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Enquanto a cura não vem, podemos nos curar
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Mudanças internas levam às externas. A era do egossistema deixa espaço para o ecossistema. O caminho é da indiferença para a solidariedade e prática da compaixão

Primeiramente, escolhi acreditar que serão novos tempos. Só tenho uma certeza: que não quero mais viver como vivia antes. Além dessa, não tenho certeza alguma. Olho para o hoje e acredito (ainda mais) que mudanças significam crescimento e a oportunidade de criar um futuro melhor — e não só a perda de estruturas e segurança.

Para realizar essa ideia, eu me movimento, exercito a coragem para explorar novos caminhos, mas me desapego do que não me serve mais e construo. Estou no meio de uma travessia. Estamos no meio de uma travessia. Pois sim, a travessia é a fase atual, a do Covid-19.

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No início, às vezes, me via com medo e paralisada. Com dificuldade para respirar tinha a sensação que ia afogar. Isso mudou. Agora só penso que sim, posso conseguir chegar do outro lado e ser uma pessoa melhor. Não quero chegar do outro lado de mãos vazias, nem trazendo apenas o antigo e o conhecido. Não quero atingir meu objetivo sendo uma “irrisória parodia da minha existência anterior”. Parafraseando Simone Beavouir, digo que estou deixando para trás hábitos, ideias, desejos que já não cabem mais no tempo atual — imagine futuramente.

“É o tempo da travessia e se não ousarmos fazê-la teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos” dizia Fernando Pessoa, nos versos do poema Travessia. Acredito nisso. Se estou falando que o Covid-19 tem um lado bom? Não. Estou falando que os que têm o privilégio de poder ficar em casa, podem aproveitar a oportunidade para o autoconhecimento, para a autorevolução, para a reinvenção. Para assim, consequentemente, transformarem a realidade e contribuirem com um mundo melhor.

Sem zona de conforto, sem piloto automático

A pandemia chegou e nos deu um pontapé para sairmos do automático, aniquilou a zona de conforto. Ao meu ver, um dos grandes obstáculos que distanciava o ser humano do seu potencial e de ser sua melhor versão é o conformismo. Milhares de pessoas, antes de mais nada, optavam por uma vida segura, conhecida, fazendo do mesmo com pensamentos ultrapassados ao invés de experimentarem o novo, ousarem e criarem. O medo e a busca pela perfeição prevaleciam. O ego era maior que o propósito. Objetivos sem sentido deixavam pessoas reféns de seus pensamentos limitantes, e no automático, no ilusório modo de sobrevivência, seguiam suas vidas longe da prosperidade.

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Essas atitudes não se encaixam mais nesse momento de transição. Estamos expostos, vulneráveis. Dependemos um dos outros. Somos conectados. Mais do que nunca precisamos agir pelo outro e por nós. Olhar para fora, para dentro e para os lados.  Não exatamente nessa ordem, mas nessas direções, sempre. Novamente Simone de Beauvoir:  “A vida conserva um valor à nossa vida, enquanto atribuímos valor à vida dos outros, através do amor, da amizade, da indignação, do amor, da compaixão”

Mudanças internas levam a mudanças externas. A era do egossistema deixa espaço para o ecossistema. O caminho é da indiferença para a solidariedade e prática da compaixão. O foco sai do supérfluo e se direciona aos bens essenciais. Enquanto a cura não vem, podemos ir curando a nós mesmos. Assim, neste momento de transição é hora de escolher com muito afinco o que queremos levar conosco, que comportamentos, crenças e desejos vamos manter e quais deixaremos para trás.

Entendo que adaptar-se é fundamental. E isso precisa acontecer de forma ágil e despretensiosa. É hora de explorar com leveza sem muita exigência ou cobrança. Dosar a produtividade, agir mas não esquecer de sentir.

Quais serão as suas escolhas?

Se estou pronta? Não. Mas estou no caminho. E com coragem vou testar, aprender, errar e acertar fazendo. Decerto, a oportunidade agora é de desapegar. Abrir mão de verdades que não trazem mais felicidade nem saúde e me abrir para aprender a desaprender o que não mais funciona, e aprender coisas novas.

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Escolho o caminho dos meus antepassados que já trilharam a jornada do desconhecido com confiança em si, na vida e no mistério. Ainda não tenho as respostas, mas sei que elas virão na hora certa. Meu compromisso é com a vida e com a decisão de continuar evoluindo sempre.

E você? Quais são suas escolhas? Como será a sua travessia?

Ana Raia trabalha há mais de 15 anos com desenvolvimento humano. Ministra cursos particulares e coletivos, palestras e workshops. É estudiosa das ciências humanas e é tão humana quanto você. Seu Instagram é @anaraia. Escreve neste espaço mensalmente, na terceira terça-feira do mês.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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