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E se a gente estiver confundindo viver com procrastinar?
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Este não é mais um texto contra a procrastinação. Tão pouco é em defesa. É uma conversa sincera pra colocar os pingos nos is e nos bois só os nomes que eles merecem.

Vou direto ao ponto, tá? Acho que a gente tá levando a sério demais a necessidade de sermos produtivos o tempo todo. Byung-Chul Han já nos alertou, somos a Sociedade da Performance. Carrascos de nós mesmos, não nos damos um minuto de sossego. Precisamos bater a meta, sermos a melhor versão de nós mesmos e conquistar o próximo nível ou prêmio.

Adicione ao nosso modo de vida performático um outro, baseado no conceito de Sociedade do Espetáculo, do escritor francês Guy Debord. Aí entenderemos que viver em busca de performance nem satisfação traz, apenas uma fictícia, projetada nas imagens publicadas em alguma rede social. Porque no fundo, a busca pela performance é nunca se saciar. Toda linha de chegada se transforma em começo. Sem honra, nem glória. A não ser aquela de plástico, que nós mesmos projetamos, pra tentar preencher o vazio. Por dentro, a sensação de falta, por fora a imagem gloriosa pra tentar produzir autoestima a base de aplausos.

Não há tempo a perder e tudo que não conduz ao “resultado” vira procrastinação e vergonha. Eu, por exemplo, me culpo quando, no meio da tarde, estou tomando um cafézinho e olhando pela janela. Deixo de ver o que acontece do lado de fora e passo a pensar – ô céus, a lista de tarefas não tá nem longe de acabar. E o pior que nem vai. Listas de tarefas finitas são tão raras quanto os pássaros nas grandes cidades. Cheguei a essa conclusão enquanto tomava o café e procurava por algum pela janela, antes que o instante de ócio terminasse em culpa, ao som da voz julgadora a dizer “tá procrastinado né?”.

Outro dia estava no Clubhouse, sim a nova rede social, novamente, no meio da tarde. Isso mesmo, às 16 horas uma amiga me chamou para participar de um clube de leitura por lá. Justifiquei pra mim mesmo que estava tudo bem, porque era meu horário de café. Patético, mas real, precisei convencer meu carrasco da produtividade que aquilo não ia atrapalhar a minha performance.

Foi no clube da leitura que alguém surgiu com um livro e uma questão: não estamos nos adoecendo em prol de uma produção sem fim? E eu, que já estava indignado comigo mesmo, por não me dar um segundo de paz, concordei. Estamos confundido as coisas. Chamando viver de procrastinar. Afinal, brincar com a minha filha, tomar um café e procurar por pássaros no céu são coisas tão importantes quanto a reunião, a planilha e a apresentação. Ou até mais, apesar do nosso carrasco não gostar. Não dá resultado, nem like no Instagram ou palmas no LinkedIn, mas rende sorriso, sossego e afeto.

Criei um filtro pra mim, só aceito chamar de procrastinação algo que não está me trazendo paz, alegria ou afeto. Que não vai entrar para aqueles bons momentos da vida que a gente se recorda quando está bem velhinho. Se estou rolando infinitamente o feed de uma rede social, atualizando uma página de notícias sem querer ler nada ou checando o WhatsApp a cada cinco minutos, tá certo, estou mesmo procrastinando. Mas se estou sorrindo, refletindo ou dando e recebendo amor a alguém, não é procrastinar, é vida, e vida da melhor forma que há.


Tiago Belotte é fundador e curador de conhecimento no CoolHow – laboratório de educação corporativa que auxilia pessoas e negócios a se conectarem com as novas habilidades da Nova Economia. É também professor de pesquisa e análise de tendências na PUC Minas  e no Uni-BH. Seu Instagram é @tiago_belotte. Escreve nesta coluna semanalmente, aos sábados.

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