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É melhor assumir que nos perdemos ou fingir que sabemos onde estamos?
Franco Antonio Giovanella on Unsplash
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No meio de uma estrada de terra e deserta, sem o menor sinal de vida ou civilização, minha filha pergunta a mim e a minha esposa: estamos perdidos? Nos olhamos e demoramos alguns segundos para responder.

Certa vez, fiz uma viagem de carro com minha esposa e minha filha, hoje com 4 anos. Estávamos felizes com os dias de férias e descanso. Voltávamos para casa animados para rever nossas famílias, amigos e nossas coisas. Viagem tem disso, né? Adoramos a descoberta e a exploração do desconhecido, mas chega uma hora que queremos voltar e ter a nossa volta o que conhecemos. E o que nos faz ser reconhecidos como nós mesmos.

Durante o trajeto de retorno, um congestionamento sem fim, numa rodovia cheia de caminhões e nem um centímetro de deslocamento. Antes de continuar, preciso te contar uma coisa: sou um nerd convicto. Adoro tecnologia e tudo que ela nos proporciona. Minha relação com esse mundo vem de cedo e de sempre, inclusive durante o ensino médio, quando optei por aprender a desenvolver softwares ao invés de química e biologia. Voltando à estrada, me lembrei que tinha colocado o aplicativo de mapa numa opção possível de utilizar offline, uma vez que não havia sinal de celular. Abri o mapa digital e vi que exatamente no ponto em que estávamos da rodovia tinha a entrada de uma estradinha de terra. Fui percorrendo com o dedo onde ela iria dar e para minha animação através dela era possível acessar a mesma rodovia, quilômetros à frente. Era nossa esperança.

Dúvidas no caminho

Resolvemos seguir a estrada e ver se a promessa se realizaria. Porque nem todo caminho leva onde dizia levar quando escolhemos entrar nele. Nos primeiros cem metros a esperança se transformou em tensão, por causa de uma ponte da largura exata do carro. Passada a ponte seguimos em frente, sem encontrar nenhuma pessoa que pudesse nos confirmar. “sim, essa estradinha vai mesmo levar vocês de volta à BR”.

Foi no meio da nossa angústia disfarçada que minha filha resolveu perguntar: estamos perdidos? Minha esposa e eu nos olhamos como quem não quer admitir algo nem para si mesmos, quanto mais para uma criança de 4 anos. Enquanto isso, minha filha emendou um “estou com medo”. Sem ter como nos afastarmos para deliberar nada longe dos ouvidos da pequena, por incrível que possa parecer, respondemos que sim, estamos perdidos. Mas também emendamos: vai ficar tudo bem, filha. Estamos perdidos, não sabemos exatamente onde estamos. Mas sabemos onde queremos chegar e temos uma noção da direção que leva para lá. Então vai dar tudo certo.

Não parar

Ela não ficou tranquila, mas entendeu a importância de colaborar com seu silêncio para que estivéssemos todos focados em encontrar uma saída. De volta à rodovia, comemoramos. E hoje penso que a vida é uma experiência de estar confortavelmente perdido. Nem sempre temos a precisa ideia de onde estamos e isso pode dar medo. Mas ao mesmo tempo, a melhor forma de agir não é parar. É seguir, sabendo onde se quer chegar e mantendo uma noção de direção.

Fingir que sabíamos onde estávamos daria uma falsa sensação de tranquilidade para minha filha, talvez para nós. Mas definitivamente não resolveria nada. Porque só encontra o caminho quem empenha suas forças e foco para buscá-lo. Vale para o processo criativo, para a vida e, seguramente, para a estrada de volta para casa.


Tiago Belotte é fundador e curador de conhecimento no CoolHow – laboratório de educação corporativa que auxilia pessoas e negócios a se conectarem com as novas habilidades da Nova Economia. É também professor de pesquisa e análise de tendências na PUC Minas  e no Uni-BH. Seu Instagram é @tiago_belotte. Escreve nesta coluna semanalmente, aos sábados.

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