das nossas dores, é um passo em direção a um mundo mais compassivo e empático.

Então, precisamos entender a parte que nos cabe. Devemos começar por reconhecer que as experiências dolorosas que vivemos na infância tiveram um impacto real em nossas vidas. Que por menores que essas feridas nos pareçam, elas merecem atenção e cuidado. Além disso, é fundamental criarmos um espaço seguro para que cada um se sinta confortável ao compartilhar suas histórias e experiências. Precisamos encontrar a segurança de expressar nossa vulnerabilidade sem ouvirmos coisas como “isso não é nada” ou “no meu tempo era muito pior”. Para isso, a busca de educação emocional torna-se fundamental.

Quando nos educamos sobre as raízes dos nossos traumas coletivos e individuais, ganhamos a sabedoria necessária para evitar a repetição dos erros do passado. A educação emocional é o antídoto para a ignorância emocional, e através dela, podemos moldar um futuro emocionalmente mais seguro.

Essa transformação não é apenas um evento esporádico, mas uma jornada que se desenrola a cada dia, por meio de escolhas conscientes e ações deliberadas.

Construir uma sociedade mais justa e compassiva começa não apenas em grandes movimentos sociais ou revoluções, mas na maneira como lidamos com nossas relações mais próximas, em nossas casas e comunidades. Isso se espelha no modo como cuidamos da nossa família, como educamos nossos filhos e como nutrimos nossos relacionamentos pessoais. Isso se estabelece na forma como expressamos nossas emoções mais vulneráveis, como nutrimos nossas necessidades e respeitamos nossos limites pessoais e coletivos.

Portanto, enquanto nos esforçamos para enfrentar nossos próprios traumas e lidar com nossa dor, também estamos construindo os alicerces de uma sociedade mais resiliente e compassiva.

Cuidar das suas feridas não é apenas sobre você. É sobre o mundo.

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